Lisboa - Neste texto, reproduzimos os argumentos dos recorrentes segundo os quais o facto de Suzana Inglês ter sido designada “não só por possuir maior experiência profissional e tempo de serviço (entenda-se na CNE), mas também e sobretudo, por estar a desempenhar funções na Comissão Nacional Eleitoral desde 2008 de forma ininterrupta até à presente data, constitui prova bastante e irrefutável de violação do princípio da prevalência da lei”. Recorde-se que o processo de recurso contencioso continua a aguardar decisão do Tribunal Supremo.


Fonte: Club-k.net

Analise do processo eleitoral

Alega ainda o recorrido que “estes factos incontroversos e incontrovertíveis foram determinantes para a atribuição do primeiro lugar à candidata por ser a que melhores requisitos gerais oferece para o desempenho do cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral, não só por possuir maior experiência profissional e tempo de serviço, mas também e sobretudo, por estar a desempenhar funções na Comissão Nacional Eleitoral desde 2008 de forma ininterrupta até à presente data”.


Os recorrentes argumentam: “Ora, o mero facto de o recorrido admitir que seleccionou a Dra. Suzana Inglês “não só por possuir maior experiência profissional e tempo de serviço (entenda-se na CNE), mas também e sobretudo, por estar a desempenhar funções na Comissão Nacional Eleitoral desde 2008 de forma ininterrupta até à presente data”, constitui prova bastante e irrefutável de violação do princípio da prevalência da lei. ..A lei dispõe exactamente de modo contrário. Dispõe que o Presidente da CNE deve ser alguém que esteja em funções em qualquer órgão da magistratura judicial. Estando em funções na magistratura judicial, não pode estar no exercício de qualquer outra função pública – como a de Presidente da CNE – (artigo 179º, nº 5, da CRA).

 

Enquanto artífices da lei, os recorrentes quiseram concretizar o princípio constitucional (art. 107º da CRA) da independência da administração eleitoral, seguindo o padrão da SADCC, o qual prevê um magistrado judicial como garante da independência institucional do órgão. Não pode ser, portanto, a actual presidente. Este foi o objectivo dos recorrentes enquanto artífices da lei.


Ao introduzir na organização do poder do Estado, uma administração eleitoral independente ao lado dos três órgãos tradicionais de soberania, o legislador constituinte operou uma mudança substancial no ordenamento institucional angolano.


De facto, os princípios estruturantes, que a Constituição estabelece para o desenvolvimento do direito eleitoral angolano estão definidos nos artigos 1º, 2º, 3º, 6º e 107º da Constituição.


O artigo primeiro consagra o princípio republicano; os artigos segundo e terceiro, consagram o princípio do estado de direito, o princípio democrático e os princípios da soberania popular, da liberdade eleitoral e da igualdade eleitoral como princípios concretizadores do princípio democrático. O artigo sexto consagra o princípio da supremacia da Constituição e da legalidade; e o artigo centésimo sétimo, estabelece que os processos eleitorais são organizados, não por órgãos participados pelo poder Executivo, mas por órgãos de administração eleitoral independentes.


O artigo 107º da CRA dispõe o seguinte: “os processos eleitorais são organizados por órgãos de administração eleitoral independentes, cuja estrutura, funcionamento, composição e competências são definidos por lei.”

 

Coube aos recorrentes, enquanto parte integrante do legislador ordinário, concretizar e densificar tal disposição estruturante. Fizeram-no, em parte, através da Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais (lei 36/11, de 21 de Dezembro). 

 

O recorrido, porém, parece não ter ainda discernido ou aceite o alcance da mudança operada pelo artigo 107º da CRA. De facto, a CNE que a Dra. Suzana Inglês presidiu antes da concretização desse artigo, em 2010 e 2011, não é uma CNE independente. A CNE que vai organizar as eleições de 2012, é uma nova entidade, materialmente distinta da CNE anterior. Ela é parte integrante da (nova) Administração eleitoral independente: tem novo posicionamento institucional, nova natureza, nova organização, novas competências e nova composição.


Na antiga CNE, os juízes não tinham assento, foram expressamente retirados. Nessa nova CNE, os juízes foram expressamente incluídos como “presidentes” do órgão nacional e dos órgãos locais. Na antiga CNE, os presidentes eram “órgãos”, indicados pelo Executivo e eleitos pela Assembleia Nacional. Nessa nova CNE, os presidentes (da CNE e das CPE’s) não são “órgãos”, o Executivo não tem competência para indicá-los. São seleccionados de entre os magistrados judiciais, pelo órgão que aprecia o mérito profissional e exerce a acção disciplinar sobre os juízes.    


Aquando da negociação da lei nº 36/11, foi intenção da equipa de negociadores, que inclui os recorrentes, seguir as normas da SADCC, segundo as quais, a CNE independente deve incluir na sua composição pelo menos um magistrado judicial em funções, portanto alguém conhecido como independente, para garantir e simbolizar a independência do órgão. Nós, recorrentes, enquanto legisladores, decidimos por unanimidade que esse magistrado seja também o seu presidente. Por isso é que escrevemos muito claramente na lei, que este magistrado “cessa as suas funções judiciais” antes de tomar posse como Presidente da CNE (Art. 143º, nº 1). Se ele cessa funções judiciais, é porque só podia estar no exercício de funções judiciais.

 

Foi por esta razão que se atribuiu a responsabilidade de presidente da CNE a um magistrado judicial em exercício de funções, porque os magistrados judiciais em exercício de funções, nos termos da Constituição, não podem exercer qualquer outra função pública ou privada…” (nº 5 do artigo 179º da CRA); não podem estar filiados em partidos políticos; não podem nem exercer actividades político-partidárias nem estar ligados a organizações de natureza política-partidária como é o caso da jurista Suzana Inglês (nº 6 do artigo 179º da CRA).

 

Trata-se de mais um equívoco. A função de Comissário da CNE é exercida por mandato, não é uma profissão nem uma função executiva de carreira exercida a tempo inteiro. Porque os Comissários não pertencem ao quadro de pessoal efectivo e permanente da CNE, por exemplo, durante todo o primeiro mandato da Dra. Suzana Inglês, de Agosto de 2005 a Setembro 2010, num período de cerca de 1800 dias, os Comissários terão trabalhado para a CNE apenas 86 dias, correspondente ao tempo líquido das reuniões plenárias e de esporádicas viagens. Não se acumula, portanto, “tempo de serviço”. Por se ter tratado essencialmente do exercício de funções deliberativas e de supervisão em reuniões Plenárias específicas de três a cinco horas cada num órgão colegial e não de uma actividade profissional, de carreira ou executiva, não se pode falar em “experiência profissional”.


Destarte, a experiência da CNE criada ao abrigo da lei 6/05, de 10 de Agosto, como organizadora das eleições legislativas de 2008, não é abonatória. Ela foi o principal responsável pelo reconhecido desastre eleitoral de 2008 (em termos de organização e controlo) especialmente por ter permitido que as estruturas do Executivo usurpassem as suas competências e controlassem a eleição, ao arrepio da lei.


Além da experiência não abonar a favor da candidata, é de recordar que a Constituição de 2010, ao definir o esquema organizatório do poder do Estado, vem estabelecer no artigo 107º, em paralelo com a Administração Pública, a Administração eleitoral independente e atribuir-lhe com exclusividade todas as competências eleitorais.


Em suma, a nova lei atribui à Administração eleitoral independente (CNE) todas as competências relativas ao registo eleitoral que antes estavam atribuídas ao Executivo, tais como definir e controlar as tecnologias de informação, sistemas, fluxos informacionais e procedimentos de manutenção, certificação e de segurança a utilizar no registo e na gestão da sua base de dados, o FICRE. Isto implica o domínio de ciências diversas e capacidades comprovadas de boa gestão operacional da parte não de uma pessoa, mas de uma instituição. Requer, acima de tudo, pessoas idóneas que respeitem a lei e garantam a credibilidade dos processos eleitorais.

 

Portanto, as funções inerentes ao cargo de Presidente da CNE sofreram uma grande alteração no seu conteúdo e no seu exercício. O conteúdo do “cargo” no plano material ou substancial não será o mesmo. Não se pode por isso falar em “manter a candidata no cargo”, como afirma o recorrido.