Luanda - Consultor internacional, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-embaixador de Portugal na NATO ou Espanha, António Martins da Cruz participou nas eleições de Angola como observador indicado pelo presidente José Eduardo dos Santos e convidado pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE)

Fonte: DN

Que balanço faz destas eleições em Angola?

O processo foi muito positivo, porque foi transparente, democrático, com um trabalho de preparação muito bem executado. Fiquei mesmo impressionado com os meios tecnológicos postos à disposição das mesas eleitorais. Dou um exemplo: em cada uma das cerca de 12 mil mesas eleitorais havia, à entrada, um voluntário com um tablet tipo iPad a quem os eleitores iam perguntar qual a sua mesa de voto. Ele estava ligado a uma plataforma eletrónica da CNE, que indicava qual a mesa de voto... nunca vi isso em nenhuma eleição europeia. Além disso, as listas eleitorais nas mesas de voto tinham a fotografia de cada eleitor.

 

Esteve onde como observador e o que viu?

Visitei quase 40 mesas de voto em bairros populares de Luanda, os musseques. Falei com os delegados de todos os partidos que assistiam em cada uma das mesas à votação e nenhum indicou o mínimo incidente. E pude sempre falar com a maior liberdade com quem quis. Portanto, acho que o processo foi livre, transparente e limpo. Também assisti a uma sessão de escrutínio e ao contrário do que disseram em Portugal, que Angola ia alterar os resultados ou que o governo os ia alterar com o escrutínio eletrónico, aqui não houve isso. Os votos foram contados à mão na presença dos representantes de todos os partidos e dos observadores nacionais e internacionais.

Não havia observadores europeus...

Não havia do Parlamento Europeu. Estavam enviados da Comissão Europeia, falei com americanos, brasileiros, espanhóis, com antigos presidentes de Timor, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe. Havia muitas organizações não governamentais, os diplomatas das embaixadas acreditadas aqui em Luanda também andaram pelas mesas de voto. A própria embaixadora dos EUA sublinhou a alegria do povo a votar e a liberdade das eleições.

 

Qual o significado das eleições, que marcam a saída de cena de José Eduardo dos Santos?

Acho que se abriu um novo ciclo político em Angola e que estas eleições provaram que o multipartidarismo e os processos eleitorais entraram na rotina dos angolanos. O facto de estas eleições, tal como as anteriores, terem decorrido com naturalidade aumenta a credibilidade externa de Angola, não só no plano político mas também no plano económico. Ou seja, um investidor ou um financiador internacional, depois destas eleições, olha para Angola numa perspetiva de longo prazo e não numa perspetiva curta, com medo do que vai acontecer a seguir. E isso é bom para Angola, mas também para as sete mil ou oito mil empresas portuguesas que estão em Angola ou vendem produtos e serviços para Angola.

 

O MPLA perde 25 deputados face a 2012, enquanto a UNITA ganha 19. Isto traduz um juízo crítico dos anos finais da presidência de Eduardo dos Santos?

O resultado foi seguramente menos expressivo que nas anteriores eleições, mas é positivo para a vida política, para a estabilidade política e para a reconciliação depois de uma longa guerra. É bom que haja partidos da oposição com expressão significativa de votos porque isso também vai animar a vida política angolana e vai, sobretudo, dizer ao mundo que Angola não é a Coreia do Norte, que o governo não vence com 99,9%... o crescimento da UNITA e da CASA-CE é mais uma prova que as eleições foram livres e não manipuladas.

 

Qual o significado de a oposição ter pela primeira vez mais votos na província de Luanda? Ou em Cabinda?

É sinal que o multipartidarismo e que a democracia estão a ser consolidadas em Angola, que o governo não manipulou as eleições. Significa que funcionou a transparência haver províncias onde o MPLA não ficou em primeiro lugar.

 

O que pode esperar a comunidade portuguesa?

Os resultados são bons para Portugal, para a comunidade portuguesa que vive aqui, porque o processo eleitoral e pós-eleitoral desenvolveu-se em plena paz e tranquilidade... as eleições criam um horizonte de futuro, de estabilidade e isso permite aos portugueses trabalhar como permite normalizar a vida das empresas portuguesas que estão aqui e as que exportam bens e serviços. E seguramente que tem impacto nas relações bilaterais. Os responsáveis pela política externa portuguesa sabem exatamente quem é o interlocutor para os próximos cinco anos. Diria que agora, para dar uma nova dinâmica, a bola está no campo de Portugal.

 

Está como?

Se eu fosse angolano, estava à espera de ver quais são os gestos que Portugal tem em relação ao novo poder e ao novo executivo e quais são as propostas que irá fazer para dinamizar as relações bilaterais.

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