Luanda - Réplica do Presidente da UNITA à mensagem sobre o estado da Nação dirigida ao país

Povo angolano

Minhas senhoras e meus senhores: 

No quadro do dever constitucional de contribuir para a consolidação da Nação angolana, defender a democracia e a forma republicana de governo, cumpre-me apresentar, por ocasião da abertura do Ano Parlamentar, o ponto de vista da UNITA sobre o Estado da Nação e as políticas preconizadas para a promoção do bem-estar dos angolanos e o desenvolvimento do País.

A paz militar firmada em 2002 iniciou um novo ciclo político e garantiu ao Executivo condições mais consistentes de estabilidade e de governabilidade.

Desde o início do século XXI, temos mantido um ambiente particularmente propício para que se instaurasse em Angola uma cultura política de diálogo e de compromisso semelhante à que existe na generalidade das democracias pós-conflito.

Infelizmente, este ambiente foi utilizado para se subverter os objectivos da paz e instaurar em Angola uma República sem republicanismo, onde os poderes públicos se concentram numa só pessoa e a riqueza nacional está nas mãos de umas poucas famílias.

Hoje, temos uma democracia tutelada por um Partido-Estado, que organiza processos eleitorais viciados para sequestrar o poder político, que é exercido por formas não previstas nem conformes com a Constituição.

Temos órgãos públicos de comunicação social transformados em máquinas de propaganda do Partido-Estado, que não permite isenção nos conteúdos da informação nem pluralismo político na titularidade dos órgãos de informação.

Temos um Parlamento asfixiado, sem poderes de fiscalização do executivo e subordinado ao Titular do poder executivo. Uma nota pontual, curiosa e interessante a este viu-se mesmo ontem na sessão da abertura do ano legislativo. Os senhores deputados, na sua própria casa de trabalho, viram –se despojados da segurança da Casa das Leis e praticamente revistados, obrigados a desfazer-se dos seus telefones por elementos de segurança que não era da Assembleia Nacional.

Angola foi transformada no país da SADC com o maior grau de centralização política, o único que não concretiza a sua própria Constituição no domínio da descentralização politico-administrativa porque ainda não aprovou a lei do poder local. Angola é também o único país africano da CPLP que não tem autarquias e nunca realizou eleições autárquicas.

Contrariamente ao optimismo relativo aos indicadores sociais apresentados pelo Senhor Presidente da República, a UNITA considera que o progresso obtido até aqui ainda não é suficiente e deveria ser muito mais acentuado.

De facto, o Índice de desenvolvimento humano é um indicador que não foi inventado por Angola. Tem componentes financeiros e não financeiros e deve ser lido e interpretado em relação ao principal indicador do bem-estar social, que é o rendimento nacional bruto per capita.

Por exemplo: com base na relação existente entre os componentes financeiros e não financeiros do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e segundo o Relatório do PNUD de 2013, citado na página 26 do relatório do Fundo Monetário Internacional sobre Angola, o nosso país deveria ter nos componentes não financeiros do IDH um valor igual a 0.67, quando regista apenas um valor igual a 0.48, o que significa uma diferença negativa de 40%.

Esta é a sexta maior diferença negativa registada no mundo inteiro e da qual achamos que nada temos que nos orgulhar.

Relativamente à taxa de expectativa de vida à nascença, o nosso país apresenta também um nível abaixo do que devia quando baseado no rendimento nacional bruto per capita, porque é o rendimento nacional que, quando redistribuído em prol da justiça social, reduz a pobreza e aumenta a longevidade das pessoas.

Com base na relação entre a expectativa de vida e o rendimento bruto nacional per capita, conhecida como curva de Preston, Angola deveria ter, em 2012, uma esperança de vida de 69 anos, quando apresenta apenas 52 anos.

Portanto, ao invés de comparar o impacto da riqueza no bem-estar do cidadão, o senhor Presidente da República comparou apenas números absolutos do ano 2000 com números absolutos do ano 2013, ignorando o aumento vertiginoso da riqueza nacional de 2000 a 2013, que não beneficiou certamente a grande maioria da população e não contribuiu para o aumento da sua longevidade nos níveis em que devia.

O mesmo sucede com a taxa de pobreza absoluta.

