Cidade do Cabo – No seguimento de um debate realizado recentemente  pelo  Bloco Democrático,  na cidade do cabo, na África do Sul,   os participantes daquela iniciativa constataram que  o artigo 143º da actual Constituição não permite o direito ao voto as comunidades angolanas radicadas no Exterior, apenas os que se encontram em trânsito.


Fonte: Club-k.net

Só vota na diáspora  quem estiver em serviço

Diz o referido artigo “ (Sistema eleitoral) 1. Os Deputados são eleitos por sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e periódico pelos cidadãos nacionais maiores de dezoito anos de idaderesidentes no território nacional, considerando-se igualmente como tal os cidadãos angolanos residentes no estrangeiro por razões de serviço, estudo, doença ou similares.”.


O actual Ministro da Administração interna e antigo Presidente da Comissão Constitucional, o facebookeano Bornito de Sousa, que elaborou a actual Lei Mãe respondeu assim à pergunta do Jornal de Angola: “JA – Os angolanos residentes no estrangeiro podem votar?

BS - A Constituição estabelece um quadro claro sobre a participação de angolanos no exterior nas eleições. Os que estão em serviço ou em situações que se possam assemelhar ao tratamento médico, estudo, representação de empresas exercem o direito de voto. Os cidadãos que escolheram um outro país para viver, estão radicados lá, muitos deles inclusive têm a nacionalidade desses países e exercem direitos de cidadania nesses países, a Constituição optou por não obrigá-los a votar.”


Dada a importância do assunto debatido na cidade do cabo o Club-k retoma a referida entrevista.


Faz hoje um ano que a Constituição da República entrou em vigor. O ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa, que chefiou a comissão constitucional, falou ao Jornal de Angola das incidências do processo constituinte, dos traços únicos da Constituição e do esforço colectivo que é necessário para tirá-la do papel.

 

Jornal de Angola - Que avaliação faz do processo constituinte?

Bornito de Sousa - O processo de elaboração da Constituição foi dos mais participados e amplos que se realizou em Angola. Por isso grande parte das suas disposições foi aprovada por consenso e praticamente toda a Constituição por uma ampla aceitação a nível parlamentar. As questões que foram alvo de alguma divergência - como não podia deixar de ser - são mínimas, e algumas delas o próprio tempo tem estado a provar de que alguns receios levantados na altura não eram fundados.

 

JA – A quais receios se refere  concretamente?

BS - O sistema de governo, no seu conjunto. O sistema presidencialista-parlamentar, como se designou, que é basicamente um sistema presidencialista, mas que tem alguns elementos de base parlamentar, particularmente na componente da eleição do Presidente da República. E a este respeito colocavam-se muitas dúvidas sobre se a eleição do Presidente da República, neste formato, era uma eleição directa ou indirecta, inclusive alguns juristas criticaram em relação à qualificação do modelo de eleição. Ficaram à espera que o professor Jorge Miranda viesse a Angola e clarificasse que de facto se trata de uma eleição directa.

 

JA - Que avaliação faz das intervenções do Professor Jorge Miranda?

BS - As suas intervenções foram públicas e eu creio que demonstrou uma evolução e aprofundamento no conhecimento da Constituição angolana. O que ouvimos do ilustre professor Jorge Miranda causou-nos, no início, alguma surpresa. Como, por exemplo, quando afirmou que a Constituição não fazia referência à fiscalização concreta da própria Constituição. O certo é que na Constituição portuguesa esta fiscalização concreta aparece num determinado capítulo e na angolana aparece noutro capítulo. Houve falta de informação sobre esta questão concreta.

 

JA - O que mais o marcou no período em que dirigiu a Comissão Constitucional?

BS - A primeira foi mesmo a ampla participação dos cidadãos a nível nacional e em todos os escalões, das estruturas centrais até aos municípios. Houve muita participação até dos cidadãos do interior e do exterior do país. Marcou-me o convívio no trabalho interno, na comissão técnica, na preparação das bases da Constituição, na comissão constitucional, em que os deputados de várias formações políticas puderam debater frontalmente aspectos de pólos distantes mas que da discussão, em muitos dos casos, se fez luz o que permitiu chegar a consensos na aprovação de grande parte das normas.

 

JA - Disse que o modelo consagrado na Constituição não pode ser comparado aos modelos tradicionais, quis fazer polémica?

