Luanda - Analistas contactados pela Lusa consideram que o próximo Presidente angolano, que surgirá das eleições gerais de 23 de agosto, poderá enfrentar dificuldades em governar devido ao poder de José Eduardo dos Santos, que permanecerá como líder do MPLA até 2018.

Fonte: Lusa

"José Eduardo dos Santos quer afastar-se da Presidência, mas quer manter algum poder sobre a máquina do Estado e sobre o motor económico e político do país", declarou hoje à Lusa João Paulo Batalha, presidente da associação Transparência e Integridade.

Angola realiza eleições gerais, que escolherá o Parlamento e o Presidente no dia 23 de agosto, e que conta com a retirada de José Eduardo dos Santos de uma nova corrida presidencial, mas este irá manter-se como presidente do partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), presumivelmente até 2018.

Seis formações políticas estão a concorrer: MPLA, UNITA (União para a Independência Total de Angola), CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral), PRS (Partido da Renovação Social, FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e APN (Aliança Patriótica Nacional) - contando com 9.317.294 eleitores em condições de votar.

A campanha eleitoral do MPLA é liderada por João Lourenço, cabeça-de-lista e que concorre à eleição por via indireta para Presidente da República, sendo o sucessor indicado por José Eduardo dos Santos (no poder desde setembro de 1979) e provável vencedor da corrida presidencial, de acordo com as atuais sondagens.

"Haverá uma mudança histórica com a saída de José Eduardo dos Santos da Presidência, mas este foi um processo de sucessão gerido pelo próprio Presidente, com vontade que parece óbvia de manter algum poder nas sombras através da presidência do partido, que obviamente condicionará muito o papel do Estado" e do futuro Presidente, disse o responsável da Transparência e Integridade.

Para Batalha, que é licenciado em História, que já trabalhou como jornalista e acompanha as questões angolanas, este poder nas sombras materializa-se "através da permanência pessoas de confiança de José Eduardo dos Santos em cargos chaves, incluindo membros da sua família, na gestão de algumas empresas, como é o caso da filha Isabel dos Santos à frente da petrolífera estatal Sonangol e o filho José Filomeno dos Santos do Fundo Soberano angolano".

O presidente da Transparência e Integridade disse que "é difícil saber, nestas circunstâncias, que mudanças políticas, económicas e sociais verdadeiramente serão possíveis".

"Numa primeira fase, vai haver uma continuidade do poder e, depois, um distanciamento que vai correr após 2018 com a retirada de José Eduardo dos Santos de presidente do partido MPLA", disse Fernando Jorge Cardoso, economista especialista em estudos africanos.

"O novo Presidente da República, que muito provavelmente será o candidato do MPLA, vai ter pela sua frente, nos primeiros tempos da sua governação, uma situação em que não vai poder mexer muito na estrutura que lhe é deixada, porque que tem um contra poder exatamente ao lado, um contra poder real", disse Fernando Jorge Cardoso.

Segundo Cardoso, "as condições objetivas do país não vão dar margem de manobra ao novo poder presidencial para poder ganhar um `élan` (impulso) suficiente para resolver as questões graves que o país enfrenta e que não são possíveis de resolver enquanto a principal e quase única fonte de rendimento do Orçamento de Estado vier das receitas do petróleo".

"É um pouco difícil ter uma perspetiva do que vai acontecer diante de uma situação que nunca ocorreu, já que é a primeira vez que Angola vai a eleições e o Presidente, que esteve muitos anos no poder, não irá concorrer novamente ao cargo", considerou Eugénio Costa Almeida, investigador do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL).

Segundo Costa Almeida, "João Lourenço, quem o conhece diz que é uma pessoa cordata e inteligente, poderá tentar, discretamente alterar algumas linhas da política do partido", sublinhou Almeida.

"Se João Lourenço vai conseguir fazer estas mudanças ou não já é uma outra questão", diante do quadro de poder de José Eduardo dos Santos e do MPLA na máquina do Estado, acrescentou o investigador do CEI-IUL.

Para João Paulo Batalha, "são muitas incógnitas e são poucas as certezas. Não sabemos verdadeiramente qual é o programa de João Lourenço, o que quer claramente concretizar e nem sabemos muito bem como evoluirá a própria vontade do MPLA e o poder que José Eduardo Santos e alguns dos seus protegidos continuarão a ter".

"A vontade do atual Governo parece ser ainda de garantir a imunidade dos agentes envolvidos em corrupção. O que o novo Presidente, o novo Parlamento poderão fazer perante este estado de coisas também é uma incógnita", sublinhou Batalha.

Fernando Jorge Cardoso disse ainda que João Lourenço "é uma pessoa que vem de dentro do aparelho partidário (...), que é casado com uma ex-ministra das áreas económicas que atuou vários anos e que tem de facto um poder junto às elites da administração pública que é importante, tem também tem um peso político forte".

"Prevejo que haverá uma substituição que poderá ser gradual ou rápida, vamos ver como vai coexistir deste `dois poderes` durante este ano e pouco, mas estou convencido que nos próximos dois, três anos, nós vamos ter necessariamente um conjunto de modificações que o novo Presidente vai ter que implementar de maneira a ter o poder real, concentrado na Presidência da República", indicou Cardoso.

"Isso muito provavelmente vai significar o afastamento, não imediatamente, mas a médio prazo, de um conjunto de fiéis do atual Presidente José Eduardo dos Santos. Este é o cenário político que me parece ser o mais provável", referiu Fernando Jorge Cardoso.