ImageDakar - A alegada intentona golpista supostamente frustrada entre 4 e 5 deste mês, na Guiné-Bissau, não passou de uma “encenação para justificar a caça às bruxas”, denunciaram segunda- feira oficiais acusados de implicação na presumível conspiração.

Para estes oficiais das Forças Armadas bissau-guineenses que exigiram o anonimato, o verdadeiro objectivo da fabricação de tal intentona é “legitimar” as acções de caça às bruxas em curso no país contra pessoas tidas como “verdadeiras ameaças a alguns interesses”.

Esta nova campanha teria iniciado com a morte, em Março passado, do Presidente João Bernardo “Nino” Vieira, e do chefe do Estado-Maior- General das Forças Armadas (EMGFA), general Tagmé Na Waié, disseram.

Segundo eles, os nomes dos supostos implicados no aludido “complot” tal como divulgados em Bissau correspondem, antes pelo contrário, a uma lista negra há muito preparada pelos mesmos elementos que comandaram a eliminação física de Nino Vieira e de Tagmé Na Waié.

Uma das razões avançadas para tal perseguição é, contrariamente às alegações dos Serviços de Informação do Estado (SIE) e do EMGFA, “a suspeição de que tais pessoas conheçam a verdade e os responsáveis pelas mortes de Nino Vieira e de Tagmé Na Waié”.

Noutros casos, disseram, trata-se ainda de potenciais candidatos a altos cargos executivos e militares na eventualidade da eleição de um novo Presidente da República, uma vez que “a configuração da lista de candidatos presidenciais ameaça a continuidade da actual superstrutura”.

Para reforçarem os seus argumentos, constatam que dois dos seus colegas visados na mesma lista encontram-se inclusive em tratamento médico no estrangeiro na sequência de ferimentos contraídos no ataque que vitimou mortalmente o Presidente Nino Vieira.

Trata-se de Domingos Indi e João Monteiro, dois antigos colaboradores de Nino Vieira que ficaram gravemente feridos e internados respectivamente em Paris (França) e Dakar (Senegal).

“Foi um autêntico descaramento. Como é que as pessoas podem partir para um golpe de Estado desarmadas, e instaladas nas suas próprias casas a dormir ou em hospitais?”, interrogou-se um dos oficiais contactados pela PANA, aludindo, nomeadamente, ao facto de um dos acusados, o candidato presidencial Baciro Dabó, ter sido surpreendido e abatido na sua residência quando dormia.

Por seu turno, o ex-ministro da Defesa Hélder Proença, acusado de ser o líder da alegada intentona foi abatido longe da capital, Bissau, na estrada que liga esta cidade à vizinha Dakar e juntamente com o seu motorista e o guarda-costas, idos desta última.

Por outro lado, as mesmas fontes consideram igualmente estranhas as razões que levaram a que o anúncio da referida intentona fosse “assumido” pelo director adjunto dos SIE, e a própria “intervenção” para frustrar o acto atribuída a uma “fictícia” Polícia Militar.

No seu entender, um acontecimento do género obrigava, quando sério, a que o seu anúncio dimanasse dum órgão com maior autoridade, como por exemplo o próprio ministro do Interior que tutela os SIE.

Além disso, acresentam, o cenário montado pode criar aos incautos a falsa impressão de que existe uma perfeita sincronia entre as forças de Defesa e Segurança e uma efectiva capacidade de intervenção para impor a ordem ou evitar a sua perturbação, “quando todos sabemos da falta de segurança geral e da facilidade e impunidade com que Nino e Tagmé desapareceram”.

Esta leitura coincide com a percepção de alguns actores da sociedade civil e cidadãos comuns bissau-guineenses, sobretudo internautas, que nas suas reacções tornadas públicas até agora manifestam indignação pelo que chamam de “mais uma vergonha nacional”.

Para muitos deles, enganaram-se redondamente as autoridades ou todos aqueles que pensaram que o povo guineense era tão parvo que iria acreditar “nesta patarata de tentativa de golpe de Estado”.

“A Guiné-Bissau tem um povo que pode até ser alegadamente passivo, mas daí a ser um povo estúpido, ainda existe uma grande distância!”, realça um dos artigos citados na Internet a propósito dos últimos acontecimentos no país.

O autor do texto identificado por Edson Incopté considera inadmissível que um grupo de homens das forças nacionais de Defesa e Segurança, “altamente preparados e armados até aos dentes”, cheguem à casa de alguém protegido por meia dúzia de seguranças e sejam incapazes de o prender vivo mas tenham de o matar a sangue frio porque resistiu.

O artigo é amplamente subscrito pelos demais internautas guineenses que dizem partilhar das suas posições no geral, à semelhança daquelas assumidas pelo activista cívico Fernando Casimiro “Didinho” no seu texto intitulado “Mais uma tentativa de golpe de Estado na Guiné- Bissau, que não passa de uma grande mentira”.

Entre os seus posicionamentos, Didinho, que diz acreditar que as mortes de Nino Vieira e Tagmé Na Waié estão relacionadas com o narcotráfico, adianta que, na verdade, argumentar uma tentativa de golpe de Estado na Guiné-Bissau “transformou-se em escola”, pois “legitima” matanças e acções repressivas contra alvos precisos.

Ele desafia os SIE que o tiroteio alegado no seu comunicado para justificar a morte de Baciro Dabó ou de Hélder Proença não foi testemunhado por ninguém e que, de igual modo, ninguém se apercebeu de qualquer tentativa de assalto às instituições do Estado.

Para ele, entre os alegados implicados estão altas patentes militares que poderiam, se as eleições ocorressem a 28 de Junho e por escolha do Presidente eleito, “serem convidadas para a chefia do Estado-Maior General das Forças Armadas”.

Didinho considera essa hipótese válida, independentemente de serem militares fiéis ao falecido Presidente João Bernardo "Nino" Vieira. “É que esses militares, estão acima de Zamora Induta (actual chefe inteirno) na hierarquia das Forças Armadas da Guiné-Bissau”, disse.

Também a Organização não Governamental “Reencontro Africano para a Defesa dos Direitos Humanos (RADDHO)” exprimiu a sua estranheza por constatar que todas as pessoas procuradas são próximas ou de Nino Vieira ou do candidato presidencial Malam Bacai Sanhá do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC, no poder).

A RADDHO diz recear que a situação de medo e terror reinante na Guiné-Bissau não seja propícia para eleições credíveis a 28 de Junho de 2009, como marcado, porque “estão reunidos todos os ingredientes para somalizar a Guiné-Bissau”.

Por isso, recomenda à comunidade africana e internacional a reunir o mais rápido possível os responsáveis políticos, militares e da sociedade civil da Guiné-Bissau a fim de examinar as medidas mais apropriadas “para salvar este país do naufrágio”.

 Fonte: Panapress