Luanda - O porta voz do MPLA, Norberto dos Santos, sem tabus. Concorda com a afirmação segundo a qual o MPLA terá, de Setembro para cá, perdido muito do seu capital político e da sua influência junto dos angolanos? Não, não concordo. Porque o MPLA, depois das eleições, teve de transformar o seu programa eleitoral em planos concretos de governação, formar governo, organizar-se no parlamento.

As questões sociais estão a ser tratadas,
não se resolvem de um dia para o outro

Ao mesmo tempo tivemos o cuidado de partir ao encontro das populações para agradecer a confiança que em nós depositaram e dizer que iríamos transformar aquela confiança e responsabilidade para podermos cumprir com as nossas promessas eleitorais. Elaboramos os programas e, como se tem estado a ver, apareceu, logo em Janeiro, a crise. Aí o MPLA procurou fazer com que o Governo encontrasse os melhores mecanismos para lidar com a crise. Não foi por mero acaso que o governo aprovou um programa que se adaptasse a crise financeira e económica que afecta Angola e outros países. Mesmo ao nível das nossas bases, estando a preparar o nosso congresso, fizemos chegar indicações com base no programa do governo sobre a crise, para se saber a situação dos país e a necessidade das medidas para o país enfrentar a crise económica e financeira.


O que temos agora, portanto, é um reajustamento face à crise e não um virar de costas do MPLA às suas próprias promessas?
Nem pode haver um virar de costas. A nossa forma de estar, de nos organizarmos, foi sempre a de estar junto dos cidadãos, nos momentos bons e nos momentos mais delicados. Temos é o dever e a obrigação de ir explicar porque não estamos a cumprir com algumas promessas. Mas mesmo nesta revisão do OGE, as metas sociais não foram modificadas, há zonas em que se fizeram ligeiras alterações para justificar outros itens do orçamento, mas o MPLA teve o cuidado de pedir ao governo que, apesar da crise, não se mexesse em áreas fundamentais como a saúde, educação, água, energia, onde, em alguns casos, como na água e energia, se prevêem novos investimentos. Mas devemos ter em conta que as coisas não acontecem de um dia para o outro. Estamos a rever o orçamento que será votado no dia 28 de Julho, a partir daí o governo terá os instrumentos para aplicar as medidas necessárias. Temos consciência de que a redução em cerca de trinta e cinco por cento daquilo que era o orçamento normal, apresentado no fim do ano passado, já não será a mesma coisa, tem outras exigências. Mas é preciso dizer-se também que é importante dar-se continuidade àquelas obras que no período eleitoral foram tidas, e acusavam-nos, de serem obras para a campanha, mas tivemos o cuidado de mostrar que muitas eram acções estruturantes e continuam a sê-lo, e estão em curso, no domínio das infra-estruturas. Temos de reconhecer alguma quebra neste ou naquele sector mas no conjunto não vai diminuir o objecto principal que é resolver os problemas.


Em consequência da política do ordenamento urbanístico, e tendo sido feitas, há poucos dias, algumas demolições. Aceita a provocação se se disser que o MPLA está a trocar o programa de construção de um milhão de casas pela demolição de um milhão de casas?
Não. Não é verdade. Quando foi feita a interpelação parlamentar à governadora e de Luanda, e ministra sem pasta, a posição do MPLA foi clara. Primeiro é preciso que nestas situações, antes de se passar às ocupações anárquicas, até de zonas de reserva do Estado, é preciso que se criem condições para demover as pessoas e colocá-las em lugares. Por outro lado, é preciso ter-se em conta a questão da autoridade do Estado. Em alguns casos, sabemos que estas deslocações não são normais, são provocadas, são feitas, são orientadas. Temos casos em que você passa hoje por um local, não há lá nada, mas de madrugada, se volta a lá passar, encontra já os casebres …


Quem orienta?
Vocês os jornalistas sabem bem … Olhe que não sabemos Sabem, mas nessa madrugada são feitos os casebres e no dia seguinte você encontra lá a bandeira do MPLA. Isso mostra que a coisa é muito bem montada. Toda a gente sabe que esta deslocação da população foi feita propositadamente para criar embaraços. Temos de fazer a gestão disso, porque a Lei Constitucional diz que cada angolano é livre de viver em qualquer parte do território nacional, o que temos de fazer é com que ele viva de forma legal, não pode viver de forma ilegal. Se colocarmos a autoridade do Estado em causa pode perder-se o controlo das coisas. É preciso que os cidadãos não ocupem áreas destinadas às acções do Governo, as áreas de risco, em que põem em causa a sua saúde e a sua vida. Pretendemos é que as populações tenham vida condigna. Ouvimos ONGs lá fora a falar da na destruição de casas, como se se tratasse tudo de casas de luxo, é preciso dar a informação certa, destroem-se casebres, construídos as pressas em zonas de risco e em zonas reservadas. O que o Governo está a fazer, em paralelo, é cumprir o programa de construção de habitações condignas e vai apoiar a auto-construção dirigida, loteando terrenos e permitindo o acesso aos materiais de construção.


