Lisboa - As eleições gerais em Angola não foram livres, transparentes e nem justas. É o que considera Pedro Coquenão, no dia em que um grupo de angolanos na diáspora, analisou o processo eleitoral angolano.

Fonte: DW

O músico luso-angolano, Pedro Coquenão, que também se apresenta como artista plástico, aponta alguns exemplos de situações obscuras, nomeadamente de ilegalidades ocorridas durante o período de votação, mas reconheceu que caberá à justiça o papel de averiguar a legitimidade ato eleitoral.

No dia em que um grupo de angolanos na diáspora, ligados à Plataforma de Reflexão, analisou o processo eleitoral angolano, em conferência de imprensa (15.09.) em Lisboa, Pedro Coquenão, também conhecido por BATIDA no plano musical, disse em entrevista à DW África que esperava mais destas eleições gerais, depois de muitos anos de permanência do MPLA no poder.


DW África: Que leitura ou que avaliação faz destas eleições gerais, que deram vitória ao Movimento Popular de Libertação de Angola e a João Lourenço?
Pedro Coquenão (PC): Eu acho que, quando falamos de assuntos relacionados com Angola, todos tentamos sempre manter a maior sobriedade possível, tentamos encontrar sempre um bom senso nas coisas. Mas na realidade os estímulos que temos são quase sempre esquizofrénicos, pelo menos no meu caso. Há sempre quase que uma derrota à partida no que toca a tudo que sejam expetativas, por um lado, mas depois não sei se é algo que tem a ver com a identidade angolana ou se é mesmo meu. Mas acho que não. Nós tentamos sempre ter esperança. Tentamos sempre achar que as coisas podem ser melhores do que aquilo que parecem ou do que têm sido até agora. E na realidade, as coisas, com o tempo, têm tido pequenas evoluções. Eu acho que, o que talvez nos tira alguma energia é que já são muitos anos. Quer dizer, são os anos da minha vida. Há muita gente que já nasceu e morreu. E continuo à espera de um dado um bocadinho mais consistente.


DW África: A expetativa era por uma viragem ou mudança na liderança de Angola?
PC: Não! A expetativa de ser qualquer coisa que seja mais consistente. Ou seja, que não seja sempre relativo. Aquela coisa de levares com comentários de políticos de fora de Angola a dizer que "para eleições africanas correu muito bem; no contexto africano até foi bastante pacífico”. Quer dizer, eu pessoalmente não me satisfaço com este tipo de elogios, porque me parecem sempre elogios disfarçados de um paternalismo que temos que dispensar e que já devíamos ter dispensado na altura da independência. E acho que continuamos todos à espera dessa independência que se afirme; uma independência que projeta essa ideia de toda a gente caber nesta Angola, incluindo as pessoas de fora, pessoas de todos os quadrantes poderem votar, e todas as opiniões serem bem vindas. Não sei se isso foi um engano no lançamento do que seria a nova Angola, mas sempre cresci com essa ideia.

DW África: Independência mas também a democracia, não é?
PC: Independência e democracia. A certa altura sempre houve ali o monstro da guerra latente e que, de facto, justificava praticamente tudo porque não havia como praticar uma vida normal com a guerra. Não havia como regressar, não havia como sair, não havia como evoluir. Entretanto, já se passaram muitos anos e já houve vários processos eleitorais e ficamos sempre à espera de um bocadinho melhor. Pode-se sempre fazer uma análise super otimista e dizer que, mesmo desta vez, a oposição está um bocadinho mais ativa mas ao mesmo tempo também já não há propriamente esse fantasma de uma reação da oposição ser algo que possa ser uma ameaça à paz porque acho que já ninguém acredita nisso. Portanto, isso são pequenas evoluções, mas depois na prática o que todos nós precisamos – e precisávamos antes das eleições – era para já, para quem gosta de desporto, é ir ver um jogo de futebol que garanta segurança e que tenha água corrente no estádio. É o básico. E uma relva também sem buracos. Mas é bom chegar a um jogo e não saber, à partida, que o resultado já foi anunciado antes do jogo se jogar. Ou que o árbitro é um árbitro que está comprometido com uma das equipas e isso é claro para toda a gente. Esse tipo de viciar do jogo tira o gozo todo a quem gosta de desporto e não gosta só de ganhar. Acho que só há uma vitória para cidadãos angolanos quando nós sentirmos que ganhamos pela evolução e não porque foi ganho ou na guerra ou pelo dinheiro que compra novos riquismos, mas porque sentimos que temos um bom fio de jogo. Que a equipa dá. Eu diria até que qualquer adepto de bom futebol lida bem com um empate ou até com uma derrota com umas boas bolas ao poste porque se tentou ganhar.


DW África: O Tribunal Constitucional validou as eleições gerais, confirmando a vitória do MPLA e de João Lourenço, e considerou improcedentes as reclamações dos partidos da oposição face a eventuais ilegalidades. Acha que há volta a dar?
PC: Tudo terá de entrar no campo da justiça e as coisas terão de ser provadas. A mim, pelo que eu vi, tal como em eleições anteriores, que há sempre provas e coisas que são claramente obscuras. Que são estranhas. Fenómenos de pessoas que não estão vivas votarem, mudanças de mesa de voto a última da hora, falta de representantes [dos partidos da oposição] em todo o lado. Ou seja, mais do que estar a dizer se isso é verdade ou não – que isto agora não é o que interessa – acho que é do interesse de todas as pessoas envolvidas no processo – até mesmo alguém que seja do partido que ganhou nos últimos anos e que está no poder – é importante para esse partido ganhar de uma forma categórica. Não ter constantemente essa suspeita. Era o mínimo de dignidade do partido que está no poder querer mais do que qualquer outro ganhar dessa maneira. E da mesma forma que acho que do outro lado – as equipas que têm tentado organizar-se e fazer um bom trabalho de oposição – penso que esta é mais uma oportunidade, não é a última. A democracia tem poucos anos mas já tem anos suficientes para já ter idade para ter juízo. Tem que haver uma altura em que as pessoas se afirmam. Tem que haver uma altura em que uma pessoa se torna homem, se torna mulher, se torna adulta. E Angola precisa de se tornar adulta no que toca ao sentimento do que é justo, do que é digno e claro para todos. Mais do que quem é que ganha, como é que se ganha por este ponto ou por outro, acho que todos nós precisamos mesmo muito de sentir que há justiça e transparência nas coisas. A democracia é assim. Podemos não concordar com os resultados , mas era muito importante que o ato eleitoral fosse transparente, que fosse justo, e que parecesse transparente e que parecesse justo.

DW África: O que é que os artistas, como Batida, podem fazer face a esta situação? Será que são ouvidos?
PC: Podem fazer coisas tão insignificantes como uma peça de arte que vou ter aqui [no Festival Iminente, em Oeiras] durante este fim de semana, que é essencialmente uma impressão da Constituição Angolana – não é uma cópia oficial – chamuscada, a que lhe chamo "Reconstituição de Angola”. Do ponto de vista mais poético ou o que for, continuo a achar que nós temos ou de começar ou de recomeçar uma série de pensamentos. Temos que voltar muitos anos atrás e perceber o que é que se perdeu entre esses anos e agora. Perdeu-se muita coisa. Então, eu recuso-me a aceitar as coisas como elas são para o bem do pragmatismo e de uma estabilidade que é podre.

DW África: Será que a vossa mensagem é ouvida ou tomada em consideração por quem de direito?
PC: Enquanto pessoa, cidadão, artista, seja o que for, gostava muito, depois de ter visto tantos artistas a manifestarem-se, de ver pessoas que não têm aspirações político-partidárias, outras que até podem ter, mas muitas que não têm; muitas mães irem para a rua aclamarem; muitas pessoas a queixarem-se todos os dias e a sofrerem com a falta de meios de subsistência, de bens básicos que todos precisamos. A esta altura isso está a acontecer, cada dia em que se demora a tomar posse, cada dia em que o Governo demora a poder começar a governar, em que a oposição demora a afirmar-se é um dia que nós perdemos de vida, de esperança, de crença e de energia como povo. Então, eu pessoalmente estou à espera que a oposição faça a sua parte. E, se acreditam tanto nas injustiças e nas coisas que dizem publicamente, que assumam. Se forem verdade que as levem até as últimas consequências, de justiça. Se não for, que lidem com as consequências. É só ser firme. Esta é altura para ser firme sem qualquer tipo de vírgula, obviamente sempre numa lógica de bons comportamentos cívicos, pacíficos e democráticos. Todos os políticos, pelo menos aqueles que estão envolvidos no processo eleitoral, são privilegiados. Portanto, se alguma coisa correr mal para o lado deles, perderem o emprego, seja o que for, podem sempre ir trabalhar para outro lado. Os 99 por cento de angolanos que vivem neste momento em Angola – os que vivem fora gostavam de poder votar e gostavam de poder falar do seu país com mais orgulho – mas os que vivem lá são os que nos preocupam mais. São pessoas que não podem passar mais um dia sem cuidados básicos de saúde, sem água. E quanto mais tempo se demorar a ter essa ideia de esperança, as pessoas vão viver mais um dia ou perderem uma oportunidade de resistirem e de continuarem a acreditar no projeto de país, que é Angola.


