Luanda - Esta reflexão resulta duma conversa mantida com alguns juristas relativamente à Interpretação de dois princípios jurídicos, nomeadamente o princípio da prossecução do interesse público e o princípio da especificidade do fim. 

Fonte: Jornal Pungo Dongo

É consabido que os princípios jurídicos são os pilares sobre os quais se funda uma argumentação no campo do Direito, sendo que podem ser encontrados em várias fontes, incluindo a Constituição, leis, jurisprudência, doutrina e princípios gerais do Direito.

O princípio da prossecução do interesse público estabelece que os servidores públicos, no exercício das suas funções, devem estar, exclusivamente, ao serviço do interesse público, ou seja, os deputados devem estar exclusivamente ao serviço do interesse público .

-Estarão os deputados que exercem funções de direcção numa associação privada ou numa fundação exclusivamente ao serviço do interesse público?

As associações privadas, em termos simples, são todas aquelas entidades constituídas por pessoas físicas ou jurídicas que se unem para alcançar um objectivo comum, sem fins lucrativos.

Já as fundações privadas são entidades de direito privado, sem fins lucrativos, criadas por pessoas físicas ou jurídicas para a realização de fins de interesse social sendo caracterizadas por terem um património afecto a um fim específico, definido pelo seu fundador, e por serem administradas de acordo com os seus estatutos.
Ambas ( associações e fundações) podem ser de carácter social, técnico, científico, cultural ou outros.

Em Angola existem constituídas e a operar na sociedade várias associações privadas, entre elas, a Academia Angolana de Letras (AAL).

Para uma corrente de opinião constituída por juristas afectos à função pública, a violação do princípio da prossecução do interesse público não pode ser vista dissociada da problemática da falta de idoneidade dos servidores públicos que funcionam nos Cartórios Notariais que, à semelhança do Cartório Notarial de Viana, bem como do Cartório Notarial do Kilamba Kiaxi consentem (aceitam) fazer escrituras notariais e reconhecer deliberações contra a própria Lei.

Para estes juristas, o órgão de regulação da ética dos deputados não deve ser chamado nestas situações e, muito menos, os órgãos de combate ao crime.
Entendem que o mal está na causa, ou seja, “ na falta de idoneidade dos notários” que conformam juridicamente “tais” escrituras quando não o deviam fazer.

Do outro lado, estão outros tantos juristas, dos quais faço parte, que entendem(os) que à Comissão de Mandatos , Ética e Decoro da Assembleia Nacional se deve pronunciar , sim. Trata-se de uma matéria ética e de interesse público.


Afinal, podem ou não os senhores deputados exercer funções de administração ou gestão de associações ou fundações privadas, se levarmos em linha de conta a especialidade do fim da sua função, ou seja, o princípio da prossecução do interesse público?

No Direito administrativo, o princípio da prossecução do interesse público orienta a actuação da Administração Pública para os interesses da coletividade.

Embora a Administração pública detenha flexibilidade para decidir em cada caso concreto a melhor solução possível, o princípio da especialidade do fim é um princípio jurídico que orienta a actuação de entidades e pessoas coletivas de acordo com o seu objetivo ou fim.

A prossecução dos interesses da colectividade é pautada por certos limites e respeito por determinados valores, e por causa desses limites e valores não se podem misturar os interesses da colectividade com os interesses privados na mesma função pois, nesse caso, emerge a figura da incompatibilidade .

Os deputados angolanos devem exercer o seu mandato com lealdade e probidade, bem como muito respeito pelos princípios éticos, entre os quais se destaca a prossecução do interesse público.

A terceira corrente de juristas pergunta, antes de fazer o seu enquadramento jurídico , se o exercício de actividades de gestão e administração (diariamente) numa associação ou numa fundação privada não (rouba tempo) impede a participação activa dos deputados nas actividades da Assembleia Nacional?
A resposta parece-me óbvia e se encaixa perfeitamente na alínea d) do artigo 149.• da CRA.


Recordo que é ponto assente pelas três correntes de opinião que os deputados que queiram exercer funções de administração e gestão de associações ou fundações devem solicitar a suspensão do seu mandato, nos termos do artigo 149.º da Constituição da República e dos artigos 3º e 7º do Código de Ética e Decoro parlamentar.

* Bastonário da OAA - 2018/2023