Há cerca de cinco meses da fundação do Tribunal Constitucional (TC), o seu Presidente, Rui Ferreira, falou à Angop sobre a experiência já adquirida, depois do cumprimento da principal tarefa que constituiu o fundamento da existência da instituição, que foi a preparação das eleições legislativas de 5 de Setembro.


Neste quadro, o juiz faz uma análise acerca da principal tarefa do TC no actual contexto político, social e económico, fazendo alusão as suas competências na elaboração da futura Lei Constitucional e no processo de reforma do sistema de justiça e de direito em Angola.

Durante a entrevista, Rui Ferreira abordou ainda a questão que se prende com a extinção dos partidos políticos que obtiveram menos de 0,5 porcento nas eleições legislativas de 5 de Setembro último, bem como dos principais processos que correm trâmites neste órgão.

ANGOP: Apesar do TC iniciar as suas funções recentemente, pode fazer um balanço da sua actividade até a esta altura, naquilo que são os objectivos para o qual foi criado?

R.F - Este tribunal foi criado numa altura em que se estavam a preparar as eleições legislativas de 5 de Setembro deste ano e a nossa primeira e principal tarefa foi a de preparar o tribunal para exercer as responsabilidades no âmbito deste processo eleitoral, e nós fizemo-lo com muito esforço, foi uma missão que pensamos que foi bem conseguida.

O tribunal conseguiu, dentro dos prazos que a lei prevê, realizar as várias tarefas e apresentou à Comissão Nacional Eleitoral (CNE), depois de uma avaliação muito cuidada e criteriosa, os partidos que estavam habilitados a participar nas eleições legislativas.

ANGOP: Depois desta missão que tipo de processos correm no tribunal?

R.F - Cumprimos esta primeira missão e temos estado agora a trabalhar nos processos que nos foram enviados pelo Tribunal Supremo (TS), processos que não estavam ainda concluídos sobre matérias de natureza constitucional, nomeadamente aqueles que envolvem a trabalhar em novos processos conflitos de fundo dentro de alguns partidos políticos e temos estado também a trabalhar em novos processos que foram apresentados já a este tribunal também em domínios que tenham a ver com interpretação e aplicação da Lei Constitucional.

ANGOP: O tribunal já conquistou o seu espaço?

R.F - Este tribunal, sem pretender fazer antecipadamente algum balanço, que faremos num momento próprio, tem estado a conquistar o seu espaço e a desempenhar o seu papel de ser um tribunal, a jurisdição que garante e fiscaliza, o cumprimento e o respeito pela Lei Constitucional.

ANGOP: Falou que neste momento o tribunal está a apreciar os casos de conflitos internos dos partidos políticos. Quais os partidos que têm processos em tramitação e qual é a situação dos mesmos?

R.F - Estes processos são públicos e conhecidos. Nós, quando foi da realização das eleições, tomamos decisões relativamente a alguns partidos políticos de aceitarem as listas de candidatos apresentadas por alguns e dissemos que esta era uma decisão que o tribunal tomava especificamente para o caso destas eleições, não são decisões que o tribunal tenha tomado por apreciar as questões de fundo. Nomeadamente o conflito no seio da FNLA, no PADEPA, há outros conflitos que envolvem processos referentes a direcção do próprio PRS, e estes processos estão a ser concluída a fase da instrução aqui no tribunal e vão ser julgados proximamente, e ai se tomará então as decisões, este são alguns exemplos.

Há também um conflito a respeito da direcção do PAJOCA. São processos que estão em curso e vão ter julgamento brevemente. Todas as partes interessadas devem ficar seguras que o tribunal vai tomar as decisões não os vamos nos eximir das nossas responsabilidades.

ANGOP: Após a realização das eleições uma questão que tem sido muito
aflorada é a situação dos partidos que não conseguiram alcançar a percentagem exigida pela lei para se manterem como formações políticas. Podia pronunciar-se a respeito?

R.F - O Tribunal Constitucional não tem neste momento nenhum processo para fazer a extinção dos partidos políticos que obtiveram menos de meio porcento dos votos nas eleições passadas.

De facto, a lei dos partidos políticos, que foi aprovada em 2005, numa das suas normas diz que os partidos que não obtiverem meio porcento dos votos válidos de uma eleição legislativa, isto constitui uma causa de extinção, a lei diz isso. Mas esta extinção não é automática. Tem de ser instaurado um processo para que o tribunal aprecie e declare a extinção.

