Luanda - Dados históricos revelam-nos que, os povos africanos, de diversas etnias, embora tivessem passado por diversos itinerários, a maioria parte delas passou pelos Grandes Lagos, vindo do Norte, subindo com o rio Nilo. Como sabemos, o rio Nilo nasce nos Grandes Lagos e desemboca no mar mediterrâneo – no Egito. A maior parte dos grupos étnicos que passaram por este corredor transitaram pelo território congolês onde se espalharam pelo subcontinente.
Fonte: Club-k.net
Isso para dizer que, todos os grupos étnicos desta região estão interligados e possuem as mesmas origens étnicas. O caso mais complexo é da República Democrático do Congo que situa no meio de nove países africanos. Nesta posição geográfica de relevo, a RDC serve de «placa giratória» entre o Norte e o Sul de Sahara. As Nações desta Região, como aconteceu em toda a parte da África, ficaram divididas arbitrariamente na Conferência de Berlim e colonizadas pelas potências europeias, que impuseram as suas línguas e culturas.
A divisão arbitrária da África tem o grande impacto sobre a integridade e a identidade dos povos africanos, sobretudo da RDC, cujos povos estão divididos em pequenos grupos, da mesma matriz étnica, cultural e linguística, constituídos em pequenos Estados na Região Leste, que foram colonizados por diferentes países europeus.
Para dizer que, o sistema colonial e a divisão arbitrária da África deixou os povos africanos num grande dilema sem ter o acesso pleno às terras ancestrais que asseguram a existência humana. Sem ter terra ancestral, dos antepassados, está na condição de «apátrida», isto é, sem pátria, sem cidadania, sem identidade cultural e sem história. Esta condição, de certo modo, apaga os vestígios da antropologia cultural que busca compreender a diversidade humana, conhecer o ser humano como parte de grupos organizados, valorizar a diversidade cultural, promover a igualdade entre os povos, e melhorar as relações interculturais. Essa é fonte principal do sistema neocolonial em África e a origem de muitos conflitos internos e interétnicos que estão a proliferar no Continente Africano.
Na verdade, o que está expresso acima põe em causa os Direitos Humanos que consagram a dignidade humana, como a essência do Direito Natural, que valoriza o homem pelo facto de ser homem, independentemente de qualquer Convenção ou Legislação. Logo, sem um estudo profundo do fenómeno africano torna-se difícil julgar justamente os contextos reais dos conflitos internos e interétnicos do nosso continente, e sobretudo, da Região dos Grandes Lagos.
Pois que, a presença de mineiros críticos em abundância na RDC, atraem os países industrializados e cria um ambiente complexo e conflituoso, difícil de gerir e resolver. Deste modo, a condição neocolonial, o subdesenvolvimento e a dependência económica e tecnológica dos países africanos reduz sobremaneira as suas capacidades de resolver os seus problemas sem a interferência estrangeira.
Pois, em qualquer «negociação« ou «mediação» dos conflitos requer ter a habilidade de exercer o «poder dissuasivo» e o «poder persuasivo». Esses poderes duros e brandos, acima referidos, os seus suportes são os factores militares, económicos, tecnológicos e comerciais.
Só que, a eficácia desses poderes depende da superioridade militar, económica e tecnológica que o país mediador possui a fim de exercer pressão (potência coercitiva) suficiente sobre as partes. Essa superioridade militar, económica, tecnológica e comercial não existem em África em relação aos seus parceiros internacionais que têm os interesses económicos enormes na Região dos Grandes Lagos.
Em função disso, quando um mediador não tiver o potencial económico e a estabilidade interna no seu país, a sua capacidade de mediação fica dependente dos países mais fortes que ditam as regras do jogo na comunidade internacional. Este fenómeno tem sido evidente na mediação dos Grandes Lagos.
Importa saber que na mediação deve existir a isonomia entre as partes em busca de uma solução justa e equilibrada através de consensos, concertação, confiança e boa-fé. Para este efeito, um mediador deve dominar bem todos os meandros dos conflitos multidimensionais ou complexos, como dos Grandes Lagos. Aliás, o mediador deve ser uma personalidade notável, douto, integro, perspicaz, firme & flexível, cortês, imparcial e credível.
Em síntese, a resolução da problemática da RDC, no contexto dos Grandes Lagos, dependerá essencialmente da Realpolitik e da capacidade de concertação entre as partes, inclusive das potências mundiais que têm interesses económicos e geopolíticos na Região.
Será imperativo que haja o «bom senso» de estabelecer uma plataforma interna, aproximar as partes internas, buscar uma solução interna e deixar de alimentar-se de retóricas – que não adianta.
Por outro lado, abrir o espaço de mediação, desde que haja a concertação e a coordenação de todas as iniciativas credíveis de buscar uma solução justa e global ao conflito, acautelando os interesses de todas as partes no conflito e na Região.
Como referência, o Projecto do Corredor do Lobito, que previa a sua extensão ao Leste da RDC (passando pelo Mbujimayi, Bukavu, Kigali, Dodoma e Porto de Dar-es-Salam), a sua viabilidade dependerá, de grosso modo, da estabilidade e dos recursos mineiras da RDC. Logicamente, ninguém arriscará investir num país em conflito e numa Linha Férrea ameaçada pelo terrorismo.
Convinha salientar um aspecto relevante, além das habilidades técnicas relacionadas com a eficácia da mediação, é imperativo à mediação estar bem equipadas com mecanismos e conhecimentos profundos da RDC e de toda a Região para permitir fazer o juízo global deste fenómeno – sem preconceitos.
Vejamos que, a RDC é um gigante adormecido, vasto, multiétnico, multicultural e rico em recursos minerais. Os seus problemas são históricos, surgiram muito antes do colonialismo, quando existiam os Grandes Impérios do Reino do Congo e do Lunda-Chokué, cujos Príncipes espalharam-se pela África Central e África Austral.
Enfim, o poder persuasivo e o poder dissuasivo devem assentarem-se nos princípios de Boa-Fé e da Pacta Sunt Servanda, em que os acordos formais ou tácitos devem ser respeitados pelas partes e pela mediação. A mediação deve ser credível, competente, discreta, digna, honesta, equidistante e fiel ao bem comum, sem prejudicar ninguém por interesses ocultos.
Luanda, 06 de Fevereiro de 2025.