Luanda - Quando a noite cai e a escuridão oculta as cicatrizes deixadas pela guerra civil brutal que assolou Angola durante 27 anos, a Ilha de Luanda lembra um daqueles recantos mais pobres de Ipanema, conhecido bairro do Rio de Janeiro.

Fonte: Finantial Times

Também aqui os habitantes falam português nos bares e restaurantes instalados ao longo da praia estreita. A temperatura é amena, a música toca alto e as festas prolongam-se pela noite dentro.

Por estes dias, os restaurantes de luxo estão cheios de executivos do sector petrolífero ansiosos para confirmar que Angola e Brasil têm muitos pontos em comum, sendo que um deles lhes interessa em particular: a geologia. Embora os dois países estejam separados por um oceano, a costa oeste de Angola tem características geológicas muito semelhantes às da costa leste brasileira - consequência da separação das placas tectónicas dos continentes africano e sul-americano -, e ambas abrigam, centenas de metros abaixo do leito marinho, densas camadas de sal.

No Brasil, a descoberta de vastas reservas de hidrocarbonetos sob essa camada deu origem a uma promissora indústria de petróleo "pré-sal". No caso de Angola, as maiores petrolíferas apostam actualmente milhares de milhões de dólares em como existem reservas idênticas ao largo da sua costa - dinheiro fundamental para o futuro económico e social de Angola, terceira maior economia da África subsariana depois da Nigéria e da África do Sul. O que ainda não se sabe é se a descoberta de mais reservas vai melhorar os padrões de vida de 20 milhões de pessoas.

Se a história recente de Angola servir de referência, então, podemos dizer que não haverá grandes transformações. Os petrodólares têm alimentado o crescimento económico, mas grande parte da riqueza permanece concentrada num pequeno grupo de pessoas, ao passo que um terço da população continua a viver na miséria.

O entusiasmo em torno do petróleo pré-sal em Angola tem vindo a crescer com a descoberta de novas jazidas, aumentando também o potencial de um país que ambiciona disputar a liderança da Nigéria na produção de crude em África. Pode dizer-se, aliás, que Angola encaixa perfeitamente na narrativa "países africanos em ascensão". Na última década, segundo dados do Fundo Monetário Internacional, o crescimento económico angolano foi um dos mais rápidos do mundo com uma taxa de crescimento médio do PIB na ordem dos 10,1%.

Em todo o caso, é também o exemplo de um país que luta para escapar à chamada maldição dos recursos naturais. Em vez de criar prosperidade universal, o petróleo apenas ajudou a perpetuar o partido no poder e a fomentar a corrupção, que tanto tem minado o desenvolvimento económico. Mas importa lembrar que Angola tem muito mais do que petróleo. Tem diamantes e terra fértil. Tem uma população jovem e necessidades massivas de reconstrução e desenvolvimento, razões suficientes para atrair um número cada vez maior de bancos estrangeiros, retalhistas e empresas de construção em busca de oportunidades.

Em Janeiro, o Standard Chartered tornou-se no primeiro grande banco internacional a ter uma presença física em Angola. Diana Layfield, CEO para África, diz que a economia angolana está a diversificar-se: "Estima-se que o sector não petrolífero cresça este ano cerca de 10%, com especial destaque para o comércio, a agricultura e as ‘utilities'. Mais. Angola faz parte do "corredor comercial" de rápido crescimento China-África e representa um quinto do comércio total do continente com Pequim."

A cadeia de ‘fast-food' norte-americana KFC está entre os mais recentes franchises a abrir um espaço na capital, Luanda, o que seria impensável há apenas dez anos. Apesar de Angola ser rica em recursos naturais - ou precisamente por isso -, continua a ser um país extremamente caro e difícil para as empresas operarem, uma vez que carece de muitos serviços básicos como táxis, por exemplo.

A pobreza é visível em toda a parte: os bairros de lata circundam Luanda, a poucos minutos dos novos e brilhantes edifícios do centro. Entretanto, alguns desses bairros foram arrasados para dar lugar a novos projectos imobiliários, entre os quais lojas e restaurantes orientados para a elite endinheirada, que tem vindo a crescer exponencialmente.

Foi graças a ela que, no ano passado, a Shoprite - a maior cadeia de supermercados do continente africano - vendeu mais garrafas de vinho JC Le Roux nas 19 lojas que possui em Angola do que nas 382 existentes na África do Sul.

O ‘boom' económico não foi acompanhado de progressos políticos. Esta é, aliás, uma faceta menos positiva da narrativa "países africanos em ascensão". Angola é altamente dependente de uma matéria-prima - o petróleo representa cerca de 80% da receita do Estado - e é governada por um partido político dominante, o MPLA. José Eduardo dos Santos, de 71 anos, está na presidência há 35, uma longevidade política apenas ultrapassada por Teodoro Obiang, da Guiné Equatorial. O terceiro presidente há mais tempo no poder é Robert Mugabe, do Zimbabué.

Os críticos acusam José Eduardo dos Santos de liderar um regime autocrático que não tolera qualquer tipo de crítica. Tal como noutros países governados por movimentos de libertação depois de uma geurra, também o MPLA - outrora de matriz marxista e apoiado pela União Soviética e Cuba - domina a cena política marcada por uma oposição fraca e polarizada, escudando-se na burocracia e num governo muitas vezes opaco.

Não faltam acusações de que a corrupção e o favorecimento de amigos e conhecidos têm enriquecido a elite angolana, incluindo membros da família do presidente. As vozes críticas lembram, a propósito, que Isabel dos Santos, a sua filha mais velha, é a mulher mais rica de África.

José Filomeno dos Santos (na foto), de 36 anos, também seu filho e presidente de um novo fundo soberano avaliado em 5 mil milhões de dólares, pede paciência aos críticos e insiste no discurso de sempre: Angola deve ser julgada pelos progressos alcançados nos 12 anos após a morte do líder da Unita, Jonas Savimbi, que assinalou o fim da guerra civil. Diz que o país "está no caminho da transparência. Não é uma revolução nem as coisas vão mudar de um dia para o outro. É uma coisa gradual, um processo de aprendizagem". 

No entanto, a frustração perante o enorme fosso entre ricos e pobres e a crescente preocupação face à corrupção generalizada já motivaram protestos esporádicos desde 2001, que reúnem maioritariamente jovens e apoiantes da oposição. Em Novembro, elementos da guarda presidencial terão alegadamente alvejado a tiro um manifestante por ocasião de uma manifestação de apoio a duas pessoas que, segundo a organização americana Human Rights Watch, foram raptadas numa manifestação que tivera lugar anteriormente. A reacção das autoridades foi duramente criticada pelos activistas.

Mário Cruz, executivo do Banco Atlântico e membro da jovem classe empresarial angolana, diz que acredita que o seu país "está no caminho certo tendo em conta a sua história" e dá o exemplo do crescente número de pessoas com conta bancária que querem ter acesso ao crédito, comprar carro e já usam as redes sociais no dia-a-dia.

No fundo, socorre-se das mesmas estatísticas que todos os observadores usam quando querem sustentar a narrativa "países africanos em ascensão". "Temos um longo caminho pela frente, mas estou muito optimista. O governo e Angola estão a mudar lentamente, mas não podemos olhar para o futuro sem olhar para o passado, para as cicatrizes da guerra".