Senhora Governadora,

Tomo a liberdade de escrever esta carta pública porque quero tratar aqui de uma matéria de interesse público que muito tem a ver com boa governação, mas sobretudo com a ética no exercício do poder público. E vou começar por um pressuposto básico: os agentes públicos devem servir o Estado não apenas com base nas leis (Constituição, decretos, etc.) que lhes conferem legitimidade e respaldo legal para o exercício de cargos públicos, mas também com base na ética e na urbanidade no trato para com os cidadãos, especialmente os subordinados directos ou indirectos. E, noblesse oblige, os exemplos devem sempre partir do topo à base. O Presidente da República deve ser o cidadão nrº 1 quer no cumprimento da lei, quer na observância das normas de boa convivência; os Ministros, os Deputados, os Governadores e Directores Provinciais devem seguir invariavelmente o mesmo padrão de civilidade que uma República exige.

Senhora Governadora,

Permita-me, sem delongas nem prolongas, entrar no mérito da questão. A senhora tem autoridade que lhe é conferida por lei para, no exercício das suas funções, nomear ou exonerar no interesse público os distintos servidores do Estado. Até aí estamos cavaqueados, pois isto não está em causa. Existem, no entanto, pressupostos humanos de carácter moral que devem enformar e dar lisura aos mesmos actos para salvaguardar a dignidade da pessoa humana. Isto significa que sempre que tal ocorrer, quer nas nomeações, quer nas exonerações, deverá sempre agir em sã consciência e nunca com uma consciência inquinada por paixões individuais ou interesses estranhos ao bem público. Quando em 2013 nomeou a Dra Maria Carlota Tati a ocupar o cargo de Chefe de Departamento de Saúde Pública e Controlo de Endemias da Secretaria Provincial da Saúde em Cabinda, o actual Secretário Provincial, Dr. Paulo Zengui Alexandre, abordou-a previamente, e várias vezes, sobre o assunto. Ela, por sua vez, fez-se aconselhar por mim se devia ou não aceitar o cargo. Tendo em conta o seu currículo e as suas competências profissionais, estando em vista o bem público, aconselhei-a a aceitar o cargo. Nessa altura, terminado o seu mestrado em Saúde Internacional e Medicina para Cooperação com os Países em Desenvolvimento, na Universidade de Parma (Itália), já tinha feito a sua inscrição para o doutoramento em Medicina Tropical na Universidade Nova de Lisboa, pelo que teve de anular a inscrição supostamente porque a senhora Governadora precisava dos seus préstimos naquele sector. Tanto quanto saiba, ela exerceu até cá o cargo com competência, responsabilidade e brio.


Entretanto, acabo de tomar conhecimento de que, por despacho de senhora Governadora publicado a 27 de Julho do corrente ano, ela foi exonerada inopidamente do cargo. Como já disse em cima, a senhora Governadora está no direito de o fazer e ela sabe disso e nunca iria manifestar qualquer relutância a uma decisão dessa natureza. Indigna-me e desaponta-me a maneira desrespeitosa de fazer as coisas. E explico-me: a exoneração ocorre sete dias apenas depois de ela ausentar-se do país por razões de saúde (viajou no dia 20 de Julho) com a devida autorização do seu superior hierárquico, o Sr Dr. Paulo Zengui Alexandre. Este, mesmo tendo os contactos da Drª Maria Carlota Tati, não teve o cuidado de pô-la ao corrente nem antes e nem depois da publicação do despacho. Soube do assunto por terceiros que lhe telefonaram. Isto é uma gafe administrativa e não tem nada a ver com a boa governação cujos actos devem ser transparentes. O Secretário Provincial não teve a hombridade e a delicadeza de lhe dizer uma única palavra. Este tipo de comportamento fere a sensibilidade da pessoa e deixa brechas para se cogitar sobre as razões e as motivações que se escudam por detrás dessa medida. E quando a pessoa não encontra essas razões em si própria, só resta espaço para a teoria da conspiração. Neste caso, o silêncio do Secretário passa a ser objecto de suspeição, pois não é credível que a senhora Governadora tenha agido num clímax de excitação psíquica.

Senhora Governadora,


Não pretendo atiçar polémicas à volta do assunto, mas creio que concordará comigo se disser que as pessoas merecem um pouco mais de respeito; os quadros que com sacrifício e dedicação estão ao serviço do país merecem um tratamento mais honroso e não devem ser tratados como objectos descartáveis (usa-se e deita-se!). Estes procedimentos triviais matam a motivação de quadros competentes que poderiam contribuir muito mais para o país e para Cabinda, em particular. A prepotência, a arbitrariedade, o abuso do poder, o autoritarismo, a felonia e quaisquer outros instintos desta extirpe minam o exercício do poder e pervertem a administração do Estado numa geringonça autêntica. Convenhamos, senhora Governadora, que não se premeia o mérito, a competência, o brio, a dedicação e a lisura com desdém e com a ingratidão, a não ser que estas virtudes não sejam do agrado das instâncias superiores, pois - entende-se! - talvez os subordinados não devem ofuscar os chefes sob pena de incorrerem num crime de lesa majestade. Por ora, satis!
Com a devida vénia,
Subscrevo-me
Raul Tati