Aí é que está o problema, os materiais de construção estão caros.
O acesso será feito de forma bonificada, o próprio ministro do comércio fez referência a este projecto que será gerido pelo Nosso Súper. Este é um programa que vai demorar algum tempo, mas está a andar. Devemos mobilizar-nos todos para que o programa tenha sucesso e as pessoas vivam com dignidade. Há um outro aspecto que pode manchar a imagem do MPLA que é a assistência médica.


Há dias morreu uma jovem à porta da TPA depois de lhe ter sido negada assistência numa unidade pública. O MPLA e o governo que suporta esqueceram-se esta parte?
Não, não nos esquecemos. Quem ler o nosso programa verificará que todas estas áreas estão contempladas. Temos de ter em conta o que disse o Presidente da República que foi, mais ou menos, nesses termos: Precisamos de mudar a mentalidade. Todo o esforço que estamos a fazer tem de ser correspondido com o suporte humano. Estamos a tratar de melhorar os hospitais, as escolas, equipá-las, criar condições para que os cidadãos sejam bem assistidos, agora temos de fazer com que os funcionários, as pessoas que estão a frente dessas instituições mudem de mentalidade e passem a ver nas pessoas que têm de tratar, assistir, uma obrigação, porque o Estado paga-lhes para desempenharem este papel. Neste caso concreto o MPLA vai tomar alguma posição? A posição já foi tomada pelo governo. A nossa posição é de condenação, não poderia ser de outra forma.
Como é que um cidadão morre porque lhe negaram assistência num hospital público? Estamos de acordo com as medidas que o governo está a tomar, ao instaurar um inquérito para se saber o que se passou, o que se passa, e as condições de organização, não só deste hospital mas de todos os outros hospitais em território nacional. Temos também questionado, sobre estes grandes investimentos que o estamos a fazer, para benefício do cidadão. Se não cuidarmos da questão da gestão e da administração destes bens, daqui a algum tempo vamos ter dificuldades. O Governo terá de encontrar gestores capacitados, com formação. Não digo que um médico não possa fazer grande coisa, mas não se pode obrigar um médico com formação de estomatologista, cirurgia, medicina interna, a fazer a gestão burocrática, algumas vezes.

 

Tudo isso passa por um debate interno no MPLA, o partido que diz ter quatro milhões de membros e que está em todas as esferas do país …
O que lhe digo é aquilo que o MPLA está a transmitir para que o Governo faça. São indicações do MPLA, a questão da gestão. Falei da saúde como posso falar da gestão dos complexos escolares que estão a ser feitos e equipados por todo o lado, mas se nós não mandarmos formar, em paralelo, gestores e administradores naturalmente que as coisas se vão degradar. Esta é mais uma vertente do trabalho que o governo terá de cuidar e estará a cuidar, sob pena de termos os equipamentos degradados, daqui a algum tempo, se isso não for feito. Vão começar a desaparecer peças importantes para tratar e ensinar. Os servidores públicos devem trabalhar de acordo com as regras estabelecidas. Felizmente o MAPESS está a conduzir um programa que fará com que o funcionário.

 

A Segurança alimentar é tão importante quanto a defesa da soberania


E o campo, a aposta é fixar as pessoas?
Claro, senão vem toda a gente para as cidades e não haverá como suportar a pressão. Mas para isso temos de levar o desenvolvimento ao campo, é o que estamos a fazer. Para que a escola fique perto, levar a energia, a água e melhorar o programa de desenvolvimento rural que tem experiências piloto aqui na província do Bengo, com construção de casas, que será expandido para o resto do país. Aliás, na conferência sobre a agricultura percebeu-se que se trata de um programa integrado que quer melhorar a produção e acabar com a produção de auto-suficiência que muitas vezes nem isso resolve. Já estão a ser recuperadas e construídas novas valas de irrigação, estão a ser distribuídos tractores para que o cidadão, em cooperativas, associações, ou até individualmente, tenha as terras abertas, tratadas, para o seu trabalho.

A segurança alimentar é uma questão tão importante quanto a defesa da nossa soberania. Nós não podemos continuar a importar produtos que podemos produzir aqui. Se for ver agora no orçamento, os valores que se gastam a ir buscar batata, cebola, tomate, bens que produzimos aqui e podemos aumentar, qualquer dia passa a ser um escândalo. Temos de cuidar deste programa neste quadro: produção; melhoria das condições das populações nas áreas rurais; e a comercialização dos seus produtos. Temos é de levar para lá os inputs agrícolas para que o camponês possa ter condições para trabalhar.


Levar dinheiro ao camponês, portanto …
A comercialização no campo, eu defendo, e o MPLA o defende, é que não pode ser feita de forma sazonal, o camponês pode ter produtos para vender no dia A e no dia B, assim como tem necessidade de comprar produtos todos os dias. Temos de fazer voltar o comércio retalhista ao campo, como se fazia no tempo colonial. Mas naquela época quem fazia o comércio eram os portugueses, quando o abandonaram criaram um vazio .


E hoje temos outros estrangeiros a dominar o comércio retalhista
Mas isso por culpa dos angolanos, este comércio está, por lei, destinado aos angolanos, que por falta de capital, talvez, estão a ceder os alvarás aos estrangeiros a troco de qualquer coisa, daí a sua proliferação pelos bairros. Mas o Governo tem um programa de acesso dos cidadãos às fontes de financiamento, sei que ainda é difícil mas é matéria para a equipa económica resolver junto dos bancos, para permitir que os cidadãos tenham empréstimos para tomarem conta do comércio a retalho.


E o resto do comércio?
Falamos do comércio a retalho mas falo do comércio geral, a riqueza em Angola deve estar nas mãos dos angolanos, primeiro que tudo. Não é dizer que não se façam parcerias, mas a fatia maior deve ficar com os angolanos, porque o angolano investe no seu país e cria empregos.


Como se faz isso realidade?
Temos de definir estratégias tendo em conta a nossa realidade. Angola foi um país colonizado, os angolanos não tinham acesso à riqueza, passamos por um período em que a riqueza era toda do Estado, tivemos uma guerra, portanto compete ao Estado definir estratégias por via da privatização, ou por outras vias, para fazer a transferência, com critérios, e de forma inclusiva (está em voga esta expressão) para que os cidadãos possam deter a riqueza no seu próprio país e fomentar o surgimento da classe média que é aquela que nos outros países impulsionou o desenvolvimento, como no Brasil, por exemplo. Temos de adaptar outras experiências à nossa realidade de país que foi colonizado, teve uma guerra e teve um momento em que a riqueza esteve nas mãos do Estado, depois da independência.


Os angolanos sabem lidar com a riqueza?
Sabem. Temos é de encontrar mecanismos que permitam a redistribuição pelos angolanos todos. Isso passa também pela criação de empresas, para criar mais empregos. Quem estiver a trabalhar tem mais acesso ao crédito. Há que perceber que estes programas não se realizam em dois anos, levam tempo, mesmo estes quatro anos de legislatura não serão suficientes, levarão mais tempo. O importante é que se perceba que o MPLA tem estes programas e está a executá-los. Devem permitirnos executá-lo. Se perguntar a outro partido verá que não fugirá muito disso, talvez com uma inclinação à direita. Nós por aí não iremos. O MPLA é um partido de esquerda que é pelo socialismo democrático, cujas marcas estão no nosso programa. Acredito que os cidadãos compreendem que não é possível fazer tudo no mesmo dia, mas que percebem os sinais da nossa vontade.


Trabalha com as bases, com a população; sente aí algum desencanto?
Sinto. Não posso dizer o contrário. Eu tenho é de ter a capacidade de explicar, como tenho estado a fazer. Nas nossas assembleias de base de preparação para o congresso ouvimos isso dos nossos militantes. Há quem pense que os nossos militantes não falam. Nós temos é uma regra, os nossos militantes falam nas nossas estruturas, não somos um partido para tratar das coisas na rua, temos estruturas em que as coisas são postas, a direcção ouve, aceita e corrige o que está mal.


Acha que em eleições hoje o MPLA teria o mesmo resultado?
Não há nenhum partido que o repita. Nem o MPLA nem nenhum outro partido podem ter a veleidade de querer repetir que os cidadãos lhe deram, em termos de números exactos. São sempre circunstâncias diferentes. Este foi um primeiro teste em que os cidadãos deram a sua confiança a um partido que governou durante a guerra e que agora, em paz, se apresentou como querendo fazer melhor. Os cidadãos quiseram ver o que faria um partido que agiu bem em termos de reconciliação nacional. Nas próximas eleições pediremos que nos continuem a dar a mesma confiança, a de governar, para a realização do nosso programa alargado. Na época colonial tínhamos o programa mínimo que era para o alcance da independência, mas o programa maior é o que estamos a iniciar apenas agora, para o desenvolvimento. Claro que com dificuldades acrescidas depois da destruição da guerra, estamos a partir de um país destruído, sem infra-estruturas.

