Luanda - Angola, é um país que luta para superar crises econômicas profundas, ou assim dão a entender os nossos lideres, e deparamo-nos recentemente com um escândalo financeiro que dilacera ainda mais a confiança pública nas instituições do Estado. A detenção de um administrador do Conselho de Administração da Administração Geral Tributária (AGT) e de um diretor nacional acusados (até provas ao contrário) de envolvimento no roubo de 7 mil milhões de Kwanzas, o que não é apenas uma tragédia institucional, mas um sintoma de um sistema administrativo fragilizado, permeado por negligência, omissão e, talvez, conivência.
Fonte: Club-k.net
A AGT não é um órgão comum. Ela está no coração do funcionamento do Estado, garantindo a arrecadação de receitas fiscais indispensáveis para a manutenção dos serviços públicos. Quando uma instituição desse porte falha, a consequência não é apenas financeira, mas social. O povo paga o preço, e, neste caso, o preço nos é cobrado com juros. Empresas estão a encerrar portas, trabalhadores estão sem salários, e a crise que assola o país não cessa de encontrar novos combustíveis.
Há quem diga que esse caso é um exemplo clássico de falha na governança institucional. Os mecanismos internos de controle falharam. Onde estavam as auditorias internas? Por que a alta administração não percebeu os sinais de alerta? Como pode um montante tão elevado ser desviado sem que nenhum alarme tenha sido disparado? Essas são perguntas que, até agora, permanecem sem resposta, mas que ecoam nas ruas, nas mesas de jantar e nas conversas informais de uma população cada vez mais descrente.
Contudo, seria reducionista classificar esse episódio como um problema exclusivamente institucional. O impacto é nacional. O escândalo transcende os corredores da AGT e afeta diretamente a governança da coisa pública, pois envolve recursos que pertencem ao povo angolano. A falha em proteger esses recursos compromete a legitimidade do próprio governo, minando a confiança dos cidadãos nas autoridades responsáveis. Se não há segurança nem mesmo na arrecadação dos impostos, como confiar que os hospitais serão equipados, as escolas receberão material escolar ou os projetos de infraestrutura terão continuidade?
A responsabilidade solidária, prevista nas normas de administração pública, deveria, nesse momento, ser o princípio norteador das decisões políticas. Quando membros de um conselho de administração são presos, não é apenas a reputação individual deles que está em jogo, mas a credibilidade de toda uma instituição. Por isso, a pergunta que muitos fazem agora é se o atual Conselho de Administração da AGT deve cair. Não se trata apenas de uma questão de justiça, mas de sobrevivência institucional.
Manter os atuais administradores no cargo seria uma afronta à transparência e ao compromisso ético que o Estado deve ao seu povo. A responsabilidade colegial, de um órgão por sinal colegial, implica que, mesmo aqueles que não participaram diretamente das práticas corruptas, são responsáveis por terem permitido ou ignorado os sinais de desvio. A lógica é simples: quem ocupa posições de poder precisa responder pelos fracassos tanto quanto pelos sucessos. Se um edifício desmorona, o engenheiro responsável não pode alegar desconhecimento. O mesmo se aplica à administração pública.
As entidades que superintendem, cuja tutela está a AGT, também não podem se distanciar do escândalo. Há uma linha direta entre sua função de supervisão e os resultados trágicos que hoje se revelam. O princípio ético demanda que aqueles que falham no dever de fiscalização assumam a responsabilidade, mesmo que isso signifique renunciar ao cargo. Precedentes não faltam: em situações similares, líderes ministeriais já foram afastados em nome da estabilidade e da credibilidade pública.
Mas o problema não será resolvido apenas com substituições. Para evitar que escândalos como este se repitam, precisamos urgentemente implementar uma série de reformas estruturais que reforcem a transparência e a responsabilização.
É um must a implementação da declaração obrigatória de bens e rendimentos: Todos os membros do Conselho de Administração, diretores nacionais e gestores de alto escalão devem ser obrigados a declarar seus bens e rendimentos antes, durante e após o exercício dos seus cargos. Isso permitirá um monitoramento contínuo de enriquecimento suspeito e poderá desencadear investigações preventivas.
A implementação de auditorias obrigatórias realizadas por órgãos externos e independentes, com relatórios públicos, é essencial para garantir que as contas da AGT sejam constantemente revisadas e possíveis irregularidades sejam detectadas a tempo.
Fortalecimento das unidades de combate à corrupção: A AGT precisa de um departamento interno robusto e autônomo de combate à corrupção, capaz de monitorar todas as transações financeiras e de denunciar desvios sem a necessidade de aprovação hierárquica.
Aplicação severa de sanções penais: Desvios de conduta no setor público devem ser tratados com rigor. A criação de uma legislação específica que garanta penas exemplares, como longos períodos de prisão e confisco de bens adquiridos ilicitamente, é fundamental para desincentivar práticas corruptas.
Transparência nos processos de contratação: Um dos maiores focos de corrupção costuma ser o processo de contratação pública. A AGT deve adotar sistemas de licitação transparentes, baseados em critérios objetivos e com supervisão externa para evitar favorecimentos.
Essas soluções não são apenas recomendações; elas são exigências de uma sociedade cansada de promessas vazias e de um ciclo interminável de corrupção. Nós enquanto angolanos precisamos de entender que a prevenção de futuros escândalos não pode ser apenas uma questão de discurso político, mas de ação prática e firme. Este é o momento de transformar a crise em uma oportunidade de reconstrução.
A crise atual não é apenas um desastre financeiro; é um ponto de inflexão. Estamos em um momento em que cada decisão política tem peso histórico. Se o governo mantiver uma postura de complacência e resistência às mudanças, corre o risco de agravar ainda mais a instabilidade econômica e social. Porém, se optar por reformas estruturais, pela substituição imediata do Conselho de Administração da AGT, a titulo de exemplo e pela responsabilização exemplar dos envolvidos, pode começar a reconstruir a confiança perdida, nas instituições do estado e na esperança que nunca se avizinha.
O nosso futuro depende de líderes dispostos a reconhecer erros, aprender com eles e implementar reformas profundas — não somente de caráter institucional, mas movidas pelo sentimento patriótico que, aparentemente, falta a alguns cidadãos. Caso contrário, será apenas uma questão de tempo até que os próximos escândalos surjam, abalando ainda mais os alicerces de uma nação que já carrega peso demais.