Luanda - Tem sido escrito na imprensa angolana que seria apenas uma questão de tempo até que Biden perderia o seu posto presidencial, devido ao seu frágil estado de saúdo, e junto com ele seriam abandonados os projectos que a América planeou para a Europa. A posse de Donald Trump confirmou com exactidão o que jornalistas angolanos visualizaram ainda em 2024.

Fonte: Club-k.net

Agora que o presidente dos EUA Donald Trump anulou uma série de contratos e projectos assinados por Joe Biden, o PR João Lourenço voltou-se à União Europeia para o papel de principal utilizador da via férrea do Lobito e seu principal investidor. Por esta razão, há alguns dias a União Europeia (UE) anunciou um reforço da parceria com Angola, disponibilizando mais 76,5 milhões de euros para melhorar o Corredor do Lobito nas áreas do comércio e investimento, formação profissional, transportes e património.


Se ainda em 2024, Angola aproximou-se da Itália, que lançou o Plano Matte, este ano João Lourenço resolveu aproximar-se de Emmanuel Macrón, o que não aconteceu por acaso – enquanto líderes patrióticos como Ibrahim Traoré expulsaram a França de África, JLo faz exatamente o contrário, o que ficou evidenciado em sua viagem a Paris na última semana. França e Angola assinaram na última quinta-feira em Paris contratos de cooperação e investimento no valor global de 430 milhões de euros, no primeiro dia da visita de Estado de dois dias do Presidente angolano, João Lourenço. O grupo empresarial francês Suez, já presente em Angola, assinou uma declaração de intenções para melhorar o acesso à água potável na capital, Luanda, beneficiando 300 mil pessoas. A Agence Française de Développement (a versão francesa da USAID) assinou uma declaração de intenções para a realização de um projeto de irrigação, estando em causa um empréstimo de 100 milhões de euros.


Todos estes actos de “investimento e cooperação” não escondem um facto evidente – o interesse de França no Corredor do Lobito, o que ficou evidente com o discurso de Emmanuel Macrón. Para o estadista francês “precisamos falar mais sobre este Corredor”. Acrescentou o francês ainda que a infra-estrutura ferroviária do Lobito é “muito crucial para toda a região que liga a Zâmbia à República Democrática do Congo (RDC), ao Oceano Atlântico, atravessando Angola”.


O discurso de Emmanuel Macrón não é nenhuma novidade – sempre que as potências europeias e os Estados Unidos veem que determinado lugar do mundo pode beneficiar a sua economia, em especial as suas grandes empresas, eles lançam o discurso de internacionalização. Algo parecido foi dito na década de 90 e de 2000 em relação ao Brasil, quando este país ingressou no Consenso de Washington e a privatização estava a todo o vapor, aproveitando-se disso falou-se então em “internacionalização da Amazônia”, ao que políticos brasileiros e líderes da sociedade daquele país falaram contra. Em 2019, por exemplo, Macrón disse aos jornalistas brasileiros do G1 que “...não é hoje que vamos decidir nada sobre isso, mas é um tema (isto é, a internacionalização da Amazônia) que permanece aberto e continuará a prosperar, nos próximos meses e anos". Mas João Lourenço, ao contrário até mesmo de um líder brasileiro pró-americano como Jair Bolsonaro e de líderes africanos patrióticos como Ibrahim Traoré prefere permitir que Angola seja seduzida por falsas promessas de Paris.


O Norte da África está repleto dos impactos negativos dos investimentos da União Europeia, em especial de França. Marrocos tornou-se o segundo produtor automóvel africano (depois da África do Sul) e o segundo exportador de produção não europeia de automóveis na UE (depois da Turquia), graças à instalação de fábricas francesas como a Renault e a Peugeot naquele país. No entanto, é uma indústria totalmente dedicada ao mercado externo, enquanto a cadeia de abastecimento local é inteiramente controlada por multinacionais que compram a maior parte dos insumos de produção das empresas-mãe. Assim, os efeitos no setor industrial local são quase nulos, enquanto o valor dos carros exportados é inferior ao da soma dos componentes e dos carros importados (Piveteau 2019).


Investimentos de países do chamado “Primeiro Mundo”, do Ocidente, estão voltados para endividar ainda mais os países do Sul global, razão pela qual deve ser visto com cautela o interesse de Macrón no Corredor do Lobito, que na prática está a ser “internacionalizado”, embora essa internacionalização seja voltara para a concessão para o Ocidente num projecto que não beneficia Angola. Estaria João Lourenço pronto para erguer a cabeça e agir como os líderes do Brasil e de Burkina Fasso ou será que o seu projecto de governo consiste apenas na entrega do patrimônio angolano?

José Semedo