Luanda  - O presidente da UNITA, Isaías Samakuva, replicou nesta quarta-feira, 19, em Luanda, à mensagem do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, proferida a 17 de Outubro, por ocasião da abertura do Ano Legislativo 2016/2017. Eis-a na íntegra: 

Senhor Vice Presidente da UNITA,
Senhor Secretário da Organização da UNITA
Caros membros e militantes da UNITA
Ilustres convidados
Compatriotas e amigos
Senhoras e senhores:

Agradeço a vossa presença aqui e apresento a todos os meus sinceros cumprimentos. Agradeço também a amabilidade que tiveram ao aceitar o nosso convite para nos acompanharam neste acto que realizamos como réplica política às declarações do Executivo sobre o Estado da Nação. Fazemo-lo no exercício de uma prerrogativa democrática plasmada no nº. 2 do Artigo 45 da nossa Constituição e que se constitui, ao mesmo tempo, num direito e numa obrigação.

Permitam-me que aproveite este momento para expor de maneira explícita e franca, o nosso pensamento sobre o Estado da Nação, sobretudo como podemos aproveitar o momento histórico que o país atravessa, para resolver as grandes questões que se nos colocam como a pobreza, as desigualdades, o resgate da identidade angolana e o seu sistema de valores, o sistema político, a economia, o papel da imprensa livre, a reconciliação nacional, as garantias para uma mudança estável e a estabilidade do país perante uma vitória eleitoral da UNITA.

Compatriotas:

O nosso País está muito doente e enfrenta graves desequilíbrios regionais estruturais, uma crise de identidade sem precedentes, uma crise social, uma crise institucional e uma crise financeira. O país está sendo dirigido por uma equipa com políticas falhadas, que escapa ao controlo dos cidadãos. A fragilidade do Estado ficou demonstrada pelas debilidades do sistema de saúde, pela institucionalização dos crimes de suborno, peculato, branqueamento de capitais e corrupção, pela não responsabilização dos agentes públicos envolvidos, pela incapacidade generalizada de prestar serviços básicos à população e de cumprir satisfatoriamente as tarefas fundamentais do Estado estabelecidas pela Constituição.

As perspectivas de crescimento da economia foram revistas em baixa, de 3,3% há um ano, para 1,1%, com o sector petrolífero a crescer 0,8% e o sector não petrolífero 1,2%. Destaque-se aqui o sector diamantífero com um desempenho negativo de 0,6% e o sector da Indústria transformadora com um desempenho negativo de 3,9%.

A baixa do preço de petróleo no mercado internacional veio provar que a estrutura da economia política angolana é insustentável e que a crise actual é o resultado dos erros acumulados da gestão danosa dos recursos públicos ao longo dos anos. O sistema financeiro está desacreditado porque tanto facilita os roubos ao erário público, a fuga de capitais e lavagens de dinheiro, como não tem liquidez e não garante o acesso legítimo às divisas à esmagadora maioria dos angolanos.

Nessa última legislatura, o país não produziu mais nem distribuiu melhor ao contrário do que tinha sido prometido. Apesar da propaganda do slogan “Angola está a subir”, as famílias sentem apenas que os preços é que estão a subir, a dívida pública é que está a subir, a corrupção é que está a subir, a repressão é que está a subir e a criminalidade e a insegurança consequente também é que estão a subir, afectando a todas as famílias. O que não sobe são os salários. Quem afirmar que os rendimentos ou o poder de compra dos trabalhadores angolanos estão a subir não conhece a realidade do sofrimento das famílias angolanas.

O sofrimento do povo é tal que o governo pode ter os meios para silenciar a oposição e assegurar o controlo sobre os militares, mas já não pode travar o clamor nacional pela MUDANÇA. E toda a gente sabe que a força para mudar está nas suas mãos. Já não pode controlar as pessoas nas ruas, a classe média e a juventude urbana.

Nessa última legislatura ficou claro para todos que a nossa crise não vem da guerra nem da baixa do preço de petróleo. A nossa crise é estrutural. Resulta principalmente de uma concepção errada de Angola, de opções estratégicas erradas adoptadas desde 2002 e da gestão danosa dos recursos do país durante os 14 anos de paz. A nossa crise resulta da centralização do poder num só órgão do Estado, sem fiscalização, e da concentração da riqueza nacional numa só família AGORA, em tempo de paz.

