Lisboa - Em entrevista à DW África, o ex-primeiro-ministro comentou as declarações do candidato do MPLA à Presidência da República, João Lourenço, que prometeu combater a "pobreza extrema" em Angola se ganhar as eleições.

Fonte: DW

Angola só conseguirá combater a pobreza e se desenvolver quando os políticos do país respeitarem a democracia a as instituições democráticas. É o que defende o ex-primeiro-ministro de Angola e ex-secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Marcolino Moco.


Em entrevista à DW África, Moco comentou as declarações feitas no último fim de semana (25.03) pelo cabeça-de-lista do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) às eleições gerais de agosto no país. O candidato João Lourenço lamentou a pobreza extrema angolana, relacionando-a com o conflito armado que terminou há 15 anos, e prometeu combater essa realidade.


Marcolino Moco ressalta a existência de um regime implantado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, que enfraqueceu as instituições democráticas em detrimento dos seus interesses, e compromete o desenvolvimento de políticas para os mais pobres. Confira a entrevista:


DW África: O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais de Angola lamentou a existência de pobreza extrema no país, que relacionou com o conflito armado que terminou já em 2002, e agora ele promete combater essa realidade. Como ex-primeiro-ministro, acha possível acabar com a pobreza extrema em apenas uma única legislatura?
Marcolino Moco (MM): Entendo que é linguagem de campanha. O MPLA, sob a liderança de José Eduardo dos Santos, estava a correr um grande risco de perder muitos eleitores e agora se encontrou esse mecanismo de apresentação de um novo candidato, e não admira que o novo candidato toque nestas questões que são um ponto muito importante na avaliação dos eleitores.

 

DW África: João Lourenço aponta o combate à pobreza como prioridade. Mas isto não é uma ideia nova, pois o próprio José Eduardo dos Santos já tinha feito isso no passado; o próprio Dr. Marcolino Moco, quando foi primeiro-ministro, também. Como interpretar isso, independentemente dessa campanha?
MM: O problema de Angola hoje é estabilizar o regime democrático. Quando fui primeiro-ministro havia esse problema. Aí sim podia-se falar da guerra, porque havia precisamente guerra. Mas hoje estamos há 15 anos de paz, e o que se deve avaliar é o que aconteceu durante estes últimos cinco anos de mandato, e o que tem criado problemas nesse período, que é o que interessa analisar. Não vamos voltar ao passado. Passado é passado. O problema é que temos um regime afunilado. Tudo é decidido pela Presidência da República. O Presidente da República não responde perante nada, não sofre pressões na Assembleia Nacional, onde há uma maioria muito forte do MPLA, que é dominado por si. Inclusive, o Tribunal Constitucional decidiu que o Parlamento não pode interpelar um membro do Governo, que qualquer problema que seja detetado não pode constituir comissões de inquérito. Um escândalo de retirada das funções mais importantes da própria Assembleia Nacional. A comunicação social, aquela que é mais relevante, é comandada pelo Presidente da República. Há mesmo um departamento na Presidência da República para controlar os meios de comunicação como se estivéssemos num regime "salazarista". Então, foram esses mecanismos que fizeram com que o país não pudesse desenvolver-se. Não há responsabilização dos governantes por aquilo que é anormal; consolidou-se a corrupção; o transporte do dinheiro para fora do país é uma coisa habitual, familiar. Isto faz com que num país rico haja tanta pobreza. É isso que cria todos esses problemas.

 

DW África: E agora o próprio MPLA apela às instituições privadas, às organizações não-governamentais e à Igreja – em suma, à sociedade civil, a responder prontamente a este apelo, de ajudar o Governo a diminuir a pobreza. Acha que a sociedade civil angolana vai responder ?
MM: É um pouco estranho esse pedido por parte do futuro Governo, porque estas são responsabilidades governamentais. Com este regime que nós temos, este regime afunilado numa pessoa, durante todos esses anos não ter falado se quer no poder local das autarquias, que também perderam o controle, porque há uma obsessão de controlar o poder. O Presidente José Eduardo dos Santos, durante este tempo, a sua preocupação era controlar o poder. Seus próprios ministros foram transformados em seus auxiliares. O conselho de ministros, contra a tradição do país, também foi transformado num mero instrumento auxiliar do Presidente da República, os governos provinciais também são meros auxiliares. Este é o problema que eu auguro que João Lourenço possa resolver. Em resumo, eu costumo dizer: seja João Lourenço, que é o putativo Presidente da República no futuro; seja [Isaías] Samakuva, que é o candidato forte à possibilidade de ser Presidente; que seja Abel Chivukuvuku, da CASA-CE, que é outro forte candidato que traz em si uma possibilidade de ser eleito também, não há sondagens ainda, qualquer um deles só poderá resolver os problemas se esse regime for desmantelado, porque é o regime que trava o desenvolvimento.

 

DW África: João Lourenço diz que vai elevar a classe média a 60% da população angolana, ou seja, 25 milhões de pessoas. Querendo atingir esse objetivo, o senhor, como alguém já foi chefe do Governo, acha que se trata de algo suscetível de ser concretizado numa única legislatura?
MM: Não sou economista. Dedico-me mais às questões institucionais, como jurista que sou, e, sobretudo da área jurídica-política. Concretamente à pergunta não me interessa o tempo que isso possa levar. O que é preciso é que se comece a fazer isso [desmantelar o "regime afunilado na pessoa do Presidente], porque até aqui, e de forma ostensiva, no nosso país foi definida a ideia que uma pequena minoria é que deve enriquecer a qualquer custo. Foi mesmo montado um sistema em que há empresários do MPLA, embora, na verdade, nem todos eles tenham sido abrangidos por esse enriquecimento. Se João Lourenço diz isso, é muito bom, mas eu repito que isso [fim da pobreza] não será possível se não tivermos um regime político aberto, como aquilo que estava previsto na Constituição de 1992. De outra forma, não resolveremos nenhum problema fundamental no nosso país.

 

DW África: Muita gente se interroga porquê Marcolino Moco não é candidato nas eleições presidenciais em Angola?
MM: Nós temos uma Constituição que não permite candidaturas independentes. Ora, eu não tenho um partido político, não fui eleito em qualquer tipo de organização, suspendi minha atividade dentro do MPLA, porque não quis continuar a atuar dentro do MPLA com o tipo de ameaças que me foram feitas, de que eu não poderia seguir a minha linha de pensamento, inclusive dentro da universidade, em que eu era seguido por uma certa "segurança do Estado" – entre aspas, porque segurança do Estado não faz este tipo de trabalho, de controlar as pessoas, é para defender efetivamente o Estado e não perseguir pessoas que têm idéias diferentes. Então eu tenho me dedicado mais aos estudos, não tenho condições subjetivas e objetivas para ser candidato à Presidência da República, pelo menos para as próximas eleições que já estão aí à porta.