Luanda - Por ter feito críticas ao acto de lançamento do livro de Luís Fernando (Notícias do Palácio), alguns jornalistas questionaram-me onde está a ilegalidade num grupo de jornalistas no WhatsApp, onde Luís Fernando, por sinal, também está presente. Partilho convosco o que respondi. Não sou jurista para saber responder com uma linguagem tecnico-jurídica.

 

Fonte: Club-k.net

"Bajulação" é crime, previsto por lei

Como sou cidadão e jornalista, vou responder com uma linguagem acessível para todos que também tenham curiosidade sobre se há ou não ilegalidade no acto de lançamento, a julgar pelo autor e o tipo de livro. Quem é o autor do livro? É o secretário do Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa do presidente da República. Que tipo de livro? Uma "obra" que mostra "notícias" do Palácio, fazendo um balanço do primeiro mandato de João Lourenço, com a imagem do presidente da República na capa (destaque). Onde está a contradição? Só pode haver ilegalidade se houver alguma contradição aos princípios legais (aceitáveis como "norma").


Contradição: é a mesma pessoa que exerce a função de secretário do GCII do presidente que descreve o que ele próprio fez, levando ao público angolano, e não só, a ideia de que o primeiro ano de mandato, no Palácio, de João Lourenço, ao nível da informação que foi à rua, foi positivo. Dito de outro forma: o dono do umbigo, ainda em funções, escreve para dizer que o seu umbigo é o mais bonito do país. Faz aqui um "exagero". A isso chama-se BAJULAÇÃO. Ou seja, o autor do livro procura - sem precisar de ler o livro, nem sermos cientistas - mostrar (só) o lