Toronto - Acabo de receber e escutar o disco da cantora e compositora Ângela da Conceição Paulino, de seu nome artistico Ângela Ferrão, intitulado Wanga. Um disco que traz semba, kilapanga, kizomba e tarraxinha. Um disco que revisita grandes sucessos do cancioneiro angolano e que conta com a participação de alguns gigantes da nossa música

 Um disco que demorou, mas saiu e que vale a pena escutar

Aqueles que frequentaram o Instituto Médio de Economia de Luanda(IMEL), nos meados dos anos noventa, devem lembrar-se, com certeza, da jovem que circulava na escola com a sua viola e que nos eventos culturais daquela instituição interpretava músicas da Roberta Miranda, dos N’gola Ritmo e algumas poucas de sua autoria. Na altura, chegou a ganhar o nome de Roberta Miranda angolana.

A jovem estudante e cantora, acabada de chegar a Luanda no início dos anos noventa, vinda da sua terra natal, Gabela, Kwanza-Sul, já trazia consigo uma bagagem cheia de referências, como a de vencedora do programa infantil de rádio (Pió-Pió), da Rádio Nacional de Angola, aos cinco anos de idade, assim como ser filha de um grande músico, o kota Lito Ferrão. As pessoas que a escutavam logo reconheciam as suas grandes qualidades musicais, mas os patrocinadores demoravam a aparecer.

Na paróquia de São Francisco Xavier, onde a conhecí, Ângela Ferrão gozava de grande prestígio, quer pela sua participação no grupo coral quer pela animação que proporcionava nas tardes juvenis.

Em casa dos meus pais, Ângela foi apelidada de Moça da Viola, nome este que perdura aos dias de hoje, passados que são mais de 15 anos. O nome foi dado pela pequena Bruna, hoje uma moça a viver algures na Inglaterra.

Depois de mais de dez anos sem qualquer tipo de contacto com a cantora, a boa nova do lançamento do disco veio por intermédio de uma outra amiga de longa data, a Amor de Fátima. Solicitei imediatamente o contacto da Moça da Viola para felicitá-la pelo êxito conseguido e, como não poderia deixar de ser, solicitar uma cópia autografada do disco, que afinal fiz parte da sua gestação. Passaram-se alguns meses desde o dia da solicitação, mas finalmente o Wanga chegou.

Enquanto escutava as músicas fui lendo as letras, os agradecimentos e a ficha técnica e lá estava o meu nome no meio de outros tantos. Deu para perceber que o disco é uma obra bem trabalhada. Não por ser da Ângela, mas porque há músicas para todos os gostos, uma mistura do tradicional e do moderno, assim como se misturam as nossas tradições com o amor, para além de ter uma capa que dispensa qualquer comentário: ela está muito bonita!

Trabalharam no disco grandes pesos pesados como o Nanuto, Ruca Fançony, Pedrito, Sandro Ferrão, Dalú Rogeé, Beth, Gigi e Cidy, Caló Pascoal, Joãozinho Morgado, Kinito, entre outros.

A abertura do disco é feita com uma homenagem bem merecida ao grande kota Teta Lando, com Ângela Ferrão a interpretar a música na língua kikongo intitulada Lua Una, um grande sucesso dos anos 70 no qual o músico faz um apelo à necessidade de união entre os angolanos. Quer os faladores de kikongo quer os entendidos da nossa música dizem que a interpretação “está demais”.

A música que dá título ao disco, «Wanga» (Wa Mussulo), letra e música do seu pai Lito Ferrão, a cantora faz um levantamento, assim como faz algumas reservas as tradições africanas que em muitos casos, interpretam a morte de uma criança como “obra do mal”, daí toca ir ao kimbanda para saber se “foi por vontade de Deus, de fome ou por feitiço”.

Se o seu gosto vai para tarraxinha, com mensagens amorosas, então escute as músicas número quatro e seis: «Me Leva», letra e música de Ângela Ferrão e «Tudo Enfim», letra e música de Euclides da Lomba. De resto, Da Lomba participa ainda com letra e música na canção «Perdoa-me». Há ainda a participação de Gabriel Tchiemba que escreve a letra «Sala Kanaua», cuja música cantada na língua nacional chokwe é da autoria da Ângela Ferrão.

Para além da estreia da cantora, Lito Ferrão estreia-se com as músicas na língua kimbundo «Mema ya Simba» e «Vavô Rosa», para além de «Wanga».

O «Wanga» termina com um bolero intitulado «Não te Vás Embora», letra e música de Ângela Ferrão. Escutei esta música pela primeira vez nos meados de 1997, com outros arranjos e mais acústica. Mas, como dizem as más bocas, só a DHL e os terroristas conseguem parar os aviões. “E quem me viu/ apenas só dizia/ já é tarde/ já é tarde”.

Para quem já escutou as músicas sabe que o disco é bom e que vale a pena comprar um. Para quem ainda não escutou, terá de esperar mais um pouco, já que os discos esgotaram. Ângela Ferrão disse em conversa telefónica estar “a fazer tudo para colocar no mercado, no mais curto espaço de tempo, a reedição da obra devido a solicitação constante do público. A data mais provável será em Junho”.

Uma obra como o «Wanga» deve ser apreciada na versão original. As cópias têm vários inconvenientes. Primeiro é que são ilegais, segundo é que a qualidade não presta e terceiro não se está a ajudar os músicos a crescer, quer em qualidade quer em prestígio.
Já agora, deveriamos ir a um “kimbanda de fama” para saber onde foi que a Ângela Ferrão foi buscar tanta perseverança; nunca desistiu, sempre acreditou e agora aparece com o «Wanga… »

P.S. Ainda não perdoei aquele maldito avião que me levou para bem longe!


Texto: Humberto Costa
Fotos: Sérgio Afonso
Fonte: Nove Ilhas