O Conflito na República Democrática do Congo não é um conflito civil, de luta pela separação de uma parte do território ou de defesa dos interesses próprios de uma região, nem mesmo um conflito étnico, mas sim uma Guerra política, dado que o goveno e as forças rebeldes defrontam-se militarmente pelo controlo de todo o poder, desde o controlo do aparelho do Estado ao usufruto da exploração das riquezas do país, numa lógica “ Guerra de predação” na máxima “ the winner takes it all”, que se explica em parte a transformação de conflitos pessoais em conflitos nacionais e até regionais de luta pelo poder.
Este é um conflito caracterizado em primeiro lugar pela complexidade, quer no que concerne a multiplicidade de actores envolvidos, quer no que respeita aos diferentes níveis a que se desenrola- interno, externo e até num âmbito mais incontrolável do ponto de vista estatal, que envolve multinacionais, empresas de segurança privadas e senhores de Guerra locais.
A complexidade evidente manifesta-se desde logo pela divisão das forças rebeldes.Com efeito, no primeiro semestre do ano de 1999 a rebelião anti-kabila cindiu-se em três facções. O Ressemblement Congolais pour la Démocratie de Kisangani liderado por Ernest Wamba dia Wamba, operando no alto Zaire, o Movement de Liberation Congolais de Jean- Pierre Bemba (actualmente detido), operando na região do Equador (ambos apoiados pelo Uganda) e o Ressemblement Congolais pour la Démocratie de Goma, liderado por Emile Ilunga e Bizima Karaha, operando no Kivu e no kasai Oriental (com o apoio do Ruanda).
Por outro lado, verificamos a existência de uma embricada teia de alianças regionais que se constituem e desfazem à medida das conveniências dos intervenientes, de tal forma que assistimos ao envolvimento de seis exércitos africanos- Ruanda, Burundi, Uganda, Angola, Zimbabwe e Namíbia, para além de destacamentos sudaneses e líbios que operam ao lado do governo de Kinshasa, ou de diversos grupos de guerrilheiros activos do país, como é o caso de Mai Mai.
A diversidade das forças em presença revela a existência de movimentações e jogos de interesses variados, declarados e não declarados.
Quanto aos países que apoiam o regime de Kabila, existem claramente questões subjacentes à competição Austral que são transpostas para África Central como forma de exercer e clarificar influências.Uma destas questões é a necessidade de informação do Zimbabwe face ao seu principal concorrente, a África do Sul. Esta competição extravasou do plano económico para o campo político, estando ligado por um lado as políticas proteccionistas da República da África do Sul em termos comerciais (que lhe permite embarcar as exportações tradicionais do Zimbabwe para aquele país) e ao controlo dos investimentos (que passam por bancos sul africanos que interveêm no país), mas também por outro lado, a questão de política externa, defesa e segurança nacionais.
Quanto aos países que actuam do lado das forças rebeldes, se é verdade que o Uganda, Ruanda e o Burundi actuam face a necessidade de garantirem a segurança das suas fronteiras no sentido de neutralizarem as forças rebeldes, supostas e reais, que actuam a partir do território congolês, está também subjacente o objtecivo de favorecer as fronteiras fixadas pelo poder colonial ou mesmo a desagregação e partilha do território e não permitir a consolidação de um poder forte e estável em Kinshasa com capacidade de decisão e gestão dos poderes na região, como aconteceu no passado . A ideia simbólica de expansão presente na estrutura mental colectiva do regime tutsi, num país com uma cultura política de minoria muito própria, é também fundamental para compreendermos o envolvimento Ruandês no conflito.
Por outro lado, existe também todo um conjunto de entidades económico-militares, controladas por companhias nem sempre reconhecidas, como a Executive Outcomes, Lifeguard, Heritage Oil, Diamond Ox, Branch Energy , e que constituem a expressão das dinâmicas não oficiais e redes mafiosas que operam hoje um pouco por todo o continente, aproveitando-se da situação de instabilidade, da cultura da violência e da destruição maciça para a realização de negócios altamente lucrativos e para impôr as suas lógicas de actuação, isto é, contribuindo para aquilo que Patrick Chabal denomina de “ instrumentalização da desordem”.Sabe-se, no entanto, que as grandes empresas históricas que exploram as riquezas minerais no sul do país como o cobalto, o cobre, o ouro, os diamantes, entre outros, foram recuperados por empresários zimbaweanos, os quais estão a apoiar Kabila. A título de exemplo refira-se a existência de um banco dirigido por membros do partido dominante no Zimbabwe, o qual tem o controlo e gestão do conjunto das riquezas diamantíferas retiradas da região do Katanga, em troca do auxílio e protecção prestados a Kabila.
Os conflitos em África constituem uma ameaça ao desenvolvimento e a própria sobrevivência, comprometendo a capacidade dos estados responderem aos desafios, por um lado, de construção e reforço do Estado democrático e, por outro lado, de reintegração de África no sistema internacional de desengajamento relativamente ao continente africano , o qual estando relacionado com questões de política e segurança internacional, não significa que tenham deixado de existir interesses a África nos conflitos aí existentes.
O carácter contagioso e aparentemente incontrolável deste conflito violento tem ainda por base uma lógica de legitimidade pelas armas e não pelas urnas, ou seja, uma cultura de Guerra político- militar que caminha lado a lado com uma concepção política guerreira, que simbolicamente a legitima; dinâmica essa que se expressa na existência de exércitos informais, milícias incontroláveis, bandos criminais, e uma verdadeira” politização da crimininalização da sociedade”.
A comunidade internacional, por sua vez, tem assumido um papel muito criticável nesta questão, até porque o facto de não existir uma consciência na sua actuação, expressa pela dualidade de critérios em situações semelhantes (decretaram-se embargos no Burundi na sequência do golpe de Estado perpetrado por Pierre Boyoya, mas nada fez relativamente ao derrube de Pascal Lissouba no Congo- Brazaville) fragiliza grandemente a sua credibilidade.Entretanto, enquanto este cenário de guerrilha se desenvolve, ainda muito se pode esperar quanto ao futuro do Congo democrático.
Aristides Cabeche
*Estudante de Relações Internacionais
Fonte Club-k.net