O Presidente que trouxe a crise foi ao Parlamento fazer mais um discurso à Nação, mas ainda não foi desta vez que revelou ser conhecedor da situação do País que governa. De forma muito tímido deixou alguma esperança no que diz respeito a alguns sectores da vida do País, mas não obstante reiterados pedidos, Sua Excelência o Presidente da República não explicou à Nação o paradeiro de cerca de cento e trinta mil milhões de dólares da reserva estratégica que o Parlamento criou e colocou sob sua guarda, de 2011 a 2014, para acudir os efeitos do choque do preço de petróleo quando este ocorresse. Nem disse até onde e como o país está endividado.

Numa altura em que sobem de forma assustadora tanto os níveis da falta de emprego como os do desemprego, coisa visível aos olhos de toda a gente, o senhor Presidente, acha que não; quando continua a gritante carência no fornecimento de energia eléctrica e água, ainda coisas proibidas para a maioria dos angolanos, o senhor Presidente acha que estamos a evoluir bem; quando morre gente às catadupas, por doenças perfeitamente controláveis, como é a malária que ainda mata como quer e quando quer, onde a cólera espreita sempre que lhe apetece; quando toda a gente sabe que os hospitais estão desprovidos de medicamentos, de seringas, de fios de sutura, de luvas e de tudo o mais, o senhor Presidente acha que não é assim; numa altura em que o país vai-se enchendo de lixo, de águas podres, paradas, o senhor Presidente afirma que as coisas não são nada assim; num momento em que se incrementam, por parte do Estado, os actos de pura crueldade, consubstanciados em demolições brutais das casas dos angolanos, em meio de assassinatos até de crianças e de abusos sexuais contra mulheres, não importando a sua idade, isso tudo em nome e em defesa de interesses particulares, o senhor Presidente considera que está tudo a andar bem. Perante isso tudo, o senhor Presidente pensa que, e vou citá-lo, “cumpriu mais de metade das metas estabelecidas pelas Nações Unidas nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio até 2015, no que diz respeito a sectores como o emprego formal, o abastecimento de energia e água potável, a saúde e o saneamento do meio, a educação e a formação profissional, entre outros”.

Isto é caso para perguntarmos todos se o senhor Presidente da República vive mesmo nesta Angola e se falou mesmo deste país;

Os angolanos estavam seguramente à espera de que, ao fazer o seu balanço de fim de mandato, pelo menos desta vez, o senhor Presidente assumiria a coragem de olhar de frente para a CORRUPÇÃO que rói e corrói este país de forma assustadora. É a corrupção a origem e dona de muitos males que vivemos em Angola. E depois dos pronunciamentos do próprio Engenheiro José Eduardo dos Santos de que, depois da guerra o “inimigo” a combater seria a corrupção, os angolanos esperavam que, finalmente, ele dissesse como vai encetar esse combate. Mas, sobre isso, o Chefe de Estado nada disse. Porquê? Porque ele ainda não descobriu como começar esse combate contra si próprio, já que o fenómeno da corrupção nasce na Cidade Alta e vai, como um verdadeiro vírus, afectando tudo o que encontra pela frente, dentro do seu sistema.

Os cidadãos deste país estavam à espera que o Engenheiro Eduardo dos Santos dissesse, caso não seja ele quem o ordena, o que pensa fazer para conter a onda de demolições e de intolerância política que ceifa a vida a militantes da UNITA, com culpados sempre conhecidos mas nunca responsabilizados.

Os angolanos tinham a expectativa de que o Chefe de Estado angolano, que aconselha o diálogo aos países da Região dos Grandes Lagos e não só, como meio de resolução pacífica dos conflitos, deixaria sinais de abertura com os seus irmãos, tanto em Cabinda, como a oposição, evitando assim optar pelo uso da força, da intimidação e do terror para tentar silenciar anseios e aspirações que podiam e deviam ser abordados com o diálogo franco e aberto.

Compatriotas e amigos

Sobre o Estado da Nação, há três questões fundamentais que o Senhor Presidente da República não fez referência na sua mensagem à Nação e que afectam a segurança nacional e têm impacto na sustentabilidade das finanças públicas e na estabilidade futura do país. Considero ser prudente trazer estas questões à consideração dos angolanos, com serenidade e franqueza, mas também com convicção e firmeza, enquanto o Senhor Presidente ainda está no exercício do seu mandato. São elas:

1 - A organização estrutural e funcional do Estado.
2 - O impacto da estrutura da economia política no processo eleitoral em curso.
3 - A sustentabilidade da dívida pública.