BS – Não quis, mas isso pode ser reiterado várias vezes. É que esta Constituição reflecte a experiência própria dos angolanos. Não podemos deixar de nos referir à experiência do Presidente José Eduardo dos Santos na governação e na vivência do país, dos vários especialistas angolanos que souberam desenhar um quadro constitucional específico e nalguns casos inovador. 

 

JA - Considera fundadas as inquietações levantadas na altura?

BS - No princípio houve hesitações e até receios, houve quem afirmasse que esta Constituição não ia perdurar, houve quem receasse que a Constituição trazia um sistema totalitário, mas o que estamos a ver é exactamente o oposto. Há uma maior abertura democrática. O Executivo, dirigido pelo Presidente, tornou a governação mais transparente. Vemos que de três em três meses o Executivo informa o público sobre o que está a fazer. O Presidente da República, nos termos da Constituição, pela primeira vez participou na abertura do ano parlamentar, proferindo um discurso sobre o estado da Nação. Temos visto uma maior interligação entre o Executivo e o Parlamento na produção legislativa e na criação dos instrumentos de governação.

 

JA – A que instrumentos de governação se refere?

BS - Refiro-me aos instrumentos de planeamento, ao Orçamento Geral do Estado e ao controlo da execução destas medidas. E até me refiro a outras, como reformas no Poder judicial ou a adaptação das leis à nova Constituição, só para citar algumas.

 

JA - A conformação das leis ordinárias à nova Constituição vai durar muito tempo?

BS - Já foi feito um trabalho significativo. Mas é preciso continuar porque é preciso tirar a Constituição do papel. Os cidadãos devem saber utilizá-la, pô-la em prática. Há normas que são de aplicação directa, não precisam de intermediação ou de criação de outra lei para que sejam aplicadas, mas, nalguns casos, a produção de leis vem tornar fácil a aplicação prática da Constituição.

 

JA - O que fazer para os cidadãos conhecerem os seus direitos constitucionais?

 BS - O Estado, as instituições públicas, as forças políticas, a sociedade civil, todos devem trabalhar em conjunto na divulgação da Constituição. É importante que os cidadãos conheçam os seus direitos e, participem neste trabalho de divulgação e de conhecimento da Constituição. Eu vou dar apenas um exemplo. Participei numa reunião com uma organização ligada ao trabalho comunitário e eles levantaram uma preocupação. Na reunião anterior foram colocadas várias preocupações que precisavam de ser transformadas em lei, mas que passado um ano isso não havia acontecido. E eu informei que a nova Constituição já permite que grupos de cidadãos possam também apresentar propostas de lei ao Parlamento.

 

JA - Que opinião tem da concessão do habeas corpus?

BS - A constituição estabelece um conjunto devidamente estruturado de garantias dos direitos dos cidadãos. Não basta estabelecer direitos, aliás, qualquer Constituição pode estabelecer direitos, mas estes direitos podem ser violados pelos poderes públicos e eventualmente pelos cidadãos em geral. E a nossa Constituição estabelece garantias sobre estes direitos e bastante alargadas. O habeas corpus é um destes direitos e mais uma demonstração da aplicação prática da Constituição.

 

JA - Para quando o ajustamento das leis eleitorais à Constituição?

BS - Esta é realmente uma das tarefas que está ligada ao Ministério da Administração do Território, embora seja uma tarefa do Executivo em geral, mas o departamento ministerial da Administração do Território tem uma grande responsabilidade em relação a isso. Posso revelar que está a ser preparado o ajustamento da legislação eleitoral à Constituição.

 

JA - Que inovações vão surgir?

BS - Temos ainda o mandato do Parlamento, que passa a ser de cinco anos e não de quatro como aconteceu até agora. Quem for eleito nas eleições gerais de 2012 tem um mandato de cinco anos. A Constituição fixa de uma maneira mais clara os períodos para a realização das eleições. Não estabelece datas fixas, como algumas constituições, que dizem, por exemplo, no último domingo ou último sábado do mês A ou B, mas estabelece aí um quadro muito claro sobre os períodos de realização de eleições. Tudo isso vai ser ajustado em termos de legislação. Há ainda outras questões como por exemplo a apresentação de candidaturas. Pelo sistema que está estabelecido a eleição do Presidente da República e do Vice-Presidente realiza-se no quadro da eleição parlamentar. Tudo isso tem de estar ajustado no quadro da legislação eleitoral.