Comparado com Moçambique ou com o Vietnam, por exemplo, dois países que tiveram conflitos prolongados e infra-estruturas destruídas, Angola não tem conseguido transformar como devia o rendimento bruto nacional em factor de redução da pobreza. Os rácios oficiais são os seguintes:

Tabela I – Elasticidade da Pobreza em Relação ao RNB per Capita

Fonte: FMI – Indicadores do Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial

Os dados acima revelam pelo menos três verdades:

Primeiro - ninguém mediu ainda os níveis de pobreza para 2014, pois o ano ainda não acabou e só ontem foram apresentados os números provisórios sobre quantos somos. Os dados publicados pelo FMI referem-se, no caso de Angola, ao período de 2000 a 2009 e indicam que, em 2009, mais de metade da população, 67%, continuava a viver pobre com $2.00/dia.

Segundo - com o dinheiro que tem, Angola deveria ter reduzido os seus níveis de pobreza absoluta muito mais do que o fez. Outros governos administraram muito melhor os seus poucos recursos e conseguiram taxas de redução da pobreza muito mais altas do que as do executivo angolano.

Terceiro - Com um rendimento de $5.460.00 por pessoa, em 2009, Angola só conseguiu reduzir a pobreza em cerca de TRÊSPONTOS. (2.8). Ao passo que Moçambique reduziu OITO PONTOS com um rendimento de APENAS $756.10 por pessoa. E o Vietname reduziu DEZASSETEPONTOS com cerca de metade do rendimento dos angolanos, $2.877.90.

E porquê?

Porque investiu massivamente na agricultura e aumentou os níveis de produtividade neste sector que emprega uma boa parte da sua população.

Caros compatriotas:

No plano dos direitos e liberdades fundamentais, o país continua a NÃO oferecer garantias jurisdicionais efectivas de defesa dos direitos fundamentais à vida, à inviolabilidade do domicílio, à liberdade de imprensa, do direito à greve ou do direito à manifestação.

As agressões ao direito à vida são planeadas e executadas por órgãos públicos dependentes do senhor Presidente da República e sem o seu repúdio ou condenação.

Os colaboradores do senhor Presidente da República, que o Comandante em Chefe das FAA, protegem delinquentes promovendo-os a altas patentes militares ou de outro modo evitando que os mesmos enfrentem a justiça por alegados crimes.

O Governador do Bié, subordinado do senhor Presidente da República, confessou de viva voz ser um dos autores de crimes de homicídio voluntário e premeditado, tal como este termo é definido pelo Código Penal. Confessou também ser autor de actos de delinquência contra a pessoa e a propriedade de cidadãos angolanos, seus administrados.

Depois de tal confissão, o senhor Presidente da República manteve-se em silêncio e o referido Governador permanece em funções.

A Casa de Segurança do senhor Presidente da República e os Serviços de Inteligência Militar, órgãos directamente dependentes do senhor Presidente da República, planeiam e executam actos de agressão à vida de titulares de cargos públicos.

Até hoje, apenas os assassinatos de Cassule e Kamulingue foram investigados e alguns dos presumíveis autores foram entregues à justiça, tão só porque os crimes foram denunciados e conedenados fortemente pelos partidos políticos, pela sociedade civil e até por agentes da Casa Militar. Os assassinatos políticos registados no Cassongue, Bailundo, Cacuaco, Huambo, Londuimbale, Bocoio, e participados às autoridades, não foram sequer investigados nem processados.

Após a denúncia de tais actos, devidamente comprovados, o Presidente da República manteve-se em silêncio e os seus autores, seus subordinados, permanecem em funções.

Cidadãos que exercem o direito de reunião, protesto ou manifestação, são sistematicamente agredidos, presos e torturados pelos serviços do senhor Presidente da República.

Os trabalhadores da TCUL, foram punidos por exercerem o direito fundamental à greve, sendo substituídos em bloco nas suas funções por militares do Exército particular do senhor Presidente da República e por activistas políticos do Partido-Estado.

Este quadro sombrio ilustra bem a degradação do regime que se apoderou de Angola. Ele transformou o Estado angolano num instrumento da opressão e do crime. Um agressor dos direitos humanos e das liberdades fundamentais dos angolanos.

O regime pretende agredir a paz, porque não sabe governar na paz. Precisa de águas turvas para sobreviver e pretende arrastar os angolanos para a armadilha da intolerância e da violência e para as águas turvas da confusão e da exclusão.