Sobre a primeira questão, importa referir que o Estado que o Presidente Dos Santos erigiu durante os 14 anos de paz é um Estado dualista, uma subversão do estado democrático de direito consagrado na Constituição. Quer dizer, existem dois Estados. Há o Estado formal, estabelecido pela Constituição, que se funda na legalidade, e cujos órgãos incluem o Presidente da República, a Administração Pública, o Parlamento, o Ministério Público, os Tribunais, o Provedor de Justiça, as Forças Armadas e a Comissão Nacional Eleitoral; e há um Estado paralelo, dirigido e controlado por uma máquina complexa, que a Constituição não descreve. Esta máquina complexa é que dirige e controla de facto os órgãos do Estado formal. Ela integra peritos de várias nacionalidades e está intimamente ligada à Casa de Segurança do Presidente da República e suas ramificações, à Casa Civil, aos Serviços de Inteligência e à Sonangol.

O Estado paralelo está imune ao controlo do Parlamento, da sociedade civil e dos partidos políticos, inclusive o MPLA. É ele que controla de facto as principais decisões relativas à segurança e à economia. Isto significa, politicamente, que, durante o mandato do Presidente em funções nestes 14 anos de paz, o poder real foi transferido de facto dos Ministérios, do Parlamento, dos Tribunais e da CNE para os três serviços de inteligência, para a Casa de Segurança e para a Casa Civil do Presidente da República, que funcionam com o apoio de uma extensa rede de informantes, consultores e espiões infiltrados nos órgãos do Estado formal para detectar e neutralizar todas as actividades consideradas contrárias aos interesses do Presidente da República em funções. Ministros, governadores provinciais, generais, juízes, administradores das empresas públicas, parceiros comerciais, meios de comunicação social e até responsáveis de organizações da sociedade civil, são todos indicados, nomeados e controlados directa ou indirectamente por esta máquina complexa que controla o Estado.

Este Estado paralelo constitui um dos pilares sustentadores do poder estabelecido na Cidade Alta. É inconstitucional e absorve muito dinheiro do Orçamento Geral do Estado. A sua manutenção nestes últimos anos tem levado o Presidente da República a endividar o país a níveis insustentáveis. Daí a sua fragilidade e insustentabilidade.

Para assegurar a estabilidade do país, o futuro deste estado paralelo terá de ser equacionado, não pelo Presidente em funções, mas pela Nação no seu todo, no quadro das decisões do momento histórico e antes do fim do mandato do Presidente em funções.

A segunda questão é a estrutura da economia política angolana, que foi concebida para alcançar os mesmos objectivos do estado paralelo. De facto, o Estado pós-conflito consolidou-se através de uma economia monopolista e segregacionista, totalmente dependente dos fluxos de exportação de petróleo bruto. Não desenvolveu a indústria transformadora nem potenciou a sua condição de grande produtor de petróleo bruto para desenvolver a indústria da petroquímica. O país continua a ser um importador de produtos derivados do petróleo bruto e um exportador líquido de capitais para os principais centros financeiros do mundo, tal como antes, durante e logo depois do conflito armado.

Através de um processo subtil e estruturado apelidado de ‘acumulação primitiva de capital’, os detentores do poder político delapidaram o tesouro nacional e canalizaram os recursos desviados do erário público para ‘investimentos’ privados, no país e no estrangeiro, com pouco ou nenhum impacto na economia real e na redução da pobreza. Foi estabelecida no país e no estrangeiro uma rede de empresas privadas com dinheiro público.

O objectivo foi o de arrecadar, redistribuir ou branquear uma parte substancial dos petrodólares através da (sub) contratação de serviços sobre facturados nas áreas dos petróleos, construção civil, imobiliário, pecuária, pescas e hotelaria. A contribuição dessas empresas para as receitas fiscais do Estado é desproporcional ao custo real que a economia tem de suportar com a sua manutenção, pois a maioria delas vive à custa do OGE, utiliza a prática de sobrefacturação e criou mecanismos legais para a evasão fiscal.

Muito do dinheiro público utilizado veio de saques ou empréstimos fraudulentos ao Banco Espírito Santo (Angola), BESA, ao Banco de Poupança e Crédito, BPC, ou mesmo ao Banco de Crédito e Indústria, BCI, tendo beneficiado uma boa parte de dirigentes políticos. Em muitos casos, tais fundos foram utilizados também como chantagem, para comprar consciências e lealdades de nacionalistas de renomear e silenciar muitos dos seus dirigentes e militantes, desqualificando-os para contestar desvios e arbitrariedades ou para disputar o poder político.

