Lisboa - Milhares de pessoas participaram, nesta quinta-feira de manhã, numa manifestação pacífica em Maputo, em protesto contra a onda de raptos e a ameaça de guerra em Moçambique, acusando o Governo de estar “mudo” e a polícia de “corrupção”.

Fonte: Publico

Na Beira, onde há dias foi assassinado um rapaz de 13 anos que tinha sido raptado, decorreu também uma manifestação que, segundo o correspondente da RDP África, reuniu mais de um milhar de pessoas. A marcha foi promovida pela Liga dos Direitos Humanos, tal como a de Maputo, em conjunto com a Associação Muçulmana de Sofala.

“Pela primeira vez, estamos a marchar contra o nosso Governo. Temos um líder-chefe que deve cuidar de cada um de nós. Não deve existir nenhuma diferença no tratamento de cada moçambicano”, gritou, para milhares de pessoas presentes, Mohamed Asif, da organização do protesto, na manifestação de Maputo.

A “Marcha pela paz e contra os raptos” em Maputo foi organizada pela Liga, em conjunto com outras organizações da sociedade civil e confissões religiosas, numa reacção à onda de raptos e ao clima de instabilidade político-militar que Moçambique atravessa. A actual tensão faz a população recear um regresso à guerra civil vivida entre 1976 e 1992.

A actividade económica na cidade de Maputo está nesta quinta-feira a funcionar a meio gás, o que indicia a solidariedade de muitos empresas - encerradas total ou parcialmente - com a manifestação.

“Depois de terem sido raptadas a toda a hora, as pessoas são deixadas em pânico, apesar de a guerra já estar a acontecer. Isto é pior do que a Líbia. As pessoas não vão viver nunca: com todos os chefes vamos ter de passar por guerras? Não estamos para isso. Estamos para a paz”, disse Mohamed Asif, em declarações à agência Lusa.

“É uma manifestação contra o Governo (moçambicano) porque nós exigimos os nossos direitos que não estão a ser cumpridos”, acrescentou.

Trajando camisolas brancas ou vermelhas, com frases como “abaixo a violência, o racismo, a corrupção, os raptos”, os manifestantes concentraram-se, ao início da manhã, junto à estátua de Eduardo Mondlane, seguindo em direcção à Praça da Independência.

“Abaixo a polícia corrupta, abaixo o Governo mudo, abaixo o racismo”, gritaram os manifestantes.

Os raptos têm visado famílias com posses, descritas na comunicação social e no discurso oficial como “moçambicanos de origem asiática” – conceito repudiado pelos manifestantes. “Cidadãos de origem asiática não existem, existem cidadãos moçambicanos”, contrapôs Asif.

“Os raptores usam as telefonias móveis para intimidar o povo moçambicano e, mesmo assim, as telefonias continuam surdas. Os raptores usam os bancos para transferências bancárias ilícitas e, mesmo assim, os bancos estão surdos”, gritou-se na manifestação.

O raptos de cidadãos para conseguir resgates não é novidade em Moçambique – há casos desde 2009 – mas acentuou-se nos últimos meses, nos principais centros urbanos. Só na semana passada, em Maputo, onde o fenómeno assume maiores proporções, foram registados pelo menos cinco.

Na Beira ocorreram quatro casos desde o início do ano, segundo a RDP África. Os manifestantes que, nesta quinta-feira, saíram à rua na segunda cidade do país pediram uma "investigação séria" aos raptos e apelaram ao Governo e ao principal partido da oposição, a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), para que encontrem formas de ultrapassar a tensão político-militar.

Uma das vozes críticas do modo como o Governo está a lidar com a onda de raptos é a de Graça Machel, mulher do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel. “Os cidadãos não se encontram na forma como o Estado está a responder aos raptos”, disse, citada pelo jornal O País.

O director da Polícia de Investigação Criminal de Maputo, Januário Cumbabe, foi esta semana exonerado devido à onda de raptos. Apesar de ter sido substituído juntamente com outro quadros de direcção, o afastamento deve-se, segundo o jornal Notícias, à incapacidade que a polícia tem demonstrado para responder ao fenómeno.

O primeiro julgamento por raptos em Moçambique chegou também esta semana ao fim no início. O tribunal judicial de Maputo condenou seis pessoas a 16 anos de cadeia, pelo sequestro de sete moçambicanos.