Luanda  - Votei vencida por considerar que o Acórdão deste Tribunal não dá tratamento devido a algumas das questões que relevam do recurso apresentado pelo partido PRS (Recorrente), que apesar de não ter formulado um pedido concreto a esta Corte, elenca matéria que cabe no âmbito do contencioso eleitoral.

Fonte: Club-k.net

ACÓRDÃO Nº 459/2017 (PRS)
DECLARAÇÃO DE VOTO

O importante no presente recurso é considerar que o Recorrente veio apresentar ao Tribunal Constitucional um conjunto de questões que põem em causa o cumprimento de normas de procedimento relativamente a etapas do processo eleitoral que se prendem com o credenciamento de delegados de lista, deslocação de eleitores em certos círculos eleitorais, disparidade de contagens de voto, prejuízo na distribuição de mandatos, vícios no funcionamento das Comissões Provinciais Eleitorais, CPE’s, e no apuramento provincial, argumentos que, por sua vez, foram contra-alegados pela Comissão Nacional Eleitoral, CNE, (Recorrida).

 

Entendo, por isso, que o quadro desenhado configura um conflito eleitoral com toda a complexidade e delicadeza que se manifesta, quer pela multidisciplinaridade de assuntos que comporta, quer pela pluralidade de sujeitos que intervêm, não só pela pluralidade de interessados mas também pela necessidade de se dar resposta à questão fulcral das eleições que se traduz na legitimação democrática para o exercício do poder político, num contexto multipartidário.

 

Por esta razão entendo dever salientar, em face da conflituosidade que tem caracterizado as eleições em Angola, que a autenticidade, justeza e transparência do processo eleitoral deve radicar, acima de tudo, na acção desenvolvida pela Recorrida, o órgão que organiza, executa, coordena e conduz as eleições e do qual se exige o estrito e rigoroso cumprimento das disposições constitucionais e legais. Impõe-se, por outro lado, que, enquanto órgão da administração independente, assegure a protecção da confiança e a segurança jurídica que assiste aos sujeitos eleitorais activos e passivos.

 

Nesta compreensão se insere a sua actividade de cariz regulamentar que, como pude constatar, data de escassos dias das eleições resultando daí situações incontroláveis e dando azos à especulação, oportunismos e a subjectivismos, traduzindo uma praxis que não abona para a distensão política necessária num domínio tão complexo como é o eleitoral. É neste âmbito que foi aprovada a Directiva nº 8/17, de 18 de Agosto, que regula os procedimentos de transmissão das actas e entrega de material de votação às Comissões Provinciais Eleitorais (CPE, s), pela via mais rápida, devidamente certificada pela CNE.

 

Ora, entende este Tribunal que, em conformidade com o nº 2 do artigo 123º da Lei nº 36/11, Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, LOEG, a Directiva veio fixar apenas o sentido interpretativo de via mais rápida, devidamente certificada pela CNE, estabelecendo a simultaneidade de remessa das actas síntese das Comissões Municipais Eleitorais (CME’s) para as CPE’s e para a própria Recorrida, o que permitiu, por essa via, fazer o apuramento provisório dos resultados eleitorais apenas com base na informação remetida pelas CME’ s.

 

Sobre esta questão reitero a posição firmada na minha Declaração de Voto, a propósito do Acórdão 458/2017, em que considero que da Directiva não se retira uma tal interpretação, na medida em que é a LOEG que fixa nos seus artigos 123º e 124º, em particular, a sequência de procedimentos a observar com vista à transmissão dos resultados eleitorais. A fixação do sentido interpretativo, como reflectido no Acórdão, caberia, aí sim, ao legislador e já não à Recorrida, sob pena de inconstitucionalidade. Acresce enfatizar que a natureza provisória dos resultados, pelo facto de o serem, não é pressuposto da realização do apuramento da votação à revelia do que estipula a lei, ainda que possa não afectar a verdade eleitoral expressa nas urnas. A não observância dos procedimentos legais é sinónimo de ilegalidade. Na defesa da legalidade não tem de ser demonstrada qualquer lesão ou ameaça mas tão-somente que houve uma qualquer infracção das normas legais.

 

Por outro lado, em face das contra alegações apresentadas pela Recorrida e do material probatório submetido à apreciação desta Instância pelo Recorrente, o Tribunal Constitucional conclui terem sido superiores os resultados eleitorais atribuídos ao Recorrente pela Recorrida nos onze círculos eleitorais cujas actas das operações de voto foram entregues a este Tribunal. Esta conclusão foi, todavia, produzida sem o apoio das actas do apuramento dos votos das mesas das assembleias em posse do competente órgão da Recorrida.

 

Entendo que o Tribunal deveria ter exigido as actas para confrontá-las com as submetidas pelo Recorrente e, deste modo, formar melhor a sua convicção em torno da realidade objectiva dos factos, dentro dos limites do princípio da livre apreciação da prova.

 

Este Tribunal não só não exigiu que a Recorrida sustentasse, com os devidos meios de prova, os resultados atribuídos ao Recorrente, como também não retirou qualquer consequência deste facto, o que se afigurava imperioso, ante a natureza do contencioso eleitoral, domínio em que está em causa o direito fundamental de voto, direito por meio do qual se legitima democraticamente a conversão da vontade política em posição de poder e domínio, estabelece-se a organização legitimante de distribuição de poderes, procede-se a criação do pessoal político e marca-se o ritmo da vida política de um país, como ensina o ilustre constitucionalista J.J. Canotilho, em Direito Constitucional e Teoria da Constituição e como já antes citamos em outras declarações.

 

Como também venho defendendo em anteriores declarações sobre as eleições gerais, este Tribunal não deveria furtar-se a tomar decisão sobre a constitucionalidade, o valor legal e as consequências dos actos praticados por todos os intervenientes no processo eleitoral. No caso em apreço, estavam em causa um total de 8.247 actas, correspondentes a igual número de mesas de voto, ainda que deste número se retirem as 688 actas insusceptíveis de ser validadas, pelo que importaria avaliar, por recontagem de votos, em que medida a desconformidade dos resultados verificados influenciou ou não o resultado geral da eleição. De notar que o artigo 161º da LOEG fere de nulidade a votação que resulta de irregularidades que possam influenciar substancialmente o resultado geral da eleição.

 

A legitimidade para o exercício do poder político, ante a natureza do próprio Estado democrático de direito, não se compagina, pois, com um processo eleitoral que possa estar eivado de suspeição, devido a uma praxis recorrente no sentido de aplicar e interpretar as normas que o regem de modo desadequado às exigências que decorrem da força dirigente do direito fundamental de votar e de ser eleito.

 

Além disso, o permanente juízo de suspeição em torno do pleito eleitoral, ao invés de fortalecer o exercício da democracia participativa, desincentiva-o, o que em nada contribui para reforçar os laços que ligam os cidadãos e cidadãs à comunidade política em que estão inseridos e, independente de poder ser aferido ou não pelo índice de abstenção registado nas eleições gerais, constitui o cerne da titularidade da soberania.

(Imaculada Melo)