ANGOP: Quais as entidades que podem pedir ao Tribunal Constitucional para iniciar um processo sobre esta matéria?

R.F - Esta mesma lei diz quem são as entidades que podem pedir para que o Tribunal Constitucional inicie um processo destes: são nomeadamente o Presidente da Assembleia Nacional, o Procurador Geral da República e qualquer outro partido político que esteja devidamente inscritos.

No entanto, nenhuma destas três entidades até ao momento apresentou aqui um pedido para iniciarmos um processo de extinção de qualquer partido e lei não permite que o Tribunal Constitucional o faça por sua própria iniciativa. Portanto, não temos instaurado nenhum processo porque não foi proposto tal processo pelas entidades a quem a lei confere, exclusivamente a elas, legitimidade para o fazer.

A Procuradoria Geral da República pediu a este tribunal, faz algum tempo, o que pode indiciar a intenção de mover acções desta natureza, informações sobre os partidos que participaram nas eleições e qual o resultado que cada um deles obteve na eleições de Setembro deste ano.

ANGOP: E qual é a leitura que o tribunal faz desta matéria?

R.F - A leitura que nós no tribunal fazemos deste matéria é de que, olhando para o que diz a lei dos partidos políticos, neste momento 22 partidos políticos que participaram nas eleições legislativas de 5 de Setembro estão em situação de poder vir ser declarada a sua extinção, sãos que obtiveram menos de meio Porcento nas eleições. Portanto referimo-nos a partidos que concorreram isoladamente e aqueles que concorreram integrados em coligações.

Pontualizando melhor estou a falar dos seguintes Partidos que concorreram isoladamente às eleições: PDP-Ana; Pajoca, PLD; FpD, Padepa. Há mais 17 partidos que concorreram integrados em coligações nomeadamente:

Nove partidos que concorreram integrados a coligação Plataforma Política Eleitoral: AND (Aliança Nacional Democrática), PDUA (Partido Democrático Unificado de Angola), PNIA (Partido Nacional Independente de Angola), MDA (Movimento Nacional Democrático), PAUDP (Partido Angolano Para Unidade Democrática e Progresso), PCDP (Partido de Convenção Democrática e Progresso), PCSA (Partido da Comunidade Socialista Angolana), USD (Unidade Social Democrática) e CSD (Centro
Social Democrático).

Quatro partidos que concorreram integrados na Coligação FOFAC: PACOPO (Partido Angolano Conservador), FNDDA (Frente Nacional de Desenvolvimento Democrático de Angola), PDT (Partido Democrático dos Trabalhadores) e Fresa (Frente Juvenil e Salvação).

Quatro partidos integrando a Coligação Angola Democrática: UDA (Unificação Democrática Angolana), PAL (Partido Angolano Liberal), PDA (Partido Democrático Pacifico de Angola) e CNDA (Convenção Nacional Democrática de Angola).

Resumindo, 22 partidos estão objectivamente em situação de poder vir a ser declarada a sua extinção, com base nesta norma da lei dos partidos políticos.

Destes 22 partidos desta-se o facto de três deles e uma coligação serem partidos que tiveram representação na anterior Assembleia Nacional e que não obtiveram o número de votos mínimos para poderem eleger um deputado nestas últimas eleições, nomeadamente o PLD, PDP-ANA, Pajoca e AD-Coligação.

ANGOP: Poderia esclarecer melhor a interpretação jurídica do termo extinção?

R.F - Quando a lei diz extinção que dizer morte, quer dizer fim. Aos olhos da lei devem fechar a sua actividade. Agora a extinção não me parece que determine qualquer restrição à capacidade de gozo de direitos políticos dos antigos dirigentes destes partidos. Bem parece-me que eles podem aparecer integrados noutros projectos partidários.


ANGOP: Para além das questões que já apontou, que processos jurídicos deram entrada neste tribunal?

R.F - Tirando as responsabilidades muito próprias que o tribunal tem no âmbito dos processo eleitorais, a principal responsabilidade deste tribunal é fazer a fiscalização da constitucionalidade dos actos normativos das leis e dos actos da administração, no entanto, fazer a sindicância da respectiva constitucionalidade.

Processos novos desta índole específica não os recebemos ainda, temos estado a receber alguns processos que se incluem também numa das grandes áreas de actuação deste tribunal que é a de se verificar a constitucionalidade das decisões que são tomadas por outros tribunais.

Portanto, tem estado a aparecer aqui e nós estamos a apreciar alguns recursos de inconstitucionalidade das decisões proferidas por tribunais comuns, cidadãos e instituições que foram partes nestes processos mostram-se inconformadas com as decisões, consideram que elas contrariam os direitos que a constituição estabelece.

Não podemos dar o número exacto, mais são muitos, que foram instaurado aqui neste tribunal, é aquilo que a nossa lei considera recursos extraordinários de inconstitucionalidade.


ANGOP: Mudando de assunto, o actual Parlamento deverá aprovar a nova constituição do país. Qual o papel deste órgão no processo de preparação e aprovação desde documento?

R.F - O Tribunal Constitucional não será parte no processo de preparação da futura constituição, não tem intervenção no processo de preparação e discussão do projecto da futura constituição. O que este tribunal pode é pronunciar-se, caso seja solicitado neste sentido, sobre alguma questão concreta que os órgãos competentes do Estado entendam colocar á respeito de qualquer assunto deste projecto.

A única intervenção que o prevemos que este tribunal tenha é de verificar se àqueles princípios que Lei Constitucional actual diz vão ou não ser respeitados no texto da futura constituição, este princípios não podem ser tocados.

ANGOP: Que princípios?

R.F - Para ser mais concreto, a nossa Lei Constitucional no seu artigo 159 enuncia os princípios que a nova constituição tem que respeitar tais como a Independência, Integridade Territorial e Unidade Nacional, Direitos Fundamentais dos Cidadãos, Estado de Direito, Democracia, Laicidade do Estado, Sufrágio e Separação entre o Estados e as Igrejas. Portanto este tribunal vai ter verificar se estes princípios estão ou não a ser observados.

ANGOP: Enquanto jurista, que aspectos novos poderá trazer a futura constituição?

R.F - Existem um projecto de futura constituição que foi apreciado pela anterior legislatura, do qual tive alguma intervenção pessoal, aquele projecto que existe em comparação com a actual Lei Constitucional, é uma constituição nova e diferente. Idêntica nos seus princípios fundamentais, mas diferente, desde logo, na forma como se organiza e funciona o Estado, o sistema de Governo, organização dos órgãos do poder local, as garantias que a própria constituição confere aos direitos e liberdade dos cidadãos.

É no fundo um enunciado de coisas novas e diferentes que mostram a necessidade que o país tem de ter uma nova constituição. Será está nova constituição, em meu entender, que vai dar início a terceira República, e marcar o fim desta transição constitucional.

Porque estamos ainda a viver uma transição constitucional, estas eleições legislativas não terminaram a transição constitucional, quem a vai concluir e a adopção de uma nova lei mãe. Este é o marco final da transição constitucional que se iniciou em 1991.


ANGOP: Está em curso o processo de reforma do sistema de justiça e de direito em Angola, qual será a intervenção deste tribunal neste projecto?

R.F - O Tribunal Constitucional tem um papel a desempenhar no processo de reforma do sistema de justiça e de direito no país.

O tribunal não vai intervir no processo, mais como operador importante e fundamental do sistema judicial, o nosso papel é mostrar que é possível trabalharmos bem, trabalhar de um modo que a justiça seja mais credível, para que o sistema judicial angolano. Mostrar que é possível decidir rápido, decidir bem, que é possível privilegiar a justiça e o Estado de Direito. Este é o nosso papel.

ANGOP: O que é que precisa ser reformado no sistema de justiça e de direito angolano?

R.F - Eu integrei esta comissão que fez a maior parte do trabalho de casa. As grandes propostas de reforma estão feitas, o que falta é serem apreciadas pelo Governo e demais órgãos competentes do Estado, o que acredito será feio agora com o novo Governo. A minha opinião pessoal é dizer apenas que precisamos de reformar o sistema de justiça, que a justiça pode ser melhor, que precisa de ser melhor.

O Tribunal Constitucional iniciou as funções em Junho de 2008 e tem como competências assegurar a constitucionalidade das leis, decretos-leis, decretos, resoluções e tratados internacionais ratificados, bem como verificar o cumprimento da Constituição por omissão das medidas necessárias para tornar exequíveis as suas normas.

Fonte: Angop