Durante a campanha eleitoral a FpD utilizou a expressão “uma torneira em cada casa” para consubstanciar uma reivindicação que apresentou como sendo de grande alcance para o desenvolvimento nacional e contrariar o anacronismo de políticos que oferecem, em pleno século XXI, chafarizes (uma solução do século XIX) como perspectiva de desenvolvimento, tirando partido da “miséria das pessoas” e do seu habitual conformismo.

Já sabíamos que a grande prioridade do país é a água potável! Que associada ao saneamento básico pode trazer rapidamente grandes e fundamentais mudanças na vida dos angolanos. Dizíamos então, repetindo o Dr. Luís Bernardino que 80% das doenças pediátricas estão associadas à falta de água potável e ao saneamento básico. Agora, no dia 15 de Outubro, na comemoração do “Dia Mundial da Lavagem das Mãos”, foi dito pela representante da UNICEF e repetido pelo Ministro da Educação que o simples gesto de lavar as mãos com sabão reduz a mortalidade infantil em 46%., o que é significativo num país onde morrem 260 crianças, em mil, por ano.  

Por ocasião do “Dia Internacional da Erradicação da Pobreza” (17 de Outubro), Willy Piassa, gestor do LUPP (Programa de Luta contra a Pobreza Urbana) disse que as populações colocam a água como primeira prioridade. Nesse dia, o PNUD e o CEIC projectaram um filme de Katsi… sobre a pobreza entre os SAN, no sul do país. Num dado momento, um dos intervenientes do grupo, sintetizou as suas reivindicações dizendo que esperavam do Governo “água, terras, sementes e escolas”. 

Todos actores sociais angolanos o repetem, a água potável é a grande prioridade do país. No entanto, a menina dos olhos bonitos do Governo é a construção de um milhão de casas ao longo dos quatro anos da legislatura que arrancou. É um objectivo nobre, desafiante, monumental que parece estar envolvido num certo perfume faraónico que não aproveita o país que tem uma fraca indústria de materiais de construção (por exemplo, serão necessários, pelo menos, seis mil milhões de tijolos, dois milhões de conjuntos sanitários, cem milhões de metros quadrados de mosaico, um milhão de lava-loiças, azulejos, ). Por um lado, como foi logo manifestado um certo cepticismo geral perante a grandeza do esforço, nomeadamente financeiro (cerca de 50 mil milhões de dólares americanos, numa estimativa por baixo, tendo como preço 50 mil dólares americanos por fogo – esta cifra representa, segundo Emídio Rangel, duas vezes e meia mais do que os bancos angolanos dispõem). 

Tendo sido a promessa feita directamente pelo Presidente da República, logo se manifestaram duas forças opostas, a do mau agoiro para que o “homem” falhe para que lhe sejam assacadas responsabilidades e tirar daí dividendos políticos e as da “omnipotência” do Príncipe. E, perante isto, uma legião foi já mobilizada para compor as coisas e tornar real o anúncio do senhor. Este tipo de “guerrilha” não aproveita ao rápido desenvolvimento do país e a aplicação criteriosa dos recursos. 

Esta oposição de baixa política não aproveita ao país. Não é essa a minha posição. Não é essa a noção que tenho da política e da sua função. A política deve servir para a produção do bom governo, para a satisfação das expectativas dos cidadãos. Dai a minha apologia pela crítica como forma de emulação política, do debate contraditório para esclarecer as escolhas, da participação dos cidadãos na gestão da res publica e na responsabilização dos governantes perante os governados. Dai a minha forte oposição ao modelo do “Ministro mudo” (“mudo”, neste caso, é aquele que não diz absolutamente nada, nem pela linguagem gestual) que o Presidente da República quer impor ao país.

Nós temos que ver pelos nossos próprios olhos e fazer uso da nossa voz, nomeadamente para denunciar a cegueira do Príncipe e suas declinações, quando for o caso. Mas as relações entre dominantes e dominados não têm que ser constantemente de conflito. Ensino nas minhas aulas que essa relação é a maior parte das vezes de cooperação, por razões inerentes à própria vida em sociedade. 

Assim sendo, creio que podemos negociar com o Príncipe a mudança das prioridades, para dizer que a grande prioridade desta legislatura deve ser o programa “Água para Todos”, reafirmando o nosso propósito de colocar uma torneira em cada casa. Não vale a pena insistir nas soluções do Rebocho Vaz (anos 1960), a que o Santocas chamou, mais tarde, currais; “casas todas elas rachadas, sem luz, nem água”, só para fazer número e estampar na primeira página do Jornal de Angola a mentira de ter cumprido com o dito objectivo do milhão de casas sociais (ou seja, uma subespécie de moradia, sem qualidade). Este conceito de casa social está ultrapassado, foi uma resposta que alguns países adoptaram nos anos 1960 para dar solução a questão da habitação mas que abandonaram desde há muitos anos pois deram-se conta que isso levou a guetização da sociedade, a um desenvolvimento separado, quando o que mais se pretende é a integração e uma cada vez maior coesão social e justiça distributiva para garantir a estabilidade, evitando as explosões sociais que vemos acontecer nas diversas periferias desses países.

A solução procurada através da construção das 500, do Zango e afins devem ser para esquecer. Bairros com casas de má qualidade, minúsculas para famílias cuja a característica é ser alargada e que têm um número médio de cinco membros por família nuclear, sem água canalizada, nem saneamento básico, estreitos e confusos arruamentos por asfaltar, sem luz, sem equipamentos sociais de apoio aos aglomerados habitacionais são de abandonar, até por que a termo são dinheiro deitado fora. Tem de haver padrões mínimos de qualidade, mesmo com preços regulados e com intervenção do Estado, não na construção directa das casas, mas no subsídio do preço, através de institutos públicos próprios ou da rede de bancos comerciais. É preferível que as casas sejam pagas em mais anos pelos seus proprietários mas que tenham boa qualidade para que não se degradem rapidamente e não nos devolvam essa imagem de pobreza e vergonha num país tão rico, sobretudo quando se oferece no mesmo mercado casas cem vezes mais caras.

O preço é efectivamente um grande problema para a efectivação de grandes planos de construção de habitação de qualidade. Isto implica medidas em outras áreas que não propriamente a da construção, nomeadamente na política de salários a desenvolver. Um tema que se tornou também de actualidade perante o crescente movimento social reivindicativo. Sem uma politica progressiva de bons salários não é possível estimular uma política de poupança popular para destinar à compra da habitação. Assim, sendo, há necessidade urgente de reunir o Conselho Nacional de Concertação Social (e outros fóruns) para discutir a política nacional de salários. Ligado a esta problemática está seguramente a questão da produtividade da força de trabalho nacional, e ligada a esta a da sua formação e também a da empregabilidade dos angolanos. Pois o crescimento da economia, e sobretudo as medidas para a sua diversificação vão criar empregos que serão melhor pagos mas infelizmente preenchidos com recurso à importação de mão-de-obra pois, fruto de um fraco investimento na educação e formação profissional, são poucos os angolanos com os perfis técnico-profissionais para os preencher. E, neste capítulo, atendendo a critérios de rentabilidade, o mercado é implacavelmente objectivo. Logo, se queremos resolver o problema da habitação, temos que elevar os níveis de reprodução social e de qualidade da força de trabalho, permitir que haja uma maior demanda e capacidade de compra dos angolanos, o que está também ligado ao aumento do consumo e ao desenvolvimento do comércio. 

Em suma, em vez da cegueira do Príncipe concentrar toda a sua atenção no programa de fomento habitacional que anunciou, tem que aceitar a ideia de fazer um grande investimento na água potável e saneamento para todos, na educação e formação profissional e em outros meios que permita empoderar as famílias para que estas, sem paternalismos e caciquismo, estejam à altura de revolver os problemas que a vida lhes coloca a cada dia. 

O que temos que fazer é lançar um amplo programa de auto-construção dirigida e/ou apoiada assumido por cada família (que poderão contratar pequenos empreiteiros). Uma auto-construção, com ordenamento (talhões de 500m2), arruamentos, saneamento básico, água potável e equipamentos sociais que seja feita recorrendo aos materiais locais (uma boa casa em adobe, de barro e capim) tecto de colmo rebocada a cimento (para reforçar as paredes e poderem ser pintadas, casas de madeira, lá onde há muito desse material) com soalho de cimento ou de madeira, permite uma menor dependência da importação enquanto se ergue uma indústria de materiais de construção e se erguem outro tipo de casas.

Temos que levar em conta o desafio ecológico, climático e o do recurso a materiais de construção locais e diversificados, levando em consideração a ecologia e as especificidades regionais do país. É tempo de descolonizarmos a nossa construção e de fazer escolhas fundadoras. 

O Estado (ou a colectividade territorial) mais do que construir casas tem que investir forte no seu ordenamento e na edificação de infra-estruturas de saneamento, de arruamento, de fornecimento de água potável e de equipamentos sociais (mercado, cemitério, hospital, creches, escolas,…). Estas tarefas podem inclusive ser contratadas pelo Estado com os empreiteiros gerais privados, tendo eles a obrigação de colocar esses equipamento nas urbanizações que desenvolvam contra um acerto de contas em relação aos impostos a pagar no fim de cada exercício. 
 
Em relação ao OGE:

As prioridades do Governo são o acesso à habitação, o aumento da segurança alimentar, o combate às endemias e a criação de postos de trabalho (estando previsto criar 320 mil neste ano e colocar em cerca de 22,5% a taxa de desemprego).

Água potável e agua bruta através da multiplicação de perímetros irrigados para agricultura familiar (não confundir com agricultura de subsistência).

Fonte: AGORA