Luanda  - ACÇÃO POPULAR PARA ANULAÇÃO DO DECRETO PRESIDENCIAL Nº 120/16 QUE NOMEIA ISABEL DOS SANTOS PARA PCA DA SONANGOL


VENERANDOS JUÍZES CONSELHEIROS
DA CÂMARA DO CÍVEL E ADMINISTRATIVO
DO TRIBUNAL SUPREMO

Os cidadãos abaixo assinados, vêm nos termos e ao abrigo das disposições do artigo 74.º da Constituição da República de Angola,

Propor e fazer seguir contra o Estado Angolano

ACÇÃO POPULAR PARA ANULAÇÃO DO DECRETO PRESIDENCIAL Nº 120/16 DE 2 DE JUNHO DE 2016, nos termos e com os fundamentos seguintes:

I. Dos factos

1. A presente acção tem como fundamento a anulação do Decreto Presidencial n.º 120/16 de 2 de Junho de 2016, que nomeia para o cargo de Presidente do Conselho de Administração da SONANGOL Isabel dos Santos.


2. O referido Decreto foi proferido pelo Presidente da República na qualidade de chefe do executivo.

3. Isabel dos Santos, é filha do Presidente da República que é também titular do poder executivo.

4. Enquanto titular do poder executivo compete ao Presidente da República superintender a administração indirecta do Estado, na qual se enquadra a Empresa Pública Sonangol – cfr. alínea d) do artigo 120º da Constituição da República de Angola.

II. Do Direito

a. Do cumprimento dos pressupostos processuais

5. A Constituição dispõe no artigo 74º, que “Qualquer cidadão, individualmente ou através de associações de interesses específicos, tem direito à acção judicial, nos casos e termos estabelecidos por lei, que vise anular actos lesivos à saúde pública, ao património público, histórico e cultural, ao meio ambiente e à qualidade de vida, à defesa do consumidor, à legalidade dos actos da administração e demais interesses colectivos”

6. São portanto requisitos da acção popular, a cidadania Angolana, ilegalidade ou imoralidade praticada pelo Poder Público ou entidade em que ele participe, lesão ao patrimônio público ou aos princípios da moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

7. A ilegalidade do acto é, portanto, o pressuposto da presente acção popular, visto que o acto impugnado viola as normas específicas que regem sua prática e desvia-se dos princípios gerais que norteiam a actividade da Administração Pública.

 

8. O artigo 74.º não distingue entre uma acção popular administrativa e uma acção popular civil sendo que uma e outra que deve ser conhecida pelo Tribunal Supremo.

 

9. Uma e outra compreendem a acção para defesa dos interesses difusos. A acção popular administrativa, compreende a defesa dos interesses difusos e o recurso contencioso com o fundamento em ilegalidade contra quaisquer actos administrativos lesivos desses mesmos interesses. Comporta a mesma dualidade que, no plano constitucional, é característica do contencioso administrativo.

 

10. A acção popular tem particularmente em vista a defesa dos interesses difusos, isto é, daqueles que não se reportam a pessoas individualmente consideradas nem a grupos definidos.

 

11. Os cidadãos podem pedir, nos termos gerais do direito, a cessação das causas de violação.

 

12. O artigo 74.º concede ao cidadão o direito de ir à juízo para tentar invalidar actos administrativos praticados por pessoas jurídicas de Direito Público enquanto Administração Directa e também pessoas jurídicas da Administração Indirecta.


13. É, portanto, um mecanismo posto à disposição de qualquer cidadão para a tutela da legalidade, do património público ou de entidade que o Estado participe, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do património histórico-cultural, mediante a anulação do acto lesivo.

 

14. Podemos por isso concluir tratar-se de um remédio constitucional, que possibilita ao cidadão angolano, que esteja em pleno gozo de seus direitos políticos, a tutela do interesse da colectividade, de forma a prevenir ou reformar actos praticados por agente públicos com violação da lei.

 

15. Cabe ressaltar que sendo o Decreto Presidencial n.º 120/16 de 2 de Junho de 2016, nulo na parte relativa à nomeação de Isabel dos Santos, por violação da Lei, a presente acção popular é uma garantia colectiva e não política.

 

16. A doutrina clássica classifica como actos passíveis de serem anulados os decretos, as resoluções, as portarias, os contratos, os actos administrativos em geral, bem como quaisquer manifestações em que se demonstre a vontade da administração, desde que causem dano a sociedade.


b. Da violação das normas de Direito internacional

 

17. O referido Decreto viola ainda a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional.

 

18. Considerando ser a matéria do conflito de interesses de fundamental importância nas relações entre cidadão e entidades públicas, e que uma adequada gestão de conflitos de interesses é imprescindível para um cultura de integridade e transparência, com todos os benefícios daí resultantes para a gestão pública, foram acolhidas em Angola as recomendações e orientações da ONU, OCDE e GAFI, que aprovaram os textos daquelas organizações em matéria de conflito de interesses.


