Luanda - No auge da ebulição do Marxismo-Leninismo, na altura em que o MPLA buscava a o socialismo científico que tinha como meta final a edificação da Sociedade sem Calasses, a política assumida pela liderança radical do Movimento de Libertação Nacional consistia no combate cerrado contra o Capitalismo, sob a palavra de ordem: “É preciso partir os dentes à Pequena Burguesia”.


Fonte: baolinangua.blogspot.com/


Naquela altura, da época do Regime Colonial, mais de 85% da população angolana habitava o campo. Era uma população, na sua maioria esmagadora, pobres que vivia da agricultura primitiva de subsistência. Não existia, como tal, uma pequena burguesia opulenta no seio da população indígena. Havia, sim, uma ínfima percentagem de funcionários remediados, uma espécie de Classe média, com o estatuto de assimilados, catapultados à 3ª Categoria, com algumas regalias, que os distinguia da população local (autoctone) e lhes servia apenas de uma arma psicológica para se afastar e isolar-se das suas origens, isto é, das comunidades locais. Isso fazia parte da política colonial que consistia no principio de «desunir para melhor dominar».

 

Em termo restrito da palavra, nem todos assimilados tinham a posse financeira para que pudesse justificar o Estatuto da Classe média conferido pelo Regime Colonial Português, de caracter discriminatório. No fundo eram miseráveis empregados inseridos no sistema de produção da maquina colonial que sugava a riqueza do País para o luxo da Metrópole. Muitos deles nem tinham uma Cultura acentuada da Classe Pequeno-burguesa, tirando a Língua de Camões que era imposta como instrumento da alienação sócio-cultural e da supressão da Cultura Bantú.

 

De qualquer forma, havia um pequeno segmento da pequena burguesia prospera no seio da Comunidade mestiça ligada estreitamente à Classe dominante portuguesa, que reinava Angola, em nome do Império Português. O relacionamento dentro e entre os dois segmentos da Classe média angolana era intricado e bastante complexo. Este fenômeno vinha reflectir-se mais tarde no seio do MPLA, que causou um estrondoso impacto nos massacres de 27 de Maio de 1977. Destacou-se um núcleo duro Pequeno-burguesa, dos Argelinos (uma designação atribuída durante a Luta de libertação Nacional à mestiços e brancos que tinham estado exilados no Norte da África, sobretudo na Algéria) que dominavam a Direcção do MPLA. Este núcleo pequeno-burguesa sentia-se ameaçado pela influência crescente da elite intelectual indígena no interior do País. Com efeito, urdia uma espécie de conspiração contra esta, com todas artimanhas, visando a sua desarticulação. A campanha de “partir os dentes à pequena burguesia” foi precisamente uma manobra bem simulada pelos Argelinos no sentido de extirpar a influência da Classe média indígena dentro do Movimento e consolidar a sua supremacia político-económica no País.

 

Na verdade o que vinha acontecer neste percurso foi evidentemente o partir os dentes dos Quadros autóctones no seio do Movimento. Em função disso, fortificava e enraizava a influência da pequena burguesia angolana, do então, que se transformara numa verdadeira casta social. 

 

Interessa, neste contexto, realçar o facto de que, na classificação social da Colónia, a primeira categoria era possuída pela comunidade branca que exercia a plena cidadania portuguesa. A elevação do estatuto social não dependia nem da condição económica muito menos do nível académico. Pois, uma boa percentagem da comunidade branca em Angola era composta por elementos degradantes e desterrados (por diversos motivos) que chegavam em Angola nas condições degradantes e de extrema pobreza. A deportação dos colonos obedeceu ao Programa do povoamento da Colónia ultramarina com fim de transformar Angola numa espécie do Brasil.

 

Para a efectivação deste Projecto político a Administração portuguesa investia recursos significativos, aliados a mão-de-obra barata dos indígenas. Além disso, as terras férteis e estratégicas foram confiscadas da população indígena em benefício da comunidade branca. Essas medidas e outras fizeram com que num curto espaço de tempo fosse possível elevar a condição social, económica e cultural da comunidade branca, tornando-se numa classe bem abastada capaz de exercer a sua supremacia política e económica que sustentava o sistema colonial. Esta política do Dr. António Oliveira Salazar é comparável com o Programa actual da África do Sul que consiste no fomento económico da comunidade negra (Black economic empowerment).

