Luanda - Muitos da minha geração abandonamos, outros diziam recuamos e de facto deixamos a nossa bela cidade, o jardim botânico, as cinco horas internacionais, a capital do milho, o ruacaná, a York do Planalto, o Kalohumbula, o prego no pão, o bairro Salazar, São Pedro, a nesse de oficiais, o bairro dos ministros, a casa dos rapazes, o cadência sete, o outra face, o a brisa, o bairro académico, o Ferrovia, o Mambroa, a praça do Canhe, a escola industrial Sarmento Rodrigues, o Colégio Calouste Gulbenkian, o liceu Norton de Matos, a igreja dos peregrinos, as madres da Congregação ESPIRITO SANTO e Teresianas, os Padres Capuchinhos, o Bom Pastor de onde vimos pela última vez essa cidade promissora de Nova Lisboa, a cidade do HUAMBO, nossas raízes do Reino que nos deu o nome Wambu.
Fonte: Club-k.net
Dia oito de Fevereiro de 1976
O destino assim o quis? Talvez, porque éramos tantos, estudávamos tanto, os nossos pais trabalhavam tanto, as nossas famílias coabitavam tanto com o ser e menos com o ter, a juventude fazia tanta diferença em cânticos, Rosário, cuidando do que era comum, diriamos hoje, a res pública, a coisa pública, origens da República.
Afinal tudo isso ocorreu há quarenta e nove anos exactamente.
Tínhamos um fim de semana como temos quando escrevo esta prosa em memória do Álvaro Catumbela, Nino Catumbela, Pedro Chivukuvuku, Artur o solista, a Rosinha irmã da Augusta, o Olívio da Silva comandante de bandeira, a Chuvika e os que se seguem ainda em vida, o Abel hoje na alta política, o Johnny Júnior grande capitão de andebol hoje engenheiro mecânico antes na Elisal, o Artur meu gémeo filho de comerciantes, os Pitra como o Chado sobrinhos da Embaixadora Diakite, do Prof. Administrativista e Tia Rosa, quantas lembranças do CDUA, do Sporting de Luanda e da Bela Vista, dos Irmãos Maristas, belas memórias!
Mas foram os desentendimentos dos Mais Velhos, os KOTAS que afinal nem eram assim tão Kotas ou Cotas como diriam os nossos filhos hoje.
Lembrou-me um Dirigente há uma semana, que o Dr. António Agostinho Neto só tinha 57 anos de idade (a minha idade quando escrevi este monólogo), quando morreu na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Eram Res Públicas também.
Feitas as contas, um outro protagonista desses Acordos do Desacordo de Alvor, foi Sakaita JONAS o fundador, filho do Velho Malheiro Savimbi e na verdade, descendentes das Pedras Negras de Pungo Andongo, embora poucos historiadores o queiram assumir, porque senão mancha a imagem heróica da sua e nossa Rainha, Ginga, essa que comandou os Jagas, de quem JONAS o profeta da Bíblia fez derivar o cognome Jaguar Negro dos Jagas. Em 1974, esse Doutor em Ciência Política de Lausanne, Suíça, tinha apenas 40 anos de idade e era o mais novo dos três Históricos Dirigentes Revolucionários. Inédito e revolucionário.
Tenho a plena certeza de que os trabalhos de doutoramento da nova geração de historiadores, versarão sem medo sobre estes temas tabu!
Dizia um político moçambicano, nosso Compadre, ... de todos se faz uma nação. Porque não assumirmos nós também, quando os três protagonistas dirigentes de Alvor, deles apenas resta, escrevermos memórias?
Foi por causa disso que o destino de toda a minha e vossa família mudou-se para outros destinos. Hoje falamos pouco a língua originária dos nossos antepassados, sobre quem já escrevi porque nos legaram o cristianismo, com uma missão católica Chindondo e outra Protestante Dondi, antigas propriedades familiares até Katchiungo, o nome transmitido até José Pedro, barão Bravo da Costa, as tais perseguidas origens de Gulungo Alto, terras de Sua Majestade, a Rainha que decapitou um irmão?
Oito de Fevereiro de 1976. Foi debaixo do ribombar dos canhões de forças coligadas, que abandonamos a nossa cidade, a segunda maior de Angola, o nosso paraíso terrestre, em colunas sem destino! A minha Irma Etna, só soube dela várias semanas depois, porque as bombas encaminharam-na sei lá para Ngongoinga onde dava aulas?
Eu e meus cunhados, num carrito em cenários aterradores que ainda hoje vemos pela Síria, Iraque, Líbia, Mali ou mesmo na Ucrânia, fomos mandados parar junto da Igreja Católica em São João: era um posto de controlo, uma barricada por tropas cubanas. Ninguém no-lo contou; fomos protagonistas do que se segue. Perguntaram aos mais velhos para onde íamos e um dos mais novos, a completar em Maio 17 anos, já foi idade do nosso filho mais novo hoje, o Alexandre, tirei uma calça em moda naquela época, de ganga preta e bolsos traseiros vermelhos e não pestanejei, sou da JMPLA e vamos para o Chiumbo onde temos a família, até as coisas voltarem à normalidade. Safamo-nos: adelante disse o militar bem jovem cubano, devia ter vinte e poucos anos! Nunca mais voltei normalmente e com dignidade pensante, à cidade do Huambo.
Iniciava assim a longa marcha, sobre a qual já me pronunciei com muita brevidade numa obra editada pelo meu amigo também General, de famílias descendentes da Guiné e São Tomé e Príncipe, consta, a quem já pedi que escreva também sobre LUANDA 1974 e depois, mesmo que não toque sobre coisas ainda tabu como os massacres da ponte do rio Kuanza, no Dondo, o Pica-pau enfim, ele sim um historiador de último grau académico.
Lições a extrair, com certeza. Outra vez competência, e é tarefa dos historiadores.
Ressentimentos? Certamente os houvera, mas para que servirão, quando quarenta anos uniram o norte ao sul, o leste ao mar, os católicos a todos os protestantes e brevemente aos muçulmanos? Para que servirão as mazelas da política quando em Nova Lisboa apenas no sexto ano dos liceus ouvimos sobre isso, a partir dos nossos professores de OPAN, organização política e administrativa da nação, apenas para quem seguisse a alínea F, letras?
Se nem essa linguagem as cinco gerações podem defender com lisura, quanto mais olharmos para trás, de onde apenas restam lições que ainda não são de consenso político e histórico?
Apenas quero lembrar quem sobreviveu, que somos protagonistas de cinquenta anos das nossas idades, pedindo como já fiz, que cada um (a) escreva apenas esta página, como hoje quis lembrar e homenagear os tantos amigos da nossa curta e bela mocidade! Terminava assim a nossa liberdade estudantil e iniciava a conquista da nossa independência também, porque erguemos na cidade de Lisboa nova, a 11 de Novembro de 1975, a esquecida República Democrática de Angola, paradoxalmente, enquanto em Luanda de onde escrevo, era consumada a República Popular de Angola.
Bem haja a República de Angola, o nosso símbolo de unidade e nação.
O Peregrino do Huambo, descendente de Wambu dos Jagas ou os Tchiaka, de quem o Jornal República falava sem sentido e em farda simbolizando a Nação, no dia cinco de Fevereiro, lembrados que eram 40 anos intensos de serviço a esta Nação: merecemos todos uma reforma condigna, Conselho da República dirigido por Generais.