A economia ficou prostituída. É verdade que os accionistas das empresas que beneficiam do proteccionismo do Estado e dos grandes contratos públicos são os próprios governantes, seus familiares directos ou seus agentes. No fundo, o país não tem um sector privado nacional sólido, separado dos favores do poder político. Mas os angolanos devem saber também que este processo de consolidação do Estado por via da estrutura prostituída da sua economia política serviu principalmente para inviabilizar a democracia e a unidade nacional, por via da asfixia da UNITA, da asfixia da sociedade civil. Do empobrecimento da maioria esmagadora da população angolana e também do sequestro de certas vozes no seio do próprio partido no Poder. Esta era, porém, chegou ao fim. Agora chegou o momento para um novo começo!

A terceira questão omitida pelo Senhor Presidente da República na sua mensagem é o aumento vertiginoso da dívida pública nos últimos dezoito meses. Cerca de 50% das despesas previstas no OGE para o ano em curso estão programadas para serem financiadas com recurso a empréstimos.

Dos cerca de $24 mil milhões de dólares de empréstimos necessários, o Governo só terá conseguido um terço. O stock da dívida pública cresceu exponencialmente para mais de $47 mil milhões de dólares americanos, dos quais $32 mil milhões são devidos à China. Acentuou-se, assim, a redução da capacidade do Estado de pagar a sua dívida externa, porque esta representa mais de 70% do Produto Interno Bruto.

O pagamento da amortização da dívida mais os juros devidos em 2016 ascende a quase dois trilhões e meio de Kwanzas, o que significa dizer que 98% das receitas fiscais e pára fiscais auferidas com o petróleo serão para pagar dívidas. Se este cenário continuar, então todos os anos o país terá de se endividar na mesma proporção para manter o nível actual de despesas. E isto acontece principalmente por causa dos altos custos da corrupção e do clientelismo político, o que inclui a manutenção da máquina complexa do Estado paralelo, os altos custos do proteccionismo e da ineficiência, a gestão danosa, a compra de consciências, os desvios do erário público e, nas palavras do Presidente, “os roubos ao Estado”.

Esta realidade compromete o futuro do País e constitui uma ameaça à segurança nacional. Segundo o Ministério das Finanças, compromete particularmente a capacidade do Governo se financiar no mercado financeiro internacional, face ao aumento do nível de risco soberano do país, forçando a reduzir a despesa pública. Os riscos desta redução forçada são a suspensão da execução de projectos de investimento em curso, a redução da capacidade de financiar a prestação dos serviços de educação, de saúde e da assistência social e a redução da capacidade de financiar a actividade das forças armadas e da polícia nacional.

A salvaguarda da segurança nacional e da sustentabilidade do país exigem da Nação e do Estado uma mudança radical de atitude para com a despesa pública e a criação de condições de transparência para nos permitir renegociar a dívida pública. Estas questões terão de ser equacionadas, não apenas pelo Presidente em funções, mas pela Nação no seu todo, no quadro das decisões do momento histórico e antes do fim do mandato do Presidente em funções.

Compatriotas e amigos:

O Senhor Presidente da República referiu-se na sua mensagem que “determinados processos eleitorais que ocorrem no nosso continente estão a ser convertidos em autênticos viveiros de instabilidade, de repercussões e consequências imprevisíveis, tanto para os respectivos países, como para as respectivas sub-regiões, quer através da contestação directa dos seus resultados, quer através da tentativa de alteração da ordem constitucional”.

Não podíamos estar mais de acordo. É exactamente isso que poderá acontecer em Angola em 2017 se não tomarmos AGORA as medidas correctivas que se impõem. Só que por não haver separação de poderes no plano pessoal, os angolanos ficaram confusos, porque não perceberam se estas belas palavras do Presidente da República serão acatadas pelo Titular do Poder Executivo, pelo Chefe da Casa Militar e pelo Presidente do MPLA.

Permitimo-nos recordar que o Titular do poder executivo propôs ao Parlamento a nova Lei do registo eleitoral, que atribui a si próprio, através dos órgãos que dirige, e sem sindicância, a competência para organizar, executar e controlar o registo eleitoral presencial dos cidadãos maiores, emitir os cartões de eleitor, controlar os ficheiros e os programas informáticos relativos ao registo eleitoral, exigir prova de vida aos cidadãos já registados e decidir quem deve e quem não deve votar.

Esta medida constitui uma alteração prática da ordem constitucional, porque, nos termos da Constituição, a organização dos processos eleitorais é competência da administração eleitoral independente e o Presidente da República não pode atribuir tais competências a si próprio. Esta alteração prática da ordem constitucional transforma os membros do Administração pública partidarizada em agentes eleitorais e propicia outros conflitos de interesse com forte impacto na consolidação da paz e na gestão transparente da economia. Como podemos falar em lisura e transparência perante este quadro?

Centenas de comissários eleitorais foram alvo de perseguição, descriminação e intimidação por questionarem a lisura deste quadro. E os autores da perseguição e intimidação são subordinados políticos do Senhor Presidente do MPLA, que pretende controlar a eleição. Como podemos falar de lisura e transparência se atentamos contra elas?

Além disso, estamos há menos de um ano das eleições e ainda não sabemos com que lei eleitoral serão realizadas as eleições. Porquê? Porque o Senhor Presidente do MPLA, que é também o chefe político da maior bancada parlamentar, mandou os seus Deputados alterar por lei as regras de apuramento e transmissão dos resultados eleitorais e transformar em lei os procedimentos fraudulentos que utilizou em 2012 para subverter a vontade popular. Por razões que só o Presidente do MPLA conhecerá, pretende-se violar a liberdade do voto e forçar o voto antecipado ou o voto múltiplo de mais de um milhão de eleitores pré seleccionados, incluindo funcionários públicos, militares, polícias e agentes da segurança subordinados do Titular do Poder Executivo; pretende-se também reduzir ou inviabilizar a presença dos fiscais dos partidos concorrentes nos locais de voto para que não recebam cópias das actas eleitorais e pretende-se ainda intimidar os eleitores através da militarização do acto eleitoral e da presença massiva da polícia mais perto dos locais de voto.

Estas medidas, constituem um viveiro fértil de instabilidade e ofendem os princípios eleitorais adoptados pela SADC e recomendados pela União Africana a que fez referência na Sua mensagem.

Para que o registo eleitoral em curso, bem como as Eleições Gerais, que vamos preparar, se pautem pela lisura e transparência, é necessário que o Chefe de Estado e o Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas, respectivamente, ordene ao Titular do Poder Executivo e à Casa Militar do Presidente da República para deixarem de interferir no exercício das competências constitucionais da Comissão Nacional Eleitoral. É necessário que o Estado paralelo deixe de organizar processos eleitorais viciados com resultados pré definidos com o propósito de subverter a vontade popular e os fundamentos da República de Angola só para assegurar a supremacia e hegemonia de um Partido - estado por décadas.

Compatriotas:

Acredito que chegou o momento para os angolanos discutirem estas questões transcendentes com franqueza e serenidade, em fóruns institucionais próprios, numa perspectiva de gestão da transição para uma nova era.

As escolhas que fizermos agora neste momento histórico irão determinar o rumo que o país vai trilhar em 2017 e nos anos seguintes. O Presidente Eduardo dos Santos já deu sinais que a sua escolha é a opção dinástica. Prefere colocar-se acima da Constituição e da lei e utilizar o poder público para impor ao país, através de leis e outros actos inválidos do Estado, soluções que o perpetuem no poder, a si e sua família.

Se persistir nessa política de não se submeter à vontade do povo soberano de Angola, será que os angolanos vão permanecer inertes e submissos, ou a consciência nacional de conformismo e acomodação vai dar lugar a formas sublimes de manifestações activas da cidadania e da soberania popular?

Será que os cidadãos marginalizados – pobres das zonas rurais, a juventude urbana, ex-combatentes e grupos comunitários regionais, entre outros – irão permanecer na periferia da transformação política, ou irão despertar e reivindicar os seus direitos de participação política?

A solução está nas nossas mãos. Momentos históricos exigem decisão e acção. A atitude de conformismo nacional manifesta na expressão popular “é só orar” deve ser substituída pela expressão “é só votar”. Votar para a mudança.

Qual será a nossa escolha?
Política de massas e aumento da repressão ou uma efectiva transição para um novo começo?

Eleições viciadas com resultados pré elaborados ou uma exigência nacional por eleições democráticas, auditáveis e transparentes?

Pacto de regime entre as elites ou a celebração de um novo contrato social conducente ao exercício de um novo poder constituinte para a mudança de regime?