 

É preciso dissipar, para já, as interpretações erradas que possam surgir sobre a comparação feita entre os dois tipos de fomento. O Fomento económico da África do Sul não descrimina nenhuma comunidade da sua sociedade multirracial. Pelo contrário, ele é inclusivo e busca superar as grandes assimetrias sociais, económicas e regionais causadas pelo sistema de segregação racial (apartheid) que vigorava no País. Ao passo que, o fomento económico do Dr. Oliveira Salazar era de natureza discriminatória e exclusivista que tinha como objectivo estratégico promover a comunidade branca a fim de subjugar e explorar descaradamente outras comunidades. Paradoxalmente, o Regime Angolano adoptou esta política da reforma agrária que consiste na confiscação de propriedades e terras comunitárias e individuais dos cidadãos em beneficio da Classe dominante  
Em muitos aspectos, o sistema colonial continua bem enraizado no nosso País. Embora a sua manifestação não tenha o mesmo cariz e a mesma formalização e configuração político-jurídica. Esta prática neocolonial e discriminatória constitui uma tortura psicológica aos Angolanos que sentem-se livres do jugo colonial. Este facto irrefutável deixou de ser um tabu na consciência de todas camadas sociais do nosso País.

 

 Ali estará o maior desafio da emancipação da ANGOLANIDADE que se afirma como uma aspiração profunda e legítima da Nação. Infelizmente, as nossas mentes estão corruptas e transtornadas de tal ordem que, nós próprios defendemos e projectamos teorias fascistas que submeteu determinadas comunidades humanas às condições de inferioridade genética, racial, social, cultural e económica durante Séculos da escravatura, da colonização e da exploração. Comportamos assim somente para justificar a injustiça social que se verifica na distribuição desigual da renda nacional.


Neste contexto, emergiu na nossa sociedade uma grande burguesia, muito poderosa, que se enriqueceu de forma ilícita. Devido a crescente tomada de consciência popular, esta Classe social está assustada e atrapalhada sem saber como disfarçar o seu capitalismo selvagem. O recente pronunciamento do Presidente José Eduardo dos Santos sobre a Origem da Pobreza em Angola é uma prova evidente. Se a base da pobreza extrema que grassa o tecido humano Angolano é a herança colonial, como que se justifica um pequeno Clique no Poder, da origem pobre, acumular tanta riqueza? Vejamos! No ranking dos multibilionários em Portugal, o Presidente Angolano, Eng. José Eduardo dos Santos, ocupa o terceiro lugar. Não espantaria ninguém se ele figurasse no topo da Lista dos Homens mais ricos da África. Onde terá vindo esta colossal fortuna, acumulada durante a guerra atroz que se implantou no País há cerca de quatro décadas? A final, para alguns, a Guerra foi uma fonte do enriquecimento rápido. Enquanto, a maioria dos Angolanos ficaram empobrecidos.

 


Na defesa do discurso do Presidente do MPLA declarava categoricamente um Ministro de Estado da Casa Militar: “Não se preocupe com aqueles que estão ricos. Pois, ontem foram pobres. Se tiver uma postura positiva da pobreza, vocês serão ricos amanhã”. Interroga-se! Qual é esta postura positiva perante a pobreza? Passará pelos mesmos caminhos de corrupção e do açambarcamento do Erário publico? Ou, por outras vias? Quais são essas vias em que um sujeito enriquece-se bruscamente, em pouco espaço de tempo, sem trabalho aturado?
Eu defendo, com toda firmeza, a tese de que. Se de facto havemos de materializar os bons e lindos Projectos teóricos que nascem diariamente junto de nós é imperativo que quebremos os tabus abstractos que nos rodeiam; e façamos esforços conjugados, de forma franca, transparente, objectiva e bastante realista, na abordagem dos preconceitos e práticas erróneas e arcaicas que se verificam no País.

 

Queira chamar a vossa atenção ao seguinte. A nossa situação político-social supera, em determinados aspectos, os níveis do Colonialismo e do Feudalismo medieval. Basta darmos um simples exemplo, da condição desumana de uma Zungueira gestante, com bebé nas costas, com um embrulho pesado na cabeça, em baixo do sol ardente de Luanda, submersa no suor, nas lágrimas e na fatiga; arrastando-se nas ruas, sob perseguição dos agentes da polícia, a disparar tiros contra ela, destruindo os seus recursos insignificantes de sobrevivência.
Uma situação deste género suplanta a nossa sensibilidade humana, logo em pleno III Milénio. É só comparável com a escravatura que deixou sucumbir dezenas de milhões de escravos ao longo de rotas terrestres e marítimas que os arrastavam aos destinos desconhecidos e tenebrosos. Como é concebível a propalada campanha do combate contra a pobreza, a fome e a miséria? Não estaremos perante um paradoxo que nos coloca diante um dilema de não entendermos a insensatez deste comportamento tão cruel e bárbaro?


