Toronto - “Em Angola sinto-me como filha que tem problemas sociais, como qualquer angolano que não detêm o poder económico. “A caneta é a arma do pioneiro”. A escrita de I.F pode ser enquadrada nesta linha…”. A autora do “O Guardador de memórias”  fez estas revelações numa breve entrevista que concedeu ao club-k.

A escritora angolana Isabel Ferreira, esteve na semana finda em Toronto a convite da Associação da Juventude angolana do Ontário, para “animar” duas palestras, subordinada ao tema “O Guardador de memórias”. “University of Toronto” e  “York University” foram os locais aonde a escritora descreveu minuciosamente o romance “O Guardador de memórias” obra que “costura várias histórias que retrata o dia-a-dia em Angola.

As obras da escritora Isabel Ferreira, acentuam-se basicamente na denúncia das ocorrências diárias em Angola. Consedera-se primeiro como uma activista ou escritora?
Permita que  a I.F agradeca-lhe pela entrevista concedida . Ao aproveitar este espaço de informação, não sei se oficial ou não, quero exprimir através desta, o meu direito como ser sujeito de direitos para lhe dizer que : - enquanto “usante” da pena recorro sempre a frase muito nossa (isto é de  um livro escolar da segunda ou terceira classe usado em Angola, ainda no tempo do momo partidarismo que dizia o seguinte... A caneta é a arma do pioneiro. Lembras-se desta frase? Ou ainda: Estudar e um dever revolucionário.

A escrita de I.F pode ser enquadrada nesta linha, mesmo porque, há um dever como angolana, não tanto de denúncia, por serem factos tão notórios e tão visíveis na sociedade angolana. Denuncia, seria algo que eventualmente estivesse ocultado na sociedade angolana do ponto de vista do dia dia do seu povo.

A escritora está inserida no meio social urbano, vive e se locomove nos círculos urbanos da cidade, daí  não concordar com a pergunta, na perspectiva de ser uma denúncia ou tendência para ser uma activista...

Acredito que em Angola todos nós (angolanos  ou não) convivemos com factos que ocorrem na obra O Guardador de memórias, algumas vezes nos parecem tão familiares.....  habituados  que estamos, a situações anormais, que se tornaram normais, … não nos demos conta (alguns de nós ) de que estamos diante de situações bizarras ou caricatas. Daí que o papel de I.F enquanto escritora é o de pegar no espelho e fazer o jogo do refulgir de imagens, com o próprio espelho... Quem não se lembra de  ter brincado com um pedaço do espelho, em criança e ir refulgindo a luz em algumas pessoas...?
 

“O Guardador de Memórias”, obra que retrata Angola como “uma sociedade plastificada”, despertou interesse de estudo em varias universidades mundiais e inclusive críticos literários a destacar, Canada, Brasil e Portugal. Quais são os elementos principais que despertaram interesses a estas instituições?
Esta brincadeira do refulgir do espelho no jogo da escrita tem despertado atenção ao núcleo de pesquisadores e investigadores da Língua

 O modo como a Língua 'e utilizada e manuseada, provoca interesse e curiosidade académica, devido não só a criação de novos signos linguísticos, como a união entre a língua bantu e a veicular. A introdução da Língua kimbundo na escrita da Língua Portuguesa, pode ser considerada uma rebeldia saudável.. A busca de palavras... como domingar, ou morcegar a vida a dois... Donamarguita ( Dona amarga que e magrita) o que foi dar o Donamarguita... assentou suas memórias no que já se foi.... In:  O Guardador de Memorias.

 Há um interesse diferente no modo de olhar dos estrangeiros a Angola. Este olhar...olhar harmonioso e tridimensional, recai também aos artistas, no que vão fazendo em termos de Literatura, Artes plásticas ou outra sensibilidade artística

 Acredito ser este o mote para o estudo e investigação da escrita de Isabel Ferreira, o que de decerto modo eleva a sua auto estima , pois nenhum artista concebe uma obra, para que fique no anonimato... A par disso é sempre motivo de orgulho em alguns angolanos, se reverem na escrita de Isabel Ferreira e puderem estar em contacto com a obra mesmo estando na diáspora

“O Guardador de Memórias”, é também uma referência de estudos em Angola? Porque?
Não me apercebi disso. Alias os interesses no que toca ao estudo de uma obra literária, nem sempre são convergentes.
Recorro sempre a passagem bíblica que diz: vide Mc 3  Os seus parentes diziam : Ele está fora de si... ou ainda a de Mc 6,1-6 Um profeta só é desprezado na sua terra... E tão profético quanto mimético e por vezes assenta muito bem , no modo como alguns artistas são vistos em seu habitat...

“Isabel  Ferreira”, escreve e divulga as obras na diáspora É conhecida no campo literário angolano através das digressões que faz no estrangeiro. Esta situação a inquieta?
Não é verdade que sou conhecida no campo literário através das digressões que faço...a pensar assim de facto me deixa inquieta. Eu sou conhecida em Angola nos círculos artísticos e por pessoas atentas a Arte! Quem conhece o meu percurso artístico, vera que sai de dentro (Angola) para fora (estrangeiro). Não estou na Cultura há cinco ou sete anos...

Me entenda, é preciso repor a verdade! Não estou na Cultura somente nestes tempos que mais se ouve falar de mim, ou seja desde que que fui estudar no estrangeiro! Estou na Cultura desde 1974. Sempre estive ligada a Cultura e a Arte.

Em Angola sinto-me como filha que tem problemas sociais, como qualquer angolano que não detêm o poder económico. Que passa privações, mas que apesar de tudo a criatividade esta no sangue. Me recordo que quando entrei no Agrupamento Fapla Povo, as pessoas duvidavam da minha tendência artística.

Houve pessoas que me consideram uma reles e chegaram a cogitar e comentar que não teria futuro nas Artes. (alias em Angola e em alguns países ainda se pensa que o artista é um bandido). Quando fui para a dança, no Grupo Amador de Dança da Secretaria de Estado da Cultura, a murmuração aumentou pois como bailarina a indignação foi paralela a metáfora de uma meretriz. O meu próprio pai, me questionava o que eu queria da vida... Perguntava-me com frequência como iria enterra-los, se eu não tinha (na visão deles pai e mãe) uma profissão rentável. E até é justo um pai da época, pensar assim... Mas sempre acreditei que podia ir mais longe, e ser eu mesma. Hoje quando estou diante de doutores, de pessoas que estudam o que escrevem os artistas da palavra, acredito que em grande parte, e para minha satisfação, honro o nome dos meus pais e o nome de Angola. Por ironia do destino sinto que o Divino tem me ajudado a desmistificar as maldições dos que me diziam que eu era uma marginal, devido a paixão pelas Artes...

Angola encontra-se numa fase de transformaçoes e com algumas mudanças visíveis. Será que  “O Guardador de Memórias” acompanhará esta evolução com uma edição II?
Não é uma preocupação primordial. E isto não me é inquietante. É necessário que o livro seja consumido e absorvido como material lúdico e de reflexão linguística. Se puder atingir este lado, completaria a felicidade de I.F.

Como escritora que meta pensa atingir no campo literario?
Continuar a agradar os angolanos com uma escrita irreverente sem deixar a essência desta angolanidade que tanto orgulha I.F.
O reconhecimento pode tardar e por vezes, chegar quando o criador já nem sequer existe na face terrestre. Acredito na Historia dos Homens... Quem escreve vive para sempre....
 
Esta é a segunda digressão que fez em terras canadianas. Em síntese que balanço faz?
Positiva. Altamente satisfatória. Toronto me surpreendeu. E não foram somente os catedráticos, mas os angolanos que me apoiaram e me deram toda força espiritual e material que eu necessitava. Dou graças a Deus por esta paz, esta alegria, esta satisfação interior.E é isto que me impele a escrever, por vezes passando  por privações, e a acreditar que NÓS PODEMOS... Os Angolanos em Toronto mostraram que nós somos unidos quando queremos! Que angolano é de facto um irmão amigo no estrangeiro. O acto só foi um sucesso porque os angolanos estiveram presentes a dar-me todo o apoio e a questionar sobre o G.M.

Será possível confidenciar aos leitores do Club-k sobre a próxima obra?
Não ! Peço desculpa se este meu não incomoda! O segredo e alma do negócio.

Gostaria de terminar esta breve entrevista com a poesia: “Do homem para homem”, um poema que despertou atenção aos catedráticos estudantes da universidade de Toronto. Mas antes e para uma melhor apreciação gostaria que a escritora Isabel Ferreira descrevesse brevemente a referida poesia?
Embora o poema tenha sido descontextualizado, ele reflecte  o quotidiano de alguns políticos africanos. Este poema foi retirado do livro de poemas NIRVANA que esta na Internet . Encontrei a ser estudado aqui na Universidade de Toronto para minha surpresa e satisfação

Do homem para homem

Busquei com ardor a liberdade
Construí castelos de esperança
Rasguei vendavais abri atalhos
Quebrei galhos…

– Fiz-me herói: – Ganhei!
Os rios cederam meus anseios
Manhãs a tudo anuíram
A cada dia novos manjares

Cada sonho…
Meu real elevado!
Esqueci-me dos pedintes
Dos mendigos outrora…

Agora…
Meus inimigos
Sou dono do mundo


Sobre a Escritora
- Isabel Ferreira: Natural Luanda capital de Angola, a 24 de maio de 1958
- Fez parte de um grupo musical que tinha como objetivo elevar a moral dos guerrilheiros nas frentes de combate.
- Concluiu o curso de Direito. Advogou em Huíla e em Luanda
- Escola Superior de Teatro e Cinema na Amadora-Portugal

Obras
Laços de Amor  - (poesia, 1995)
Caminhos Ledos -  (poesia, 1996)
Nirvana -  (poesia, 2004)
À Margem das Palavras Nuas -  (poesia, 2007)
Fernando daqui -  (romance, 2007)
O Guardador de Memórias -  (Lançado no Canadá)


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Fonte: Club-k