19. Com efeito, Recomendam, aquelas instituições internacionais, das quais Angola é membro, que os países criem e apliquem medidas que previnam a ocorrência de conflito de interesses, enumerando, a título exemplificativo, as seguintes:

a. Elaboração de manuais de boas práticas e códigos de conduta;

b. Identificação de potenciais situações de conflitos de interesses relativamente a cada área funcional da estrutura organizativa;

c. Identificação de situações que possam dar origem a um conflito real, aparente ou potencial que envolvam trabalhadores que deixaram o cargo público para exercerem funções privadas;

d. Promoção de medidas adequadas a prevenir e gerir conflitos de interesses relativamente a situações que envolvam trabalhadores que aceitem cargos em entidades privadas;

e. Identificação e caracterização de áreas de risco;

f. Identificação das situações concretas de conflitos de interesses e respectiva sanção aplicável aos infractores;

g. Promoção de uma cultura organizacional na qual impere forte intolerância relativamente às situações de conflitos de interesses;

h. Promoção da responsabilidade individual de todos os trabalhadores, destacando e promovendo as boas práticas, os bons exemplos de serviço público e as atitudes activas de recusa de intervenção em procedimentos que possam suscitar impedimentos ou suspeições;

i. Desenvolvimento de acções de formação, de reflexão e sensibilização;

j. Subscrição, por todos os trabalhadores e dirigentes que se encontrem em regime de acumulação de funções, de declaração de não colisão das funções ou existência, mesmo que potencial, de perigo para a isenção e o rigor da acção;

20. Nesse contexto surge o conceito de governança pública, cuja finalidade é a condução de forma responsável dos assuntos do Estado, que deverá, em consequência, adoptar um conjunto de regras, práticas e processos que visem essencialmente promover a transparência, coerência e eficiência da administração.

21. O objectivo é manter um sistema de integridade da Administração Pública de forma que promova a implementação e a coerência de instrumentos, processos e estruturas de salvaguarda da integridade na Administração Pública.

22. A avaliação do cumprimento desses processos é feita com base em quatro conjuntos de princípios desenvolvidos pela OCDE: Princípios para a Gestão da Ética no Serviço Público (Principles for Managing Ethics in the Public Service); Directrizes sobre a Gestão de Conflitos de Interesses no Serviço Público (Guidelines for Managing Conflict of Interest in the Public Service); Princípios para o Fortalecimento dos Contratos e das Licitações Públicas (Principles for Enhancing Integrity in Public Procurement); e, Princípios de Transparência e Integridade nos Processos de Intermediação de Interesses (Principles for Transparency and Integrity in Lobbying).

23. Nos termos das Directrizes da OCDE sobre a Gestão de Conflitos de Interesses no Serviço Público ressaltam a importância de uma abordagem abrangente, que examine as questões da integridade por parte das instituições públicas.

24. A importância do cumprimento dessas Directrizes é, portanto, global, e tem influência na avaliação do sistema angolano de integridade da administração pública, sendo complementar a outras actividades de apoio a convenções internacionais e regionais contra a corrupção.

25. Com efeito, Angola não tem sido estranha a este “movimento” internacional em prol de maior transparência, rigor e honestidade no domínio da “res publica”, designadamente da governação e dos actos de administração.

26. Por isso mesmo tem tomado posição activa nas várias instituições internacionais que têm como objectivo promover e facilitar a cooperação internacional na prevenção combate à corrupção, incluindo a recuperação de activos e promover a integridade na gestão das contas e bens públicos.

27. Tanto assim é que ratificou por meio da Resolução 20/06, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC); a Resolução 38/05 que aprova o Protocolo da SADC contra a Corrupção e a Resolução 27/06, que aprova para ratificação a Convenção da União Africana de Combate à Corrupção.

b. Da violação das normas de Direito interno

28. A Lei 3/10 de 29 de Março - Lei da Probidade Pública - estabelece as bases e o regime jurídico relativos à moralidade pública e ao respeito pelo património público, por parte dos servidores públicos, incluindo servidores eleitos.


29. O Artigo 15, º 1 define o servidor/agente público como sendo “a pessoa que exerce um mandato, cargo, emprego ou função em entidade pública por meio de eleição, nomeação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou afectação, mesmo que seja de forma transitória ou não remunerada.” Esta definição está em consonância com as definições de servidor público, contidas no Artigo 2 al a) da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (CNUCC), e no Artigo 1 n.º 1 da Convenção da União Africana de combate à corrupção, convenções às quais Angola aderiu.

