Luanda - Em fim de mandato, e após a derrota da candidata do seu partido nas eleições presidenciais pelo republicano Donald Trump, Joe Biden, 46.º Presidente dos Estados Unidos da América (EUA) efectua uma visita de Estado a Angola de dois dias, para fortalecer não só as relações político-diplomáticas e de cooperação com Angola, mas também para relançar os laços de amizade e cooperação com o continente africano.

Fonte: JA

Histórica e marcada por um contexto internacional complexo e de alguma incerteza sobre o desfecho das guerras na Europa e no Médio, a visita do Presidente norte-americano marca um momento singular e importante na história das relações entre os dois países, estabelecidas ao nível político-diplomático em 1993, após a legitimação do governo angolano pela administração Clinton.

Este acontecimento, porém, marcou uma nova etapa nas relações com Angola, até então marcadas pelo paradoxo relacional: por um lado, a dimensão da conflitualidade, caracterizada pelo apoio político, diplomático e militar dos Estados Unidos à UNITA na guerra civil angolana; por outro, a dimensão económica, feita fundamentalmente através da Cabinda Gulf Oil Company Limited, uma subsidiária da norte-americana Chevron para a produção de petróleo em Cabinda.

Estando em fim de mandato e num contexto de derrota do seu partido nas últimas eleições presidenciais, por que motivo o presidente norte americano efetua uma visita de Estado a Angola, um país posicionado em quarta posição no contexto das relações com os países da África Subsariana e com fortes ligações com a China e Rússia?

A política internacional, segundo Charles de Gaulle, presidente francês entre 1959 e 1969, “não é feita na base de sentimentos, mas sim no quadro dos interesses estratégicos de cada Estado”. No caso dos Estados Unidos, no entanto, não fogem à regra. Ao visitar Angola, Joe Biden, enquanto representante máximo dos interesses do seu país, desloca-se ao país africano no quadro de uma estratégia global de redefinição da política externa norte-americana para África, caracterizada essencialmente pela presença e disputa com a China e a Rússia.

País estratégico, tanto pela sua localização geográfica como pelo seu papel no domínio securitário na África Austral e na Região dos Grandes Lagos, Angola é, no contexto actual da política internacional dos Estados Unidos para África, um país importante, se não central, no quadro da sua afirmação no continente africano. Esta importância estratégica deriva também no quadro da disputa de espaços estratégicos com a China e a Rússia em África.

Para além dos seus vastos recursos naturais e da sua estabilidade política, Angola faz fronteira com países sem costa marítima e com enormes recursos naturais, como é o caso da República Democrática do Congo (RDC), país conhecido no campo científico como uma “aberração geológica”, por causa da existência de enormes recursos minerais no seu território (lítio, cobalto, ouro, diamante, ferro e urânio), indispensáveis não só para a produção de energia eléctrica e nuclear, mas também para questões de segurança.

Estratégico no quadro das tecnologias da informação e do comércio internacional, Angola encontra-se numa região que detém mais de 40% dos minerais que irão dominar, nos próximos anos, a economia global, dos quais se destaque o fabrico de carros eléctricos, um dos setores de crescente disputa comercial entre os Estados Unidos e a China.

No quadro deste cenário, Angola afigura-se central no contexto dos interesses dos Estados Unidos. Por um lado, pelo seu papel e influência política no seio dos países africanos e na promoção paz e da estabilidade políticas no continente; por outro, por possuir uma rota comercial estratégica que facilite o escoamento de matérias-primas para os grandes centros do comércio global. Trata-se do Corredor do Lobito, uma infraestrutura rodoviária que liga Angola às zonas de minérios da RDC e da Zâmbia, que está a beneficiar de um investimento norte americano avaliado em milhares de milhões de dólares.

Um investimento que, não obstante o contexto em que está a ser feito, por uma administração democrata em fim de mandato, perspectiva, com a futura administração republicana, um cenário de continuidade da política internacional de Biden para África. Trata-se, não de uma estratégia do presidente Biden e do seu partido, mas sim do Estado norte-americano, no quadro das relações de competição em zonas estratégicas com a Rússia e China, o principal rival dos Estados Unidos no domínio económico. Com Trump, porém, e tal como se viu durante o seu primeiro mandato, caracterizado pela relação de conflito e competição com a China, vislumbra-se um cenário de continuidade da política da administração Biden para África, por ser eminentemente de carácter económica, o principal vector da sua futura política internacional.

*Investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS)