Bruxelas - A eurodeputada Ana Gomes convidou o ativista angolano Rafael Marques para debater as eleições com membros do Parlamento Europeu. Marques alertou para a manipulação dos resultados eleitorais.

Fonte: DW

Um grupo de deputados europeus, entre os quais a portuguesa Ana Gomes, convidou o ativista angolano Rafael Marques para uma audição no Parlamento Europeu, em Bruxelas. O objetivo foi um balanço das eleições angolanas de 23 de Agosto. Para Ana Gomes não resta dúvida que os resultados oficiais recém-anunciados - passe embora a perda importante de votos do partido governamental MPLA em relação ao escrutínio de 2012 - foram manipulados.

DW África: Quais foram as informações passadas ao Parlamento Europeu por Rafael Marques?

Ana Gomes (AG): O Rafael Marques chamou a atenção para a grande responsabilidade que recai sobre a União Europeia, mas também sobre diversos países europeus, e em particular Portugal, em dar a voz àqueles que na sociedade angolana lutam contra a atual situação de cleptocracia. Realçou ainda que os canais europeus financeiros e económicos são utilizados para desviar de Angola o dinheiro e os recursos que pertencem ao povo angolano e que deviam ser canalizados para os sistemas de saúde, educação, etc. Portanto, chamou a atenção para a extraordinária responsabilidade que os europeus e Portugal entre esses europeus têm, para que sejam exercidos todos os controles para isto não continuar como tem sido até aqui, em que o nosso sistema económico e financeiro tem serviço de lavandaria para a cleptocracia.


DW África: O ensejo desta audição foram as eleições angolanas. O que é que o Rafael Marques disse a propósito?
AG: O Rafael Marques considerou que as eleições foram roubadas. É isso que toda a gente em Angola está a dizer. Discutiu-se também as implicações para o futuro. Por um lado, o que vai fazer a oposição. O Rafael Marques explicou que a oposição está numa situação muito complicada. Embora tenha sistematicamente, de forma unida, denunciado esta manipulação, a verdade é que a oposição vai ser confrontada com a decisão de assumir ou não lugares numa assembleia que sabe que não correspondem ao voto dos cidadãos angolanos. Por outro lado falou-se da cobertura internacional e de como o processo foi também claramente manipulado com a conivência de muitos mídia internacionais no fundo ao serviço de interesses que não são os do povo angolano.


DW África: A UNITA anunciou que vai impugnar as eleições. Um processo que não se adivinha fácil.
AG: Exatamente, esse é o tipo de dilema que se põe. O Rafael Marques explicou que o discurso do partido no poder é tentar encostar a oposição a qualquer atitude de recusa dos resultados a um regresso à guerra. O que é obviamente inaceitável. Ninguém quer a guerra em Angola. O Rafael Marques chamou a atenção que se há alguém que tem intuitos de semear a violência e a confusão no país, é o próprio partido no poder, exatamente para ofuscar a situação criada, que é a ostensiva manipulação dos resultados eleitorais.

DW África: Qual é a posição que o Parlamento Europeu assume em relação ao que se passou em Angola?
AG: Bom, o Parlamento Europeu ainda não tomou posição. Apoiamos a Alta Representante (Federica) Mogherini quando ela fez uma declaração, depois dos primeiros anúncios dos resultados por parte do partido no poder, sem que esses resultados resultassem de uma contagem devidamente observada, quando ela chamou a atenção que esperávamos transparência no processo. Mas infelizmente não é isso que vimos estar a suceder.


DW África: A UE não esteve presente como observadora nas eleições angolanas.
AG: O Parlamento estava preparado para apoiar e participar numa missão de observação eleitoral, que a União Europeia quis mandar a Angola e que foi inviabilizada pelas autoridades angolanas. Exatamente porque sabiam que a metodologia da EU em matéria de observação eleitoral implicava ter acesso e controlar todo o processo da contagem. Foi certamente por isso que o MPLA não aceitou o memorado de entendimento que a UE exige a todos os países onde vai observar eleições.


DW África: Como avalia a prestação dos observadores eleitorais internacionais no terreno?
AG: Infelizmente muitos dos ditos observadores internacionais que foram a Angola não são de facto observadores eleitorais, nem vão enquadrados em organizações que tenham metodologias sérias de observação eleitoral. Foram turistas eleitorais. Foram lá fazer um jeito ao poder. Nem fizeram exigências no sentido de garantirem a sua observação isenta. E de resto as suas observações cingiram-se na maioria ao dia da votação, que correu manifestamente bem, ninguém o contesta. Mas o que importa é o que se passa antes e depois.


DW África: Chegou-se a conclusões nesta audição?
AG: Uma das constatações que aqui foi feita hoje é que a posição do novo presidente (angolano) é de grande fragilidade em virtude da falta de credibilidade do processo. Isso ai naturalmente afeta muito a sua capacidade de liderar o país. Também acoplado ao facto de o Presidente José Eduardo dos Santos permanecer presidente do partido no poder, a controlar tudo o que João Lourenço possa fazer.