Lisboa - Primeira mulher na redacção de O Século Ilustrado, feminista com papel relevante na luta pelos direitos das mulheres. Admiradora de Jonas Savimbi, tem na sala a fotografia do líder histórico da UNITA. A mesma que ilustra a capa do livro que escreveu em 2003 em co-autoria com João Soares: Savimbi -Um sonho africano.

Fonte: SOL

Desde que ouviu falar pela primeira vez do líder da UNITA, em 1969, numa viagem a Angola, que Maria Antónia Palla mantém uma relação estreita com a questão angolana. Esteve várias vezes na Jamba, quartel-general da UNITA durante a guerra, foi observadora internacional das eleições de 1992, foi membro fundador do Fórum Português para a Paz e Democracia em Angola . É jornalista e também mãe do primeiro-ministro português, António Costa.

Quando conheceu Jonas Savimbi?

Quando ouvi pela primeira vez falar dele, disseram-me que era uma pessoa que não estava a mando da União Soviética, recebia apoio dos americanos, tinha feito formação na China e tinha ideias próprias, que se traduziam na maneira como conduziu a guerra. Fiquei com imensa curiosidade de conhecer aquela pessoa. Em 1974 fui a Luanda e a Maputo, enviaram-me lá para entrevistar os líderes, e tinha percebido que não iriam passar bem, porque realmente não queriam a democracia, pelo menos os líderes que conheci, que eram da Frelimo ou do MPLA, a quem os militares portugueses que lá ficaram davam todo o apoio. E que me deram outra possibilidade de leitura daquilo que se iria passar e se passou, a instalação de uma chamada democracia popular; ou seja, de uma ditadura. Até que, através do João Soares, fui contactada pelo representante da UNITA em Portugal, o Alcides Sakala, de quem me tornaria muito amiga, que me convidou para ir à Jamba, num grupo de que fazia parte a Maria João Sande Lemos, que é fundadora do PPD; a Maria José Nogueira Pinto, do CDS; o Jaime Nogueira Pinto, que era o único homem; a Helena Vaz da Silva; a Fátima Roque e a Luísa Manoel de Vilhena, uma senhora aristocrata. Portanto, era um ramalhete completo. Discutimos muito aquilo que víamos nesses dias e noites que lá estivemos, e aquilo que víamos era extremamente interessante, uma sociedade que se tinha estabelecido na mata e em que, a todo instante, encontrávamos pessoas que, mesmo na mata, tinham feito uma formação muito desenvolvida, falavam francês, falavam inglês, estavam a par do que se passava no mundo, tinham uma grande curiosidade. E é aí que conheço o doutor Savimbi. E, realmente, as minhas expectativas confirmaram-se. Foi das pessoas mais inteligentes que conheci na vida, de uma amabilidade extrema, de uma capacidade de liderança extraordinária e que era perseguido nos meios que eu frequentava, os da esquerda democrática, por considerarem que era um capacho dos americanos (e percebi que isso não era verdade), e que estava feito com os racistas da África do Sul. Sobre isto, ele disse-me esta frase: “Nós escolhemos os amigos, não escolhemos os vizinhos”. Todo o peso que a União Soviética investiu em Angola, e também Cuba, que mandou para lá montes de gente, a UNITA aliar-se com a África do Sul foi uma aliança táctica .

 

Teve pena quando ele resolveu não aceitar o resultado das eleições de 1992 e voltar à guerra?

Eu, a Maria Sande Lemos, a Maria Adelaide Lucas Pires, a Fátima Roque, que era da UNITA, a Margarida Mayer, fomos observadoras internacionais das eleições e as eleições foram uma fraude. É inegável: foi uma fraude. As pessoas manifestaram uma enorme vontade de votar, às quatro da manhã já faziam filas nas secções de voto, mas aquilo já estava tudo organizado, inclusive a nível informático, algo que nem as pessoas que a UNITA conseguiu colocar como observadores nas secções de voto não podiam controlar. Estava tudo feito e o Savimbi, como qualquer pessoa que se sente roubada nas eleições, protestou. Porque que é que o Savimbi não havia de poder protestar ?! Só que, depois, a 17 de Outubro, o Jornal de Angola publicou uma notícia confirmado que Jonas Savimbi tinha aceite, finalmente, o resultado das eleições, embora declarasse que as mesmas eram fraudulentas . E é verdade. Só as pessoas que foram para Luanda, se instalaram nos hotéis e andaram a almoçar muito bem pela Ilha de Luanda é que podem dizer que não viram nenhuma fraude e não viram porque não foram às mesas de voto. E as Nações Unidas nada fizeram. A grande preocupação da representante da ONU, a Margaret Anstee, quando chegou a Luanda foi arranjar uma cozinheira.

 

Jonas Savimbi tinha de perder as eleições?

Eu acho que houve uma conspiração contra o Savimbi por causa do petróleo. O Savimbi tinha dito duas coisas: a riqueza de Angola não é o petróleo, é a agricultura e a outra de que iria rever os contratos com as empresas estrangeiras que estavam sediadas em Angola. Nesse dia ele perdeu as eleições. E todos se conjugaram contra ele; ele foi um homem que lutou contra o mundo inteiro. Este grupo, que esteve como observador internacional e se chamou Fórum Português para a Paz e Democracia em Angola, foi várias vezes a Roma, tivemos várias conversações com a Comunidade de Santo Egídio para que interviesse, como tinham intervindo em Moçambique, mas percebeu-se que em Angola eles não iriam intervir .

 

O que sentiu quando soube da morte de Savimbi?

Foi horrível. A Maria João Sande Lemos e a Margarida Mayer estavam em Luanda, a jantar em casa do Abel Chivukuvuku, quando chegou a notícia de que ele tinha sido assassinado. Foi mais ou menos quando soubemos da notícia aqui, em Lisboa, e a primeira reacção dos unitas aqui foi a de não acreditarem. Eles [do MPLA] já tinham andado com um caixão do Savimbi por Angola toda para mostrar que o tinham morto, podia ser mais um truque, mas intimamente achei que era verdade. Uma pessoa que me é muito próxima tinha estado em Luanda e tinha falado com o chefe de gabinete do José Eduardo dos Santos, o Aldemiro Vaz da Conceição, e este tinha-lhe dito que a paz estava próxima, através da eliminação física do doutor Savimbi. Portanto, foi uma coisa bem planeada. Todo aquele cerco só se justificava na presunção de que o iam liquidar e ele também tinha essa presunção. O Savimbi era insubstituível porque tinha condições de liderança excepcionais. Falava as línguas nacionais, assisti a congressos na Jamba com pessoas que tinham feito três mil quilómetros a pé para o ouvir. Portugal teria ficado a ganhar se tivesse conduzido as coisas de forma imparcial, mas não, Portugal entregou Angola ao MPLA. É um facto. A ideia do Savimbi de uma commonwealth com Portugal fazia todo o sentido. Isso teria ajudado muito mais a democratização e o desenvolvimento desses países.


Tem acompanhado a situação em Angola nos últimos tempos?

Não do mesmo modo desde a morte de Savimbi. Foi um momento um bocado vergonhoso da história política e diplomática da democracia portuguesa e acho que isso continua, pois não percebo esta loucura de se consentir tudo o que os angolanos querem . Primeiro foi à conta do petróleo, agora, como o petróleo parece que está a falhar, é porque querem fazer uma política neocolonial em relação a Angola. Porque não é como ter relações comerciais com os EUA, é não sair daquela ideia de explorar. Explorar o quê?! A última vez que estive em Luanda continuei a ver crianças a procurar comida nos caixotes de lixo, misturado com os ratos. Agora já não julgam o homem [Manuel Vicente] em Portugal, cederam completamente aos angolanos, para quê ? Para os angolanos receberem o primeiro-ministro de Portugal? O que isso interessa? Nós temos é de fazer comércio com países que nos reconheçam como iguais e em pé de igualdade. Ali não. Em Angola, odeiam os portugueses. Acho que há uma coisa que a esquerda portuguesa não percebe é que se quiserem ter uma relação de igualdade com Angola não podem andar a arrojar-se aos pés deles. Quem se agacha é completamente desprezado, eles desprezam os portugueses. E em relação a Angola, Portugal coloca-se numa posição completamente humilhante. As relações têm de ser fraternas e iguais, de Estado a Estado. E não se pode ter esta atitude de pensar que vamos mostrar que somos todos muito bonzinhos, porque eles sabem que não somos .


Acha que o Governo português deveria ter agido de outra maneira em relação ao caso do Manuel Vicente ?

Completamente. Acho que a Justiça portuguesa é que tinha obrigação de julgar Manuel Vicente. Claro que não o podiam prender porque ele estava em Angola, mas criavam-lhe algumas dificuldades. Se tinham provas (também não tenho uma grande admiração pela justiça portuguesa), mas acho que deveria ter-se, o homem deveria ser julgado em Portugal.

 

Acha que houve influência do poder político na decisão judicial de enviar o processo para Luanda?

Eu acho que a Justiça não é alheia à política e a política não é alheia à Justiça. Mas não há dúvida que a responsabilidade é da política. Todos os Governos, não é só este, o que quiseram foi entender-se muito bem com Angola e quebram princípios e não exigem nada em troca.

 

Os princípios económicos sobrepõem-se sempre aos princípios democráticos?

As pessoas só pensam na economia. Como se não houvesse outros valores.

 

Alguma vez falou com o seu filho [primeiro-ministro português, António Costa], sobre a questão angolana?

Eu não falo com o meu filho sobre política.

 

Referia-me apenas à questão angolana.

Não. Terei, uma ou outra vez, perante um caso específico, falado, mas, desde que ele tem funções de Governo, não . Aliás, nós vemo-nos muito pouco. E não vou aproveitar as raríssimas reuniões familiares que conseguimos ter para tocar em assuntos que não são agradáveis, nem para mim nem para ele. São opções de Governo com que não concordo. Avançámos alguma coisa porque até há pouco tempo os opositores angolanos vinham a Portugal com vistos passados por países que não Portugal e isso acho que é uma vergonha! Portugal não se pode rebaixar a esse ponto.

 

Acha que poderá mudar alguma coisa com João Lourenço?

Há uma parte visível, digamos, em que parece que as coisas estão a mudar, no sentido de uma maior liberdade. Mas há pessoas que acham que isto é apenas uma mudança de grupo: dantes eram os próximos do José Eduardo dos Santos, agora são os próximos do João Lourenço. O futuro dirá. E compreendo que a oposição angolana tenha muitas dificuldades nesta situação, como nós tivemos durante o fascismo.

 

Vai prestar atenção a esta visita do primeiro-ministro a Angola? Está com expectativas que venha de lá alguma mudança?

Não, não, porque quem manda são os angolanos! Os portugueses colocam-se numa tal situação de humilhação e é preciso conhecer o africano, que lhe dá o coração, dá-lhe a sua vida se for preciso, mas não lhe lambe as botas. E percebem perfeitamente que a política de Portugal com Angola é uma política de lambe-botas. Não tem grandeza absolutamente nenhuma, o povo angolano não ganha nada com estas viagens.