Abrir o país ao diálogo AGORA ou asfixiar as liberdades e provocar a reabertura de uma nova era de violência e vingança política?

Prezados compatriotas:

Estamos num momento decisivo da nossa história. Momentos decisivos da história são aqueles em que o país poderia ter seguido um rumo diverso do escolhido.

Angola já viveu três desses momentos. O primeiro foi em 1975, quando Portugal assinou os Acordos de Alvor com representantes do povo angolano, na sequência da revolução portuguesa dirigida pelo Movimento das Forças Formadas. Naquele momento histórico, a decisão tomada foi considerar representantes do povo angolano apenas os movimentos armados de libertação nacional - FNLA, MPLA e UNITA - e estabelecer uma data para a independência política de Angola, mesmo sem a garantia da existência prévia de uma assembleia constituinte, um exército angolano único, uma cultura de tolerância e de um projecto vinculativo de construção da Nação.

O segundo momento histórico foi em 1991, quando o Governo do MPLA e a UNITA assinaram em Bicesse, Portugal, os Acordos de Paz Para Angola. Naquele momento histórico o rumo seguido foi priorizar o cessar-fogo e organizar eleições no espaço de um ano, mesmo perante a existência de dois exércitos convencionais rivais, duas jurisdições territoriais, duas realidades económicas e sociais e duas administrações político-militares.

O terceiro momento histórico foi em 2002, quando se assinou o segundo Anexo dos Acordos de Bicesse, o Memorando de Entendimento do Luena. A decisão tomada foi considerar o advento da paz vitória militar do MPLA e ignorar os compromissos da democracia e da reconciliação assumidos em Bicesse, consolidando assim a hegemonia política, económica e cultural preconizadas pelo MPLA em 1975. Continuou adiado para muitos a concretização efectiva do sonho da independência e do projecto de construção da Nação.

Agora, ao terminarmos o mandato outorgado ao MPLA, havendo um conjunto de problemas mal resolvidos, estando o país mergulhado em crises estruturais e estando a maioria do soberano do Poder Político em Angola a demonstrar claramente a sua aspiração por uma mudança, pode estar sendo decidido um quarto momento histórico, no qual todos temos o dever e o direito de participar para o bem do nosso belo país.

A mudança histórica que se avizinha pode e deve ser feita sem revanchismos nem convulsões. Os que acumularam riqueza não precisam deixar o país porque ninguém os vai perseguir. Os agentes dos serviços de segurança não precisam temer o futuro, porque continuarão a ser servidores públicos do Estado ao serviço da Pátria. Os militantes do MPLA não precisam temer, porque a mudança que o voto da maioria vai trazer também os vai libertar. Vai libertar-nos a todos. Libertar-nos do medo, da crise e da intolerância. O novo presidente da República vai proteger-vos, porque será mesmo um presidente ao serviço de todos os angolanos.

A mudança histórica que o País reclama deve equacionar a gestão dos passivos resultantes do processo de delapidação da identidade angolana, dos abusos da soberania, dos direitos humanos e das injustiças políticas, económicas e sociais; os princípios para a reforma do Estado e para a reestruturação da economia nos marcos de um novo poder constituinte que o povo soberano de Angola deve ser convocado a exercer rumo à construção de uma nova nação, uma verdadeira República.

Defendemos para Angola uma solução republicana e democrática porque acreditamos que só a democracia – a mais autêntica e participativa que conseguirmos construir – poderá libertar-nos do nosso passado, dos nossos temores, das nossas incertezas e indecisões. Só ela nos permitirá fruir os frutos da prosperidade, da reconciliação e do progresso num ambiente de respeito mútuo, de liberdade, confiança e estabilidade. Só ela nos permitirá afirmar Angola como país africano de dimensão atlântica.

No plano internacional, consideramos que a defesa da independência nacional e dos valores da liberdade, igualdade, justiça e prosperidade intrínsecos ao pensamento liberal humanista e à civilização ocidental devem continuar a orientar as nossas posições políticas nas relações internacionais. Angola deve afirmar-se como boa cidadã do mundo, deve continuar a estabelecer e desenvolver relações de amizade e cooperação com todos os estados e povos do mundo, em especial com o bloco de nações, n baluarte da defesa dos direitos humanos, da liberdade dos povos e da paz mundial.

Aproveito esta oportunidade para apresentar, em meu nome pessoal e de todos os membros da UNITA, as nossas condolências aos familiares das vítimas do acidente de Benguela.

Muito obrigado.