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 O “Maluco” que  se expressava em francês e inglês

Luanda - Era uma presença constante na baixa de Luanda, na rua Rainha Jinga. As roupas sujas e a barba cerrada de imensos dias, mal escondiam o seu brilho e elegância de outrora. Moisés da Silva Campos, que hoje vai a enterrar, viveu os últimos anos da sua vida dividido entre a lucidez e a confusão mental. Chamavam-no de “maluco”. Mas atrevemo-nos a dizer que Moisés Campos não era um louco. Talvez fosse um excêntrico, alguém que se tivesse esquecido de ser “convencionalmente normal”.

Era de uma memória fenomenal. Lembrava-se dos rostos e dos nomes dos colegas com quem trabalhou no Jornal de Angola nos anos oitenta e continuava a ser um leitor atento do jornal. Não era raro chamar a atenção, no passeio defronte às Edições Novembro, ao autor de um determinado texto para este ou aquele erro ou até para debitar um elogio.

As pessoas que com ele dividiram um tabuleiro de xadrez dizem que era um excelente jogador. Mas o que mais provocava perplexidade aos que frequentam com assiduidade a Rainha Jinga, nos arredores do Jornal de Angola, era o modo fluente, lúcido e coerente como Moisés Campos, o “Maluco”, se expressava em francês e inglês.

Foi revisor e tinha muita propensão para a escrita. Era possuidor de uma grande cultura literária, que o fazia mover-se à vontade na discussão de qualquer assunto.

Gerações de funcionários das Edições Novembro o tinham - e de facto era - como colega, companheiro, apesar de muito poucos terem efectivamente trabalhado com ele. Com a sua morte desaparece do centro da baixa de Luanda uma figura marcante cujo modo de existência, por si mesmo, era uma interpelação permanente às noções comuns de normal, anormal ou loucura.

Fonte: Jornal de Angola