DW África: E a comunidade de angolanos no exílio, acha que ela pode ter uma papel mais visível, de maior pressão e de reivindicação, apesar de não terem direito de voto?
PC: Estamos todos, se calhar na expetativa, cada um a fazer a sua coisa pelo seu lado e acompanhando e vendo como é que as coisas correram. Acho que todos os angolanos estiveram muito atentos, a quererem saber tudo sobre o que é que aconteceu agora. O que é que se passa em relação aos resultados? Mas depois caímos também numa forma de estar, por vezes até nos é prejudicial, que é quando tu sentes um certo tom de gozo, às vezes até de brincadeira, já está implícito um aceitar de que as coisas são mesmo assim. Então, quando começam a sair notícias estranhas de coisas estranhas que se passam no processo eleitoral, há muita gente que encolhe os ombros. Mas, tirando esse cansaço e esse gozo, tirando o que quer que seja, eu acho que todos os cidadãos estiveram mais atentos do que nunca a estas eleições. Porque eu acho que estas eleições tinham potencial mais do que tantas outras de serem um pouco mais verdadeiras, se calhar por ter havido um escrutínio maior até por parte da sociedade civil, por ter havido uma observação maior. Vamos acreditar que o processo é transparente, porque a democracia também é feita disso. É feita de uma sociedade civil que é atenta e consegue fazer o nível de democracia subir. Acho que nos últimos anos assistimos a isso, a uma ação e reivindicação cívica de pessoas dentro e fora do país a exigirem um pouco melhor. Eu acho que isso transformou este processo eleitoral se calhar com um bocadinho mais de qualidade do que os anteriores, apesar de partir de dados muito viciados. Eu acho que as pessoas têm feito coisas, fizeram muitas nos últimos anos, e agora é o momento de políticos à frente dos partidos chegar-se à frente. Os cidadãos, o que têm de fazer, é manifestarem-se cada vez que lhes aparece um microfone à frente e dizerem que não estão resignados e estão à espera de uma posição firme seja lá qual for, pela justiça, pela transparência e pela esperança que nós todos temos que ter e precisamos de sentir em relação ao país.


DW África: Com o fim da era de José Eduardo dos Santos, não será melhor dar uma chance ao novo Presidente da República, João Lourenço?
PC: Mais do que João Lourenço acho que é importante dar uma chance a todos os angolanos. O João Lourenço não precisa de chances, ele deve ter a vida feita como quase todas as pessoas que estão associadas ao poder. Isto não é uma questão de poder nem é uma questão das pessoas mostrarem, ao fim de tantos anos de vida, que são eficientes ou não. Ele certamente terá que ser eficiente e terá tido o seu valor para chegar aonde chegou. Não acredito nisso. E quem o subestimar pode incorrer no mesmo risco que incorreu quando subestimou o anterior Presidente. Portanto, eu não tenho que dar hipótese nenhuma ao novo Presidente. Eu tenho que dar hipótese a todos os angolanos. Sinto que todos nós e os que estão lá têm que acreditar mais naquilo que estão a ver.


DW África: A chance é no sentido de saber se ele agirá, de facto, como o Presidente de todos os angolanos…
PC: Sim, é o que foi escolhido. E se foi o escolhido, se numa próxima ação eleitoral ele vai ser objeto de escrutínio popular ou não ou se vamos ter outra vez um processo eleitoral todo ele muito torcido. Então, nós ainda estamos a jogar, estamos a ver a situação e não podemos já deixar a caravana passar. Temos que reclamar e, depois de tudo passado e tudo ser limpo, aceitar seja quem for que ganhou e acima de tudo dar hipótese aos angolanos todos. O foco tem que ser o todo, não pode ser um indivíduo. Este foi o grande erro dos últimos anos. Não é um indivíduo que muda as coisas. É a sociedade como um todo.