Em muitos países africanos a cobertura total e incessante de todos actos sejam eles públicos ou privados – do chefe do Estado e seus familiares já é coisa do passado. No Quénia, por exemplo, já fi cou para trás o tempo em que o noticiário da televisão começava invariavelmente com as actividades do Presidente Arap Moi. Hoje, o actual Presidente, Mwai Kibaki, já não é alvo do mesmo tratamento. De resto, o Quénia avançou tanto que a televisão estatal tem um programa satírico em que o papel da primeira-dama, a nossa «conhecida» Lucy Kibaki é feito por um homem.

No entanto, no início do Governo Kibaki alguns intelectuais criticaram a imprensa por aquilo que consideravam como falta de deferência pela fi gura do chefe de Estado. O poeta e escritor Koigi Wamwere, que cumpriu várias penas de prisão por haver criticado os regimes de Jomo Kenyatta e Daniel Arap Moi, tornou-se no rosto principal daqueles que criticavam a imprensa. Para justificar a veneração que, no seu entender, a imprensa devia ao Presidente Kibaki, o poeta evocava a cultura bantu, que enfatiza a importância do rei e das fi guras mais velhas.

Essa extraordinária «metamorfose» de Wamwere deu-se depois que o Presidente Kibaki o nomeou vice-ministro da Informação. Lembrei-me do poeta e escritor Wamwere quando lia a defesa do Presidente José Eduardo dos Santos feita pelo o Dr. João Pinto na última edição deste jornal.

Confesso que do Dr. João Pinto, eu esperava uma defesa mais requintada e comedida. Mas o que li só merece a qualifi cação de bajulação. Em alguns momentos, o tom de bajulação do Dr. João Pinto fez-me recordar o Dr. Jorge Valentim e outros dissidentes que tentam agora afi rmar-se no MPLA louvando, de joelhos, a fi gura de José Eduardo dos Santos.

Segundo o Dr. João Pinto, o grande protagonismo do Presidente da República e os seus próximos na imprensa nacional não é sinal de culto de personalidade, mas uma manifestação do carinho e respeito que José Eduardo dos Santos goza.

O Dr. João Pinto argumenta que vários países veneram os seus heróis e cita os casos de Churchill, Keneddy, Estaline e Mao. Sim, a história regista casos desses. Churchil liderou a Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial e no ano passado foi votado como o britânico mais importante da história do país. Fazendo um exercício análogo, os portugueses votaram na fi gura de António de Oliveira Salazar. Porém, não devemos esquecer que Churchill perdeu as eleições logo depois da Segunda Guerra mundial.

Perdeu-as porque a maioria dos britânicos entendeu que embora tivesse sido um líder excepcional durante a guerra, Churchill não seria a fi gura ideal para conduzir o país no pós-guerra.

Na Grã-Bretanha há centenas e centenas de biografi as sobre Churchill e várias delas criticam-no severamente. Churchill é deplorado por alguns académicos por ter defendido uma espécie de eugenismo, que resultaria na esterilização daqueles que fossem considerados como sendo mentalmente fracos.

Nos Estados Unidos há canais de televisão que se dedicam somente à história americana. A avaliação da administração de John Kennedy é algo permanente. Para muitos, JK foi, sem dúvida, uma figura marcante da história americana. Mas mesmo as pessoas que o veneram nesta perspectiva, não se cansam de apontarlhe o dedo como um grande mulherengo. John Kennedy é também responsabilizado pessoalmente pelo fracasso da operação Baía dos Porcos. Nos últimos tempos, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros da Grã- Bretanha, David Owen, que é médico de formação, tem se esforçado por provar que John Kennedy não disse toda a verdade sobre a sua saúde.

Segundo o antigo chefe da diplomacia britânica aos problemas de saúde de Kennedy muitos e complicados. Ele assegura mesmo que Kennedy nunca seria eleito se o povo americano os soubesse.

Com estes «apanhados», quero somente sublinhar que em democracia ninguém escapa à avaliação dos cidadãos. Até mesmo os grandes heróis são avaliados, não porque as pessoas sejam motivadas pela inveja, mas porque as decisões que esses heróis tomam afectam vidas de milhões de seres humanos. Em determinado momento da história da União Soviética, Joseph Estaline pareceu ser um herói incontestável.

Porém, todos os que estudamos história sabemos como ele foi denunciado no 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética como um homem cruel. Hoje na China entre os livros mais vendidos encontram-se aqueles que analisam os tempos repressivos de Mao Tse Tung. Muitos chineses dão-lhe o crédito de ter ajudado a expulsar os invasores japoneses, mas condenam-no pela forma violenta como pretendeu implantar o comunismo.

Como vários intelectuais angolanos, o Dr. João Pinto «adorna» a bajulação a o José Eduardo dos Santos com uma extensa citação de livros. Percebeu-se, claramente, que ele fez isso apenas pata emprestar alguma autoridade aos seus argumentos. Os autores que o Dr. João Pinto citou certamente o processariam judicialmente se soubessem que as suas obras foram usadas para fi ns de bajulação a uma fi gura politica. Mas o Dr. João Pinto não se fica apenas pelas citações despropositadas: passa para o ataque. Diz que aqueles que criticam o Presidente José Eduardo dos Santos fazem-no empurrados pela inveja.

Quando chegou a esse ponto, o grande académico João Pinto desinteressou-se completamente dos argumentos daqueles que consideram excessiva a presença do Presidente da República na vida dos angolanos. Por essa razão é que chegou a conclusões infelizes.

Criticar o culto de personalidade não tem nada a ver com a inveja. Pareceu-me que aqueles que levantaram a questão no Semanário Angolense fi zeram-no tão-somente para chamar a atenção de que as várias perspectivas e tendências no país têm de ser consideradas para o enriquecimento da nação angolana. Parece que o Dr. João Pinto não percebeu nada do que estava em discussão.

Fonte: Semanario Angolense