Luanda - A cólera em Angola atingiu proporções críticas. O país enfrenta atualmente um surto generalizado, com várias províncias relatando um aumento significativo de infecções. A gravidade da situação despertou alertas entre autoridades de saúde e organizações humanitárias, que agora pedem ações urgentes para conter a propagação da doença e oferecer cuidados médicos adequados às comunidades afetadas.
Fonte: Club-k.net
Paralelamente, uma informação importante parece ter passado despercebida no debate público em Angola: a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou recentemente um relatório detalhado analisando os impactos do Corredor do Lobito sobre as populações locais. O documento descreve uma série de efeitos — previstos e inesperados — decorrentes da implementação do projeto, incluindo vários com possíveis implicações graves para a saúde pública.
Principais consequências negativas do Corredor do Lobito para a população angolana:
(a) Sobrecarga dos sistemas de saúde já fragilizados
(b) Maior disseminação de doenças infecciosas
(c) Danos ambientais e seus efeitos sobre a saúde
(Especialmente ligados ao desmatamento e à poluição causados por atividades industriais)
(d) Aumento da vulnerabilidade social, incluindo violência e exploração
(e) Deslocamentos populacionais em razão das obras de infraestrutura
(f) Distribuição desigual dos benefícios
Entre esses pontos, o item (e) merece atenção especial. Segundo especialistas da OMS, um fator relevante no recente surto de cólera pode ser a maior mobilidade de pessoas oriundas de países vizinhos — em especial da República Democrática do Congo (RDC), atualmente epicentro regional da doença. O conflito em curso no leste da RDC levou ao colapso dos sistemas básicos de saneamento, criando condições propícias para a propagação da cólera. Em busca de segurança e trabalho, muitos cidadãos congoleses migraram para Angola, onde encontram empregos em obras ligadas ao Corredor do Lobito. Esses fluxos migratórios podem, inadvertidamente, ter contribuído para a transmissão transfronteiriça da doença, levantando questões importantes sobre o papel da mobilidade laboral na gestão da saúde pública.
De acordo com dados da OMS, um dos principais problemas está relacionado à sobrecarga adicional no sistema de saúde. A infraestrutura médica nas províncias de Benguela, Bié, Huambo, Moxico e Moxico Leste já enfrenta há bastante tempo escassez de pessoal, medicamentos e equipamentos. Com o aumento da população — impulsionado pela migração de trabalhadores e pela expansão da malha viária —, a situação pode se agravar. Em especial, o acesso aos cuidados médicos em áreas remotas torna-se cada vez mais limitado, dificultando a resposta oportuna a surtos de doenças infecciosas.
O que se observa, na prática, é um cenário em que empresas internacionais — principalmente dos Estados Unidos e da Europa — atuam em Angola, muitas vezes utilizando mão de obra estrangeira vinda da RDC. Com o pico de casos de cólera em várias regiões afetadas, surgem questionamentos sobre o grau de contribuição dessas entidades estrangeiras para a infraestrutura social local, como saúde e saneamento. Observadores têm destacado o aparente descompasso entre os benefícios econômicos gerados pela extração de recursos e a falta de investimento no bem-estar das comunidades mais impactadas.
Então, é possível afirmar que o projeto do Corredor do Lobito influenciou a disseminação da cólera? As evidências indicam que sim. O relatório da OMS oferece uma base para compreender como iniciativas de desenvolvimento, na ausência de salvaguardas robustas de saúde e meio ambiente, podem involuntariamente agravar vulnerabilidades em populações já em risco. Embora os dados não atribuam culpa direta, trazem um chamado claro à ação para que governos, empresas e parceiros de desenvolvimento integrem com mais rigor as considerações de saúde pública ao planejamento e à execução de projetos de infraestrutura.
Augusto Domingos