Segundo ele, criou-se na nossa sociedade, em especial por causa da guerra, uma mentalidade “imediatista e egoísta”, que urge modificar.

Destaco, na mensagem presidencial, quatro pontos:1. a necessidade de rever certos hábitos e tradições que afectam o estatuto da família; 2. a reafirmação do princípio de que a lei deve ser respeitada por todos; 3. a necessidade de resgatar o valor do trabalho; e 4. a exortação para cerrar fileiras contra a corrupção.

Concordo integralmente, no espírito e na letra, com as palavras do presidente. Entretanto, não resisto a assinalar, antes de mais, que alguns cidadãos angolanos há anos que tentam afirmar a mesma coisa, como se estivessem a clamar no deserto. Por isso, foram (e talvez continuem a ser, no cómodo bem estar dos “espertos” e “organizados”) de tudo e mais alguma coisa: “conservadores”, “velhos do Restelo”, “burros”, “radicais” e até “comunistas”.

Para resumir com uma frase, o correcto, de acordo com a mentalidade “imediatista e egoísta” a que aludiu José Eduardo dos Santos, era (é) fazer negócios (ou melhor, negociatas) e tentar enriquecer da noite para o dia, a qualquer custo.

Nesse cenário, um pequeno detalhe sempre me perturbou particularmente: o facto de muitos jovens, hoje entre os 35 e os 45 anos, quase todos com elevada formação técnico-profissional, serem muito mais rapaces e vorazes do que a maioria dos “mais-velhos”, o que demonstra que, em Angola, não existe um conflito de gerações, mas de mentalidades.

Quando, em qualquer país, a primeira geração na linha de sucessão (precisamente os indivíduos entre os 35 e 45 anos) é mais egoísta e, por vezes, preconceituosa (em todos os planos, incluindo a instrumentalização das tradições) do que os mais-velhos, a conclusão é só uma: esse país está doente.

Nesse sentido, o alerta do presidente assume uma importância verdadeiramente estratégica e crucial para o futuro imediato de Angola.

Como criar a nova mentalidade, única garantia (mais do que a “arrogância mwangolê”, o petróleo, os investimentos na depauperada economia portuguesa ou o poder militar) de transformação de Angola numa potência regional e, sobretudo, num bom lugar para todos viverem?

Na minha opinião, as elites têm a primeira grande responsabilidade nesse sentido. A sociologia demonstra que o comportamento dos grupos sociais mais baixos está fortemente ligado ao exemplo das elites. O facto de a corrupção se ter tornado virtualmente um problema endémico na nossa sociedade (aconselho os leitores a consultar a última crónica de Arnaldo Santos neste jornal, publicada no dia 20 de Janeiro deste ano) é disso um exemplo irrefutável.

Aliás, o presidente José Eduardo dos Santos parecia estar a pensar nisso, quando disse:-“O Estado deve ser um agente dinamizador da transformação espiritual, em particular no resgate dos valores éticos e morais”.

Com efeito, para que o Estado possa realizar esse papel, os seus titulares e agentes (ou seja, as elites políticas e administrativas) devem ser os primeiros a dar o exemplo, não apenas em termos de cumprimento das leis, mas também éticos e morais. Como já o disse em outras ocasiões e circunstâncias, esse é um assunto que a direcção do partido no poder deve discutir internamente.

O conceito de “elites”, obviamente, não se limita aos titulares do poder político. As lideranças da oposição, por exemplo, também fazem parte das elites políticas. Além disso, há toda uma outra sorte de elites (sociais, empresariais, intelectuais, simbólicas, etc.), cuja atitude é observada pelos demais cidadãos, podendo influenciá-los ou não.

Apenas para alguns exemplos aleatórios, quando líderes políticos da oposição agitam os jovens para fugirem ao serviço militar obrigatório; quando activistas sociais incitam as populações a cometer actos de desobediência civil; quando empresários aplicam o seu capital em mundanices, em vez de gerar empregos; ou quando intelectuais alimentam teses tribalistas e racistas ou defendem valores e práticas retrógradas – tudo isso são manifestações da mentalidade “imediatista e egoísta” que a sociedade precisa de combater e ultrapassar.

Se não o fizermos, poderemos até ter torres idênticas às do Dubai. Mas não seremos uma nação moderna e realmente desenvolvida.

Fonte: Africa 21