Enquanto, indiferente e friamente, a Classe dominante dá-se ao luxo de desviar o erário público e esconder volumosas somas de dinheiro nas contas privadas no estrangeiro. Longe do olhar dos Angolanos que padecem da fome; da pobreza extrema; da penúria alimentar; das doenças endémicas; sem habitação condigna; sem energia eléctrica; sem saneamento básico; sem água potável; sem mínimos serviços de saúde; sem acesso adequado à educação. Como não bastasse ela, a Classe dominante, seduz-se à vida supérflua do esbanjamento do OGE, tal igual como o Cesarismo do Império Romano. Isso revolta qualquer de nós que se levantou e combateu tenazmente a colonização portuguesa em condições extremamente difíceis. Qual sentido que temos da LIBERDADE, da IGUALDADE, da FRATERNIDADE e da SOLIDARIEDADE que tanto aspirávamos com todo fervor patriótico e revolucionário?

 

Enfim, não acho que os nossos actuais Capitalistas tenham adquirido está posse fenomenal financeira devidos a sua inteligência pura; trabalho aturado; superioridade genética; atributos raciais; herança familiar; empenho pessoal ou mérito profissional. Nem podemos afirmar com propriedade de que a pobreza que arrasta o tecido humano angolano, de mais de 98% da população, sejam a herança colonial ou o défice dos pressupostos acima delineados.
Na verdade, nesta vastidão do mundo da pobreza repousa os grandes valores e a dignidade humana, asfixiados dentro de si sem forma de se desabrochar ao mundo exterior. Todos esses Valores clamam pela legitimidade da sua ANGLANIDADE na qualificação social, cultural e económica. Não aceitemos sermos domesticados e alienados pelas teorias arcaicas e racistas que busca mistificar e alienar a consciência do Povo Angolano.


Em suma, uns dos factores fundamentais da pobreza que assola o tecido humano angolano são as seguintes: A subalternização da Angolanidade; a injustiça social na distribuição da riqueza; a má governação; a corrupção; desvios maciços do erário público; a discriminação e exclusão social e económica; poucos investimentos no sector social; sistema inadequado de seguros sociais; taxa elevada do desemprego; indefinição do salário mínimo; salários baixos; mão-de-obra barata; ausência de contractos de trabalho; despedimentos arbitrários; preços astronómicos; demolição anárquica de habitações dos Angolanos; desapropriação da terra dos cidadãos.


Além disso, a litoralização da economia; as assimetrias regionais na distribuição do OGE; economia assente no petróleo; pouca diversificação da economia; economia baseada na importação de produtos de primeira necessidade; políticas deficientes do fomento rural; poucos investimentos na agricultura; poucos incentivos e subsídios aos agricultores; sistema inadequado do escoamento de produtos agrícolas aos mercados urbanos.

 

Outras causas da nossa pobreza são: As infra-estruturas inadequadas e mal construídas; sistema bancário deficiente; taxas de juros elevadíssimas; a partidarizado e acesso dificíl aos créditos bancários; burocracia pesada; sistema fiscal excessivo; sobrefacturação; comissões chorudas. A partidarização das instituições públicas; privatização do Estado por um punhado de famílias, tráfico de influências; favoritismo; intolerância política; supressão do equilíbrio político; ausência da democracia institucional.

 


Parafraseando, a falta da vontade política, do patriotismo, da solidariedade social, da sensibilidade humana, da integridade e da eficácia da Lei. O nosso Estado não é de carácter social; é excessivamente individualista e burguesa.

 

Convinha esclarecer alguma coisa importante. No sistema da economia do mercado e da livre circulação de Pessoas e de Bens, o Capital constitui um dos factores decisivos do desenvolvimento económico e da estabilidade social. O problema fulcral do nosso País consiste na existência do capitalismo selvagem que usurpa os Bens comuns em benefício de uma ínfima minoria no Poder. Empobrecendo a maioria esmagadora da população local. Esta injustiça social, que se traduz num crime económico, desta envergadura, é que deve ser combatida tenazmente e extirpada do nosso País.

 

Como fazê-lo? Através do equilíbrio político que viabilize a alternância democrática do exercício do poder estatal. Limitação de mandatos do Chefe de Estado e do Governo. Despartidarização do Estado. Democratização das instituições públicas e privadas. Primazia efectiva e eficaz da Lei.