 

JA – Ainda se pode falar de candidatos independentes ou é uma questão ultrapassada?

BS – O debate interessa sempre. Mas vou apenas reiterar o que já se disse em ocasiões anteriores. A norma que está na Constituição permite que concorram para o cargo de Presidente da República cidadãos ligados a partidos e não filiados em partidos. Mas a candidatura deve ser patrocinada por um partido. Se entendermos os candidatos que não são filiados em nenhum partido como independentes, então a nova Constituição permite a sua escolha ou a eleição.

 

JA - Quando termina a transição política?

BS - Quando se iniciou o processo constituinte ficou claro que devíamos realizar primeiro eleições para aprovar uma Constituição e que seria nos termos desta Constituição que eram realizadas as eleições presidenciais. A nova Constituição veio estabelecer um modelo em que a eleição do Presidente da República se realiza no quadro da própria eleição parlamentar. O que significa que em 2012, nas próximas eleições gerais, são escolhidos os deputados ao Parlamento e o Presidente da República, que é o Chefe do Executivo.

 

JA - Considera que foi clarificada a questão do modelo de eleição do Presidente da República?

BS - O que importa referir, porque levantou também bastante polémica, é a preocupação daquelas pessoas que queriam saber se é possível votar num partido para o Parlamento, mas eleger como Presidente ou Chefe do Governo alguém diferente do cabeça de lista desse partido. Quanto a isso dizemos simplesmente que é preciso compreender o sistema de eleição e o modelo que aí está. Por isso é que tem a designação de presidencialista-parlamentar.

 

JA - Como  funciona o sistema presidencialista-parlamentar?

BS - A eleição do Presidente da República é muito semelhante, ou até, praticamente igual ao modelo de eleição dos chefes de governo no sistema parlamentar. Olhemos para o exemplo mais próximo que é Portugal. Quando há eleições legislativas escolhem-se os deputados ao Parlamento, mas no mesmo momento escolhe-se o candidato a chefe de governo, que é o Primeiro-Ministro. O candidato a Primeiro-Ministro é o cabeça-de-lista desta eleição única parlamentar. No sistema adoptado não há uma eleição para eleger os deputados e outra eleição separada para eleger o chefe do governo ou Primeiro-Ministro. O modelo é praticamente igual, com a diferença de que aqui o chefe do governo é Presidente da República e Chefe de Estado. A eleição é simultânea para o Parlamento e para a Presidência.

 

JA – Os angolanos residentes no estrangeiro podem votar?

BS - A Constituição estabelece um quadro claro sobre a participação de angolanos no exterior nas eleições. Os que estão em serviço ou em situações que se possam assemelhar ao tratamento médico, estudo, representação de empresas exercem o direito de voto. Os cidadãos que escolheram um outro país para viver, estão radicados lá, muitos deles inclusive têm a nacionalidade desses países e exercem direitos de cidadania nesses países, a Constituição optou por não obrigá-los a votar.

 

JA - Até que ponto a descentralização administrativa ganha força com a nova Constituição?

BS - Uma das questões muito importantes que a nova Constituição estabelece é a descentralização e a participação dos cidadãos na escolha, a este nível, dos seus dirigentes e responsáveis.

 

JA - Refere-se às autarquias?

BS: Sim. Particularmente à importância dos municípios. Podemos constatar há poucos dias o início de um grande movimento, sob iniciativa do Chefe do Executivo, no sentido se valorizar o município, porque é aí onde estão os cidadãos. Por isso é preciso levar aos municípios os principais serviços de suporte aos cidadãos. Estou a falar dos serviços de educação, de saúde, comércio rural, água potável, habitação social, além de serviços comunitários, serviços municipalizados, como a recolha de resíduos sólidos.  O que vai ser notado a partir de agora, e isto é também resultado da Constituição, é o maior desempenho dos municípios na vida do país e assim também um maior desempenho e aproximação dos cidadãos.

 

JA - Para quando as primeiras eleições autárquicas?

BS - É uma questão que está já em estudo no Executivo e acreditamos que, a curto prazo, vai ser tornado público um programa tendo em vista estabelecer um horizonte para eleições autárquicas.


JA - Essas eleições locais são em momento separado das eleições gerais?

BS - É provável, que assim seja. Não podemos ainda afirmar, porque há um programa que está a ser preparado. Mas muito provavelmente vai ser em período diferente das eleições gerais. O calendário está por definir.