A todos os agressores da paz, mandantes e executores, a nossa mensagem é clara e inequívoca: Não percam o vosso tempo. Desistam! Porque jamais voltaremos a cair nessa armadilha. Jamais arrastarão os angolanos para um novo conflito armado. Porque nós, da UNITA, pugnamos por uma verdadeira paz, uma democracia autêntica e uma genuína reconciliação nacional.

De facto, estamos preocupados. Será que o regime apodreceu tanto que o senhor Presidente José Eduardo dos Santos perdeu a autoridade moral e política de tal forma que já não consegue colocar os seus subordinados na ordem?

A continuar assim, ele vai-nos transmitindo a mensagem de que pelo menos perdeu a autoridade política, porque assim o determina o republicanismo e a democracia. Ao conferir a um órgão singular, e só a ele, a competência para definir a orientação política do país e dirigir a política nacional, a Constituição atribui ao Titular do poder executivo, e apenas a ele, a chamada função política ou de governo, isto é, o exercício ou prossecução de tarefas de direcção política materialmente caracterizadoras da orientação da actividade estadual.

Isto significa que o Titular do poder executivo, e não os seus auxiliares, é o responsável máximo pelos actos de agressão à paz e à democracia, executados pelos seus subordinados.

Só ele é responsável pelos actos de enriquecimento ilicito, pelos actos de violação dos direitos humanos, pelos homicídios qualificados e outros crimes de violação da Constituição que atentem gravemente contra o Estado democrático e de direito e que resultam da sua orientação política, expressa ou implícita, independentemente dos conteúdos falaciosos dos discursos oficiais.

Aliás, nos termos da Constituicão, é o Titular do poder executivo que dirige e orienta a acção dos Ministros, Secretários e dos Governadores de Província, incluindo, naturalmente, os actos do Governador do Bié.

A direcção política pressupõe iniciativa e liberdade de acção, mas não é jurídico-constitucionalmente desvinculada: ela deve conformar a sua acção segundo o princípio da legalidade e da supremacia da Constituição. Quando isso não acontece, o responsável é o titular do poder executivo.

Angolanos:

No domínio da solidariedade e da justiça social, o senhor Presidente da República veio a público defender a prática do peculato, do enriquecimento ilícito e da corrupção por titulares de cargos públicos, chamando-a de, cito, ‘acumulação primitiva de capital’ por uma classe de predadores do erário público, enquanto milhares de crianças morrem todos dos dias por falta de recursos para a prestação de serviços básicos de saúde e de educação sanitária elementar.

Ao invés de cumprir a Constituição adoptando critérios de redistribuição da riqueza que privilegiem em particular os extractos sociais mais vulneráveis e carenciados da sociedade, o Executivo colocou a riqueza nacional de forma ilícita nas mãos de umas poucas famílias ligadas ao Partido-Estado e aumentou de forma iníqua o fosso entre os que têm tudo e os que não têm nada.

De facto, o aumento do Produto Interno Bruto que se verifica nas estatísticas do Executivo não se traduz no aumento da Felicidade Interna Bruta da Nação angolana. O regime transformou Angola num país povoado por uma população pobre que é subjugada por uma das elites mais ricas e insensíveis do mundo.

No domínio da política económica, os indicadores internacionais de competitividade continuam a revelar que a economia angolana não é competitiva. De acordo com os indicadores do Banco Mundial sobre a facilidade com que uma economia permite a abertura de novos negócios, Angola caíu para a décima posição a contar do fim. Num universo de 189 economias, Angola ocupa a posição número 179 .

Angola está abaixo da média dos países da África a sul do Sahara. Está atrás da Nigeria, do Botswana, da Namíbia e da África do Sul.

Por outro lado, a análise da estrutura das importações revela que o país consome o dobro do que investe, o que prejudica o crescimento. Os bens de consumo continuam a ter um peso elevado, cerca de 58% do total das importações, ao passo que os bens de capital representam apenas 30% e os bens intermédios 12% do total das importações.

Acima de tudo, consideramos que o país precisa de alterar a estrutura da economia actual para se criar uma economia sustentável, ancorada no interior e voltada para a satisfação das necessidades das grandes maiorias, ao invés de uma economia de enclave, ancorada no exterior e voltada para os apetites neocoloniais de uma minoria.

Precisa também de medidas drásticas e urgentes para se alterar o ambiente comercial de letargia, excessiva burocracia, ineficácia e corrupção que caracteriza o quadro institucional que os investidores enfrentam.

Consideramos que as medidas de desdolarização da economia devem prosseguir de forma a valorizar a moeda nacional e estabilizar o seu preço real, porquanto, segundo os peritos, a taxa de câmbio actual está sobrevalorizada em cerca de 10 a 25%.

Consideramos também que até agora a queda que se verifica nos preços do petróleo desde Julho do corrente ano não deverá afectar negativamente a execução orçamental.

De facto, o Titular do Poder executivo anunciou que as receitas fiscais para o ano em curso foram orçamentadas com base no preço de $98.00/ barril de petróleo bruto. O preço actual ronda os $85.00/ barril. Portanto, nesta base, achamos que não há nenhum impacto real negativo do preço do petróleo na execução do OGE do ano em curso.

O que poderá existir é um impacto no diferencial por excesso que fica à guarda do Presidente da República. De todo o caso, esperamos que além dos dados que o senhor Presidente da República apresentou ontem sobre a situação verificada na baixa dos preços de petróleo, aos senhores deputados, isto é à Assembleia Nacional seja dada a oportunidade, de agora para diante, verificar eles mesmos o desempenho do fundo do petróleo, para não ficarem apenas com dados que nem sequer tiveram oportunidade de apontar.

Por outro lado, o Governo começou a produzir recentemente o balanço das contas nacionais numa base anual. Todavia, os dados são apresentados muito tarde e continuam incompletos: não incluem a totalidade das contas, porque excluem por exemplo as contas da Presidência da República, as operações consolidadas de natureza para-fiscal da Sonangol, os componentes das reservas internacionais nem os activos que constituem o Fundo Soberano.

Por esta altura, por exemplo, todos os gestores públicos estão a fechar as contas relativas ao exercício corrente de 2014, mas o gestor principal do nosso País que é o senhor Presidente José Eduardo dos Santos ainda não apresentou as contas relativas ao ano de 2013.

 Prezados compatriotas

No domínio da paz, da democracia e da reconciliação nacional, o país regrediu bastante e caminha a passos largos para um sistema ditatorial.

Como se pode afirmar haver paz quando os cidadãos, em Cabinda, no Bié, no Huambo, em Benguela, em Luanda, ou seja um pouco por todo o País, são perseguidos, torturados e mortos tão só por pensarem diferente ou por reivindicarem os seus direitos?

Como se pode falar de paz consolidada quando os direitos humanos dos angolanos são pisoteados por quem os devia proteger, as suas terras são esbulhadas, os acessos a oportunidades de crescimento estão bloqueados e o futuro das crianças, da juventude e das nossas mamãs está ameaçado pelas políticas de quem governa?

Que democracia é essa que não tem contraditório, não tem liberdade de imprensa, nem produz alternância?

Se a democracia é liberdade, porque é que a Polícia agride os cidadãos quando exercem o direito à greve ou à manifestação?

Se a democracia é o governo do povo, para o povo e pelo povo, porque é que não se deixa o povo organizar o seu governo autárquico? Porque é que se manipulam os dados do registo eleitoral e se produzem cadernos eleitorais incorrectos para impedir que as pessoas votem em liberdade pelo governo de sua escolha?

Onde está a reconciliação nacional se nega aos co-construtores da paz e minorias de hoje o direito de se tornarem maiorias amanhã? Onde está esta a Reconciliação nacional que ignora a reconciliação económica, a inclusão social e a unidade nacional.

Como se pode falar em democracia e reconciliação nacional se o acesso à função pública e a cargos na Administração Pública directa ou indirecta está cada vez mais condicionado à filiação partidária?

Quanto tempo mais precisam de esperar os antigos combatentes antes excluídos para serem definitivamente enquadrados no sistema de pensões no quadro da paz e da reconciliação nacional? Fez bem o senhor Presidente fazer ontem referência a este assunto. Mas ainda deixou-nos dúvidas pela maneira como o referiu. Será que as melhorias ontem anunciadas vão abranger apenas os que já estão registados e que já recebem? Ou têm em consideração as dezenas de milhares qua ainda não recebem e que incluem centenas que nem sequer foram ainda registados? Vai ou não continuar a exclusão também neste sector? 

Qual é afinal o conteúdo real da reconciliação nacional? Bom o senhor Presidente ontem nem quis sequer reter-se sobre esta questão de capital interesse para todos os angolanos.

 Caros compatriotas:

Se no campo dos direitos e liberdades fundamentais o regime regrediu, no campo da gestão das finanças públicas e da concretização do Estado de direito democrático a regressão enraizou-se e cresceu de tal forma que constitui já uma séria ameaça aos fundamentos da República de Angola.

Vejamos alguns exemplos.

Primeiro exemplo: o caso BESA.

Estando autorizado por lei a emitir uma garantia de Kz: 245.000.000.000,00 (Duzentos e quarenta e cinco Biliões de Kwanzas), PORQUE É QUE O Senhor Presidente mandou emitir uma garantia de $5.700.000.000.00 (cinco mil milhões e setecentos milhões de dólares norte americanos) a favor do Banco Espírito Santo de Angola (BESA)?

E porque é que fez isso através de um “Despacho Interno’ nº 7, datado de 31 de Dezembro de 2013, e que, estranhamente, não foi publicado em Diário da República? Sim, porque não tornou público o Despacho se a Constituição manda publicar todos os actos de gestão do PR?

E depois de termos denunciado tais irregularidades, o PR mandou revogar a garantia. Porquê?

As investigações já feitas indicam que os principais donos do BESA são o Ministro de Estado e Chefe da casa de Segurança do Presidente da República. São os mesmos donos da Pumangol, do Kero, da Transfuel e outros empreendimentos. Tudo à custa do tesouro nacional.

O Senhor Presidente da República perdeu ontem uma oportunidade soberana para tirar dúvidas à Nação, de forma objectiva e transparente, quem são os donos reais do BESA, quem foram os beneficiários dos empréstimos mal parados, onde e como foi utilizado tal dinheiro; quais são e onde estão os activos adquiridos com tais empréstimos. E, acima de tudo, quem são as pessoas envolvidas.

Segundo exemplo: Indícios de peculato, nepotismo e enriquecimento ilícito

Segundo a imprensa, familiares do nosso gestor número um é a real detentora ou beneficiária final de uma carteira de investimentos avaliada em mais de mil milhões de dólares, titulada por várias entidades nominais. Respeitamos os familiares do nosso gestor principal porque são nossos compatriotas, cidadãos com direitos como todos nós e não os mencionamos aqui por qualquer aversão ou preconceito pessoal. Apenas os mencionamos porque os angolanos acreditam que a origem da sua fortuna seja o próprio chefe da família.E tal situação configura fortes indícios de peculato, nepotismo e enriquecimento ilícito.

Nos últimos dias, a imprensa noticiou que um dos membros da família do nosso gestor principal aumentou a sua participação no sector bancário, o mesmo que o senhor Presidente José Eduardo dos Santos veio socorrer, primeiro através de uma garantia soberana ilegal e depois através de uma injecção de capitais públicos.

Um outro membro da família, foi nomeado para gerir o Fundo Soberano de Angola (FSDEA), no valor de $5 bilhões, integralmente capitalizado.

Através do Decreto Presidencial nº 107/13, de 28 de Junho, o Presidente da República atribuiu a si próprio a faculdade de escolher e nomear o auditor do Fundo e atribuiu-lhe poderes para nomear assessores ou gestores profissionais. Este gestor escolheu então a firma Suiça Quantum Global Investment Management, ligada ao seu amigo pessoal Jean-Claude Bastos de Morais, que é também seu associado e co-proprietário do Banco Kwanza Invest.

Não foi revelada qual a remuneração acordada para a Quantum Global Investment Management, mas sabe-se que a indústria paga os gestores dos fundos uma percentagem fixa da carteira de investimentos sob sua gestão. O que não é comum é atribuir-se a uma só entidade, durante 18 meses, a gestão de um fundo tão grande como o nosso, no valor de $5 bilhões de dólares.