 

A oposição enxovalharia o MPLa se os papéis se invertessem


A Oposição diz que o MPLA é autista…
Queria ver como seria se os papéis estivessem invertidos, acredito que o MPLA seria completamente enxovalhado.


Então o MPLA tem sido magnânimo?
Mais do que isso, mesmo na Assembleia Nacional, temos dado provas disso. Em muitos assuntos em que poderíamos avançara simplesmente para a votação temos procurado acomodar as suas posições, concertamos, estamos sempre disponíveis e vamos continuar com esta postura que a mais condizente com a nossa realidade. Naturalmente que a oposição defende as suas posições tal como nós defendemos as nossas, mas isso não nos leva a virar as costas sobre aquilo que é o fundamental, que é defendermos a estabilidade política, a unidade nacional e a integridade do nosso território. Chegados a este ponto interessa que estejamos de acordo, o resto são posições individuais deste ou daquele partido. Mesmo agora na discussão da constituição, apesar do que dizem, e a nossa oposição tem essa característica extraordinária de saber o que o MPLA está a pensar e o que vai dizer, mesmo antes de o MPLA o ter dito.


E sobre a constituição?
Nós já dissemos que estamos abertos para discutir tudo sobre a Constituição, senão viríamos com o fato já feito à nossa medida.


Pois é o que se diz, que o fato já está até engomadinho. Mas Constituição, directas, indirectas, presidencialismo, semi-presidencialismo. Agora perto do congresso, qual é o seu palpite sobre o que vai sair? Não existe palpite, quem vai ao site do MPLA está lá, directas e secretas para o Presidente da República, como nas legislativas. Está lá escrito, contrariamente ao que se diz, e nós já depositamos o nosso projecto na comissão constitucional. E também estamos abertos para discutir tudo com os nossos colegas da oposição. No do 14 de Julho vamos aprovar a metodologia da discussão do dossier, para sair dois, creio, anteprojectos para discussão pública.
O que dizemos é que apesar da maioria confortável que temos a Constituição é um documento demasiado importante para ser só do MPLA, é um documento que está acima do próprio MPLA, temos de alinhavar este documento de acordo com os interesses dos angolanos, e é isso o que vamos fazer.


Quer comentar duas afirmações de duas figuras ligadas ao MPLA, embora fora da política activa, Pepetela e Marcolino Moco em que um diz que estamos sentados sobre um barril de pólvora e o outro que não compreende as questões que se levantam quando o assunto é sucessão do presidente do MPLA?
Como sempre, respeitamos as opiniões das pessoas. Eles têm as suas opiniões outros têm outras. Quanto ao barril de pólvora, nós já tivemos situações difíceis. Hoje qual seria o barril de pólvora?


As questões sociais, obviamente...
As questões sociais estão a ser tratadas, não se resolvem de um dia para o outro. Todos nós, é curioso, lemos, escutamos, conhecemos as situações de outros países, os que hoje são considerados os mais desenvolvidos do mundo passaram por estas circunstâncias depois da guerra. Eles não acabaram a guerra e no dia seguinte tinham as coisas resolvidas. Aqui não, é o contrário, a vantagem é que nós podemos evitar os erros que eles cometeram nos seus processos. As pessoas têm de compreender que um país, nas nossas circunstâncias, depois de uma destruição que levou trinta anos, por maior que seja a nossa capacidade não o podemos reconstruir em seis anos de paz. Agora é que está a começar a verdadeira contagem do que podemos fazer. Nos últimos seis anos já mostramos o que podemos fazer.


Quanto à sucessão?
Quanto à sucessão, é uma questão natural nos partidos políticos. Os partidos têm formas de sucessão dentro das suas estruturas, quando a questão se impõe. O nosso partido, como qualquer outro, tem o momento próprio para tratar disso. Nós vamos agora realizar um congresso e as nossas regras estabelecem que quem queira candidatar-se à presidência do MPLA, nós temos um regulamento eleitoral, que apresente a sua candidatura. Agora estamos a trabalhar na base, nas assembleias de base, vamos passar pelas conferências comunais, municipais e provinciais e depois virá o comité central que vai apresentar contas e será também submetido a aprovação pelo congresso.

Estabelecemos que nestes actos, para qualquer cargo individual, desde a base até ao topo, pode haver mais do que um candidato. As pessoas que se sintam em condições de se candidatar a qualquer destes lugares, que apresentem as suas candidaturas, para nós isto está claro. As pessoas que apresentem as suas listas e os militantes votarão na melhor lista. Não temos tabus, temos tudo regulamentado e esperamos que a pessoa, que se sinta em condições e com um programa que os militantes aceitem, que apresente a sua candidatura em congresso.

* José Kaliengue
Fonte: O País