A receptividade que "Mentalidade" teve ao esgotar em horas uma edição de 15 mil cópias, e com outra obra prestes a chegar ao mercado, é, explicou o músico à Agência Lusa, um "sinal" de que o esboroar dos "princípios elementares" da vida em sociedade "começa a cansar toda a gente".

"O carro do outro avariou em plena estrada/ em vez de te ajudar tá a buzinar", canta "Afroman", para sublinhar que, "ao contrário de antigamente", o "mwangolé", termo que designa angolano, "já não é solidário".
Mas "Afroman" vai mais longe: "Hoje, se o vizinho tá doente/ não adianta perguntar/ e dizer tem o quê? Não vai dizer a verdade/ e no coração vai dizer “seu fofoqueiro”".

"Este disco é o nosso quotidiano. O país está a crescer mas notamos a ausência do civismo e da ética e são esses apelos que fazemos. Criticamos o que está mal, elogiamos o que está bem. É preciso mudar a mentalidade", defendeu o rapper angolano, o protagonista da banda Afromen.

Apesar de as 17 faixas de "Mentalidade", trabalho lançado no final de 2008, serem, quase sem excepção, agulhas enfiadas na carne da sociedade angolana,descrevendo sem rodeios os seus "vícios" e a "falta de consciência social", Yannick Ngombo foi convidado para actuar na cerimónia de Ano Novo realizada no Palácio da Cidade Alta a convite do Presidente José Eduardo dos Santos.

O músico entendeu este convite, apesar de ter ficado surpreendido, com o facto de os problemas que retrata na sua música estarem a gerar "cada vez mais inquietação", mesmo nos círculos do poder "e ao mais alto nível".
Yannick Ngombo afirmou que é importante para o "mwangolé" possuir carros caros, casas luxuosas", mas referiu "a falta de escrúpulos de quem deve dinheiro e não paga, do alcoolismo, das exorbitantes quantias pagas para arrendar casas em Luanda, de como não se ajuda quem precisa, do trânsito caótico da cidade..."

O rapper descreveu à Lusa que já ouviu pessoas na rua, confrontadas com alguns dos problemas evocados na sua música, a dizer: "Tens de ouvir o que diz o Yannick, pá! Muda a mentalidade, pá!."

"Quanto mais pobre mais solidário", considerou "Afroman". "Hoje estamos a viver uma época de materialismo e as pessoas afastam-se uma das outras cada vez mais, vê-se na rua uma pessoa a ser assaltada e passa-se ao lado", prosseguiu.

"Neste disco faço apelo ao resgate dos bons costumes que se perderam para que possamos criar uma Angola nova", apontou.

"Afroman" já tem mais de 10 anos como músico, viajou pelo mundo e regressou em 1995 a Angola.
Além de ter batido todos os recordes de cópias vendidas no momento, o lançamento de "Mentalidade", em Luanda, gerou uma grande confusão que levou a polícia a deslocar para o local dezenas de agentes, cães e até um helicóptero.


*Ricardo Bordalo e Nisa Mendes
Fonte: Lusa