De igual modo, não contestamos as capacidades técnicas ou profissionais desse gestor, nada temos contra a pessoa e reconhecemos o seu direito de ser detentor de cargos públicos em Angola. Apenas o mencionamos também porque, mesmo assumindo uma remuneração de UM POR CENTO ao ano, a sua nomeação para Presidente do FSDEA e a escolha da Quantum Global Investment Management, fazem com que a firma do amigo e sócio do gestor do nosso Fundo Soberano, encaixe num só ano $50.000.000.00, sem custos, enquanto se instala o Fundo. Os angolanos acreditam que tal situação poderá configurar indícios de improbidade, nepotismo e enriquecimento ilícito. Mais vez o senhor perdeu uma oportunidade soberana para tirar as dúvidas que pairam na sociedade.

Terceiro exemplo: eleições autárquicas – ofensa ao princípio republicano

Angolanos:

A República de Angola não pode continuar a ver seu Presidente aceitar formalmente o princípio republicano mas que o rejeita na prática através de manobras dilatórias para furtar-se à realização de eleições democráticas regulares nos prazos constitucionalmente estabelecidos.

Recordemos os factos:

?          No período de 2002 a 2007,Angola devia ter organizado e realizado eleições presidenciais. O Presidente da República não as convocou.

 

?          Em 2007 – o país agendou eleições presidenciais para 2009. O Presidente da República não as convocou.

 

?          Em 2010 – a CRA estabeleceu órgãos autónomos do poder local,definiu o âmbito e os conteúdos da autonomia local, definiu as suas atribuições e competências, definiu o sistema eleitoral e estabeleceu as garantias das autarquias locais e atribuiu ao Senhor Presidente da República a competência para convocar as eleições autárquicas.

 

?          Em 2012 -o Senhor Presidente da República, na qualidade de Presidente do MPLA, mandou bloquear a iniciativa legislativa da UNITA na Assembleia Nacional para se concretizar a realização do registo eleitoral oficioso e permanente nos termos do artigo 107º da Constituição.

 

?          Em 2013, o Senhor Presidente da República, também na qualidade de Presidente do MPLA, mandou bloquear uma outra iniciativa legislativa da UNITA na Assembleia Nacional, que visava estabelecer um calendário político vinculativo para se aprovar o quadro institucional conducente à realização das eleições autárquicas.

 

?          Agora, quatro anos depois de aprovada a Constituição, o senhor Presidente da República vem afirmar mais palavra menos palavra, que não há registo eleitoral para se realizarem eleições, nem gerais nem autárquicas. Que não há recursos humanos e económicos para se estabelecerem as autarquias; que o sistema eleitoral não está definido; a divisão territorial não está definida; o modelo de financiamento das autarquias não está definido; e que, acima de tudo, o seu pragmatismo não lhe permite antecipar que as duas eleições – gerais e autárquicas – possam ser realizadas até 2017. Ou eleições gerais ou eleições autárquicas, ou talvez nenhuma delas.

De facto, pelas dificuldades que enumerou, todas elas artificiais, os angolanos observaram atentamente o grau de vontade política do Presidente da República para realizar eleições.

Nesta questão da partilha do poder entre o Estado que o senhor Presidente dirige e as autarquias que os cidadãos pretendem instaurar, os angolanos observaram ontem um Presidente da República menos interessado na sua concretização do que nas questões financeiras que concorrem para o enriquecimento da classe dirigente.

Prezados compatriotas:

Os municípios de Angola já estão definidos desde o século passado. O poder local já está consagrado na Constituição desde 1992. O valor, a importância e os benefícios das eleições autárquicas são inegáveis. É ao nível das autarquias que se joga e se pode testar a concepção do Estado, da democracia e do poder vigentes numa sociedade num dado momento: centralização ou descentralização, predomínio do poder central ou afirmação de um autêntico poder local, monolitismo ou pluralismo político, prioridade para o desenvolvimento da capital ou para o desenvolvimento harmonioso do interior e do país todo.

Os benefícios práticos das autarquias locais são políticos, económicos, administrativos e financeiros, para todos os cidadãos.

Politicamente, é no município que se estrutura e pratica a democracia local. As autarquias municipais são autênticos viveiros de vocações políticas, escolas práticas de formação de quadros para a vida política nacional, além de constituírem limites naturais às tendências tentaculares de omnipotência do Estado e do poder central.

Economicamente, e com base nas atribuições já definidas pela CRA, um número muito significativo de serviços públicos serão prestados às comunidades pelas autarquias. Isto significa que consideráveis investimentos públicos em equipamentos colectivos, sistemas de abastecimento público e redes de logística, transportes, água, luz e comunicações reforçarão a importância sócio-económica da administração autárquica.

Administrativamente, estimo que mais de 300.000 empregos poderão ser criados com o estabelecimento dos serviços municipalizados respectivos e com a criação de centenas de empresas municipais e intermunicipais em todo o país.

Financeiramente, a administração autárquica angolana movimentará certamente uma percentagem muito significativa do total das finanças públicas e será investida de poderes tributários alargados, por força da necessidade de fazer face ao bastante alargado leque de competências que a Constituição lhe atribui no seu artigo 219º.

Os angolanos são maduros e não irão aceitar que alguém lhes venha enganar dizendo que a definição do modelo de repartição das receitas entre o Estado e as autarquias leva um ano, quando a definição do dinheiro para o Fundo soberano a ser atribuído ao filho do Presidente da República levou apenas uma semana.

Os angolanos não irão aceitar que alguém lhes venha dizer que a definição dos limites territoriais das autarquias e as regras de compatibilização entre os órgãos da administração local do Estado e os órgãos da administração autónoma dos cidadãos leva um ano, quando a definição da garantia ilegal a conceder ao BESA e das regras de compatibilização dos lucros ilícitos entre os titulares de cargos públicos e os investidores estrangeiros nas suas contas offs hore no estrangeiro, leva apenas uma semana.

Os angolanos não irão aceitar manobras dilatórias, nem para adiar as autarquias sine die nem para as substituir por outras realidades, como os Fóruns de auscultação.

Recentemente, o regime introduziu os Fóruns no intuito de esvaziar o forte conteúdo político-constitucionaldo princípio da autonomia local que se concretiza através da institucionalização das autarquias locais no quadro do poder local.

Nas democracias participativas há transferência efectiva do poder aos munícipes, não meros Fóruns de auscultação.

Nas ditaduras, o ditador quer mandar em tudo e em todos. Mas faz teatro fingindo que ouve a mulher rural, ouve os jovens, ouve os munícipes. Mas fica com o poder todo. Fica com o dinheiro e com o poder de decisão!

Os angolanos também sabem que os dados do registo eleitoral existem, estão bem guardados e costumam ser manipulados nas vésperas das eleições. Por isso, estão convencidos que é melhor uma entidade séria, de reputação indiscutível, realizar um novo registo credível e transparente.

E sabem também que, com vontade política, uma boa organização e com os recursos financeiros e tecnológicos disponíveis, o registo eleitoral pode ser feito em três meses em todo o país.

Se o censo ou registo de 24.300.000 de pessoas foi realizado em três semanas e os os resultados foram anunciados em quatro meses, o registo de cerca de metade dessas pessoas para fins eleitorais, gerais ou autárquicos, pode também ser realizado. Mas nunca serão necessários doze meses.

Falando do censo, algumas curiosidades ressaltam da forma como foram apresentados os seus resultados provisórios pelo Senhor Presidente da República:

Apenas ontem foram anunciados os resultados preliminares de uma das variáveis do censo, que não incluía o número de pobres, mas o Senhor Presidente da República já havia contado antes que metade da população angolana já saíu do limiar da pobreza absoluta no ano passado!!!

Ainda há cerca de duas semanas, o Director Nacional da Estatística, responsável pelo censo, afirmou que ainda não tinha resultados e que, antes da sua publicação precisaria reunir num fórum peritos nacionais para avaliar a informação recolhida. Agora, dias mais tarde, surge o Presidente a revelar alguns dos números relativos a apenas uma variável.

Também é curioso o facto de não ter sido publicado nem lido um relatório oficial do INE com os resultados completos do censo em todas as suas vertentes, incluindo o número de crianças, jovens e idosos, o número de cidadãos não inquiridos, o número de habitações não registadas, o número de estrangeiros, a pirámide etária da população, os níveis de escolaridade, a natureza do equipamento habitacional, etc., etc.

Há duas semanas, quando foi do empossamento do novo Governador de Luanda e do anúncio do modelo da nova gestão de Luanda, o senhor Presidente dizia que Luanda já tinha sete milhões de cidadãos. Ontem já só eram seis milhões e meio!

Caros compatriotas;

Os resultados do censo estão completos? Estão analisados? São definitivos e vinculativos? Onde estão? Quando serão realmente publicados?

Bom, há várias situações que o senhor Presidente não mencionou ontem e que, para economia do tempo vamos deixar assim. Porém, é importante dizer-se que, pelo número de angolanos que morrem nas nossas estradas, a sinistralidade rodoviária atingiu níveis que devem preocupar os angolanos e, sobretudo os governantes. Há necessidade de analisar as formas de melhor controlo na implementação das normas do código de estradas e também na qualidade das nossas estradas.

Angolanas e angolanos:

O país vive uma situação de emergência nacional.

O nosso sistema político não prevê moções de confiança ou de censura como elementos do sistema de responsabilidade do Executivo perante o Parlamento. O princípio republicano, o princípio democrático e o princípio da soberania popular sobre os quais se constitui a República de Angola, estabelecem que não pode haver República sem responsabilização. Nem se pode retirar aos representados o direito de exprimir por meios democráticos a sua censura aos actos dos seus representantes, em particular os do poder executivo.

Havendo numa democracia, parlamentar ou presidencial, pressupostos de facto, que exijam a demissão de um governante nos períodos intercalares às eleições, nada obsta que a cidadania expresse a sua indignação exigindo a demissão dos ofensores. O que a doutrina exige, nestes casos, é que o direito de exigir a demissão ou o poder de operá-la seja exercido com vista a assegurar o regular funcionamento das instituições, e não com o objectivo de prossecução de interesses pessoais ou partidários.

Entre nós, existe um fosso evidente, profundo e duradouro, entre o governo e a colectividade, afectando gravemente a paz social, demonstrada, por exemplo, em generalizada contestação do governo e na incapacidade deste para manter a paz pública senão através de medidas anti-democráticas, violentas e não violentas.

A experiência da excessiva concentração de poderes num só órgão de soberania revelou-se negativa, retrógrada e contraproducente. Atrofiou a democracia e fez o país regredir.

A crise insanável que se verifica na relação entre governante e governados só terminará com a renúncia do senhor Presidente da República, se ele próprio nos fizer esse favor, ou com a sua mudança nas eleições. Só a renúncia do Titular do poder executivo, nos termos do artigo 116º da Constituição, ou como já disse atrás, se ele próprio nos fizer o favor de livrar o país da difícil situação em que encontra.

Nestas ocasiões de emergência, é um dever fundamental lutar pela melhor solução, pela solução que traga uma esperança mais forte aos Angolanos, apelando ao sentido de responsabilidade dos agentes políticos e a que coloquem o superior interesse nacional acima dos interesses partidários.

Porque os cidadãos se encontram agora mais conscientes da necessidade de se MUDAR o rumo que o país está a trilhar, é nossa convicção que o diálogo deve ser aprofundado, não só entre a classe política, mas também entre os agentes económicos, as associações, os mais velhos e outras lideranças, visando o resgate do futuro.

Estamos convencidos que o aprofundamento do diálogo nacional conduzirá as forças vivas do país à instauração efectiva da democracia em Angola, à concretização da genuína reconciliação nacional e a resolução definitiva do conjunto de problemas pendentes e mal resolvidos.

Estamos igualmente convencidos que este diálogo estruturado e sem pré-condições constituirá a base para a feitura do Novo Contrato Social Angolano e para a plena realização dos objectivos e aspirações da nacionalidade angolana.

Congratulo-me pelo facto da esmagadora maioria dos cidadãos ter já percebido que a UNITA é um factor incontornável para a paz, a estabilidade e a efectiva democratização do país.

Registamos com igual satisfação o amadurecimento progressivo da consciência patriótica da cidadania que se reflecte numa nova atitude de abertura e diálogo a fim de se alcançarem entendimentos alargados em torno de matérias determinantes do nosso futuro colectivo.

Os angolanos querem mudança, mas o regime continua fixado no passado, esticando a crise social e institucional ao limite da ruptura, na sua tentativa de subjugar Angola e comandar o futuro. A intensidade do conflito entre estes dois polos - o do regime e o de Angola -, cresceu de tal forma que um terá de sobreviver ao outro. Para isso a mudança através dos mecanismos previstos pela constituição é inadiável. Dependerá apenas de nós mesmos.

Viva a Angola.

 

Muito obrigado.