 

30. A definição acima mencionada é clarificada no Artigo 15, nº 2 da Lei 3/10, no sentido de que o termo servidor público contido no Artigo 2, nº 3 deve ser considerado como um sinónimo de qualquer outro termo utilizado na demais legislação Angolana. Garantido assim a sua compatibilidade com as normas internacionais (em particular com a CNUCC).

 

31. A Lei introduziu, alias, no n.º 2 do Artigo 15, uma lista exaustiva, não taxativa, de cargos específicos que incluem servidores públicos de todos os poderes e de todos os níveis do Governo, incluindo também empresas públicas e empresas investidas de funções públicas.

32. Ora, a Lei 3/10, estabelece um conjunto de regras de conduta de carácter impositivo, portanto de cumprimento obrigatório.

 

33. O Artigo 3.º da Lei 3/10 contém uma lista de princípios e deveres éticos que devem ser observados pelos servidores públicos, designadamente, o princípio da legalidade; o princípio da probidade pública; o princípio da competência; princípio do respeito pelo património público; o princípio da imparcialidade; princípio da prossecução do interesse público; etc.

 

34. Os Artigos 23.º a 26.º da Lei 3/10 prevêem proibições gerais aos servidores públicos, ao abrigo das normas de conduta ali estabelecidas.

 

35. A Lei trata ainda de questões da função pública e da actividade política, bem como define regras relativas das situações de conflitos de interesses, com o objectivo de manter a integridade nas decisões políticas e administrativas emanadas dos servidores públicos e da gestão pública.

 

36. Os requisitos de transparência obrigam os servidores públicos a declarar a sua situação financeira e os seus interesses privados (artigo 27.º).

 

37. O regime de conflito de interesses é estabelecido nos artigos 19.º n.º 2, 25.º n.º 1 alíneas d) e h), trata-se de um regulamento vinculativo de âmbito geral a ser aplicado a todos os níveis da função pública do país. Os artigos 28.º e 29.º contêm as definições gerais do que se deve entender por conflito de interesses para efeitos da lei, mas de forma geral pode dizer-se que tais situações verificam-se quando o agente público encontra-se em circunstâncias em que os seus interesses pessoais interferem, ou podem interferir, com o cumprimento dos seus deveres de isenção e imparcialidade no exercício de funções públicas.

 

38. Nos termos do artigo 28.º alínea b) da Lei 3/10, o agente público está impedido de intervir na preparação, na decisão e na execução dos actos e contratos, quando, por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse seu cônjuge ou parente na linha recta ou até ao segundo grau da linha colateral, bem como com quem viva em comunhão de mesa e habitação;

 

39. O conflito de interesses no sector público ocorre, portanto, quando os agentes públicos no exercício das suas funções intervêm em processos que envolvem interesses particulares, podendo retirar vantagem para si ou para terceiros, pondo em causa a actuação com isenção e a prossecução do interesse público.

 

40. De acordo com aquela disposição, o conflito de interesses no sector público pode ser definido como qualquer situação em que um agente público, por força do exercício das suas funções, ou por causa delas, tenha de tomar decisões ou tenha contacto com procedimentos administrativos de qualquer natureza, que possam afectar, ou em que possam estar em causa, interesses particulares, seus ou de terceiros e que por essa via prejudiquem ou possam prejudicar a isenção e o rigor das decisões administrativas que tenham de ser tomadas, ou que possam suscitar a mera dúvida sobre a isenção e o rigor que são devidos ao exercício de funções públicas.

 

41. Podem ser igualmente geradoras de conflito, situações que envolvam trabalhadores que deixaram o cargo público para assumirem funções privadas, como trabalhadores, consultores ou outras, porque participaram, directa ou indirectamente, em decisões que envolveram a entidade privada na qual ingressaram, ou tiveram acesso a informação privilegiada com interesse para essa entidade privada ou, também, porque podem ainda ter influência na entidade pública onde exerceram funções, através de ex-colaboradores.

 

42. Ora, o Decreto Presidencial n.º 120/16 de 2 de Junho de 2016, nomeou Isabel dos Santos para o cargo de Presidente do Conselho de Administração da SONANGOL e Administradora não Executiva.

 

43. Sendo Isabel dos Santos, filha do Presidente da República, portanto, sua parente na linha recta, e tendo estado envolvida na reestruturação da SONANGOL como consultora, faz parte do núcleo de pessoas as quais o Presidente da República está impedido de nomear nos termos do artigo 28º da Lei 3/10.


44. Resulta portanto que o Decreto Presidencial n.º 120/16 de 2 de Junho de 2016, foi proferido com violação da Lei.

III. Pedido

Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., se requer e invoca a suspensão da eficácia do Decreto Presidencial n.º 120/16 de 2 de Junho de 2016 e a sua consequente Anulação por violação da lei, nos termos e com os fundamentos supra expostos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

Assinam: 

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