Luanda - Os investimentos no corredor do Lobito são obviamente muito bons. Mas não seria melhor processar os recursos de Angola e de outros países africanos, por exemplo metais de terras raras da RDC, dentro de Angola? Angola já dá muito, proporcionando ao Ocidente acesso directo a enormes reservas de recursos e aos países africanos acesso directo aos mercados ocidentais. Não será altura de nos concentrarmos em instalações de reciclagem, em vez de apenas construirmos infra-estruturas para remover recursos?

Fonte: Club-k.net

A visita do Presidente Biden a Angola terminou, mas deixou mais perguntas do que respostas. Podemos falar muito do seu tom amistoso e das suas declarações elogiosas em relação a Angola e a África, mas, como acontece frequentemente, as palavras do presidente americano divergem muito das acções da sua administração. E o maior problema é que a divergência entre as palavras e as acções americanas pode afetar diretamente o desenvolvimento futuro de Angola e a capacidade do país para melhorar o nível de vida dos seus cidadãos.


Como era de esperar, os recursos minerais e as infra-estruturas associadas à sua exportação foram o tema central da visita. Foi no contexto das exportações de minerais que Biden disse a sua agora famosa frase de que o futuro é África. Durante a visita, foram confirmados várias vezes os investimentos em infra-estruturas que ajudarão a concretizar estes planos americanos. Foram também anunciadas algumas facilidades para os exportadores angolanos e planos para investir em indústrias relacionadas. Tudo isto foi recebido com a aprovação amigável das elites políticas e da sociedade angolana.


Mas poderão estes investimentos ser o início da transformação global de Angola num país de rendimentos elevados? É já evidente que não. Estas medidas apenas perpetuarão o papel de Angola como um apêndice de matérias-primas, capaz de utilizar os seus recursos para cobrir apenas as necessidades mínimas de uma população em rápido crescimento. Atualmente, Angola é apenas um ponto de trânsito, facilitando a exportação de minerais críticos da RDC e da Zâmbia. Esta situação não é do interesse nacional do país. Para que os recursos naturais se tornem uma fonte permanente de grandes rendimentos e uma consequente melhoria do nível de vida da população, é necessário preencher uma condição - os recursos devem ser processados em Angola e não exportados, mesmo sem níveis mínimos de processamento. Isto também se aplica aos recursos da RDC e da Zâmbia. O acesso ao mar é um pagamento adequado para a localização de instalações de produção precisamente em território angolano. Mas a peculiaridade da discussão sobre os minerais africanos é que ninguém levanta sequer a questão da transformação no território do continente. Os investidores ocidentais tentam distanciar-se o mais possível deste tema, substituindo-o por outros projectos, muito menos importantes.


O analista político Emerson Sousa considera que “o atual modelo de gestão dos recursos de Angola resulta da necessidade urgente de gerar divisas e da recuperação económica, após anos de recessão e crise fiscal. No entanto, na sua opinião, esta política só tem lógica a curto prazo”. As acções das autoridades angolanas, por outro lado, perpetuam essas políticas durante décadas.


Segundo Sousa, “a transição de um modelo económico baseado na exportação de recursos para um modelo industrial requer tempo, planeamento estratégico e a criação de um ambiente de negócios mais favorável com reformas nas políticas fiscais e de incentivos. O grande dilema reside na falta de vontade política, na burocracia do Estado, nos fracos incentivos financeiros às empresas privadas, na escassez de mão de obra qualificada e no estrangulamento dos contratos do Estado que, em vez de incentivarem a concorrência natural, privilegiam um punhado de empresas estrategicamente importantes e controladas pelo regime, concedendo-lhes um sistema de contratação simplificado ou a adjudicação direta de grandes obras”.


Sousa recorda ainda que “em Angola, o impacto da atual estratégia de exportação de produtos de base é já visível nas dificuldades económicas que o país tem enfrentado nos últimos anos com a queda dos preços do petróleo. Apesar de o país ter tentado diversificar a sua economia, a dependência dos recursos minerais continua a ser um obstáculo à criação de uma economia de mercado mais estável”.


É difícil discordar da opinião do perito. Até à data, a política de exportação de recursos, mesmo sem fases mínimas de processamento, não trouxe quaisquer benefícios a Angola, pelo contrário, o país está em recessão há vários anos. Mas o problema é que a situação não pode ser alterada sem a vontade férrea do governo e de João Lourenço pessoalmente. Só eles podem obrigar os investidores a investir na transformação em território angolano. Já é claro para todos que, sem a pressão do governo, os americanos ou europeus nunca investirão em projectos de transformação em grande escala em Angola.


Emerson Sousa sugere que se olhe para a experiência da Indonésia no desenvolvimento da sua própria refinação. “A Indonésia é um exemplo interessante de como um país pode tentar inverter o ciclo de exportação de minerais não processados. A Indonésia adoptou uma política que proíbe a exportação de níquel e bauxite não transformados, obrigando os investidores a investir na transformação local. Esta medida foi vista como uma forma de estimular a indústria transformadora do país e aumentar o valor da produção local, que Angola poderia apreciar profundamente.


Embora a Indonésia tenha enfrentado desafios como a resistência dos investidores e os impactos a curto prazo nas receitas de exportação, os resultados a longo prazo indicam que a indústria transformadora local começou a florescer e o país registou um aumento das receitas fiscais provenientes da indústria transformadora. No caso de Angola, uma medida para proibir a exportação de minerais não transformados poderia acelerar a emergência de uma indústria transformadora, acrescentando valor e diversificando a economia.


Além disso, será necessário um investimento significativo em infra-estruturas e políticas para estimular a industrialização e evitar a perda de competitividade. Acredito que a experiência da Indonésia pode servir de modelo para Angola, mas a implementação de políticas semelhantes exigirá um forte compromisso do governo e uma visão clara da transformação económica a longo prazo.”


Assim, a opinião pública deve estar unida na compreensão de uma mensagem importante: a simples exportação de recursos já não é suficiente para o bem-estar do país. Todos os esforços do governo devem ser direcionados para a sua reciclagem em Angola. Para isso, vale a pena considerar a experiência da Indonésia, referida por Emerson Sousa.