No banco dos réus, um dos acusados de ter recebido "comissões" da parte dos dois homens para "facilitar" a compra das armas, o ex-ministro francês do Interior, Charles Pasqua, bocejava ostensivamente. Com um sorriso trocista, o 'gaullista', actualmente com 81 anos, alegou "uma constipação" e saiu da sala quando foi evocado o seu envolvimento no negócio.

O representante do Ministério Público informava nessa altura o tribunal de que Pasqua tivera uma reunião com o Presidente José Eduardo dos Santos, em Paris, em Fevereiro de 1994, precisamente no dia em que foi assinada, na capital francesa, uma parte do contrato de armamento, no valor de 463 milhões de dólares.

A acusação diz ter provas de tudo o que tem estado a avançar nas audiências, iniciadas no passado dia 6. Designadamente sobre os "lucros fabulosos" dos dois sócios da empresa que montou a operação - 397 milhões de dólares. E também sobre as dezenas e dezenas de milhões que eles "generosamente" distribuiram por personalidades francesas e angolanas - entre elas, José Eduardo dos Santos, membros da sua família, militares e políticos do seu círculo mais próximo, bem como 40 franceses de primeiro plano, como Jean-Cristophe Mitterrand e Jacques Atali, respectivamente filho e ex-conselheiro do falecido ex-Presidente francês.

Nas audiências, Pierre Falcone, cérebro do negócio, tem seguido uma linha de defesa idêntica à dos outros arguidos. Todos garantem ter agido por "razões humanitárias". Por exemplo, a acreditar no que disse Jean-Cristophe, o 'Angolagate' teria tido como origem apenas a intenção de socorrer um país onde "faltava tudo, alimentos, medicamentos...".

Pierre Falcone, que tem as nacionalidades francesa, angolana e brasileira, confirmou: 'Senhor Presidente, exclamou para o juiz, a primeira coisa que lançámos de páraquedas na periferia de Luanda foi água!". Depois, foi um pouco mais explícito sobre as armas: "É bonito exibir grandes emoções em Paris e depois deixar morrer à vista de todo o mundo um Governo legítimo!".

Falcone, que é acusado de tráfico de armas, corrupção e fuga ao fisco, fazia alusão à "necessidade urgente" de armamento da parte do regime angolano que, na altura, estaria "a perder a guerra" contra a guerrilha da UNITA.

Porém, quando foi instado pelo juiz-presidente a explicar-se sobre uma sua viagem a Moscovo e à natureza do armamento comprado por Luanda, Falcone invocou a sua qualidade de "mandatário oficial" de Angola para efectuar o negócio e, em nome do princípio do "segredo-defesa", recusou responder.

O Estado angolano continua a contestar o julgamento, que prossegue hoje, e cujas audiências deverão durar até Março do próximo ano. De acordo com o seu advogado, o francês Francis Teitgen, Angola poderá apresentar um processo contra a França num tribunal internacional por "violação da sua soberania".

A acusação garante ter em sua posse extractos de contas bancárias, transferências e correspondência sigilosa que implicam o Presidente Eduardo dos Santos no escândalo.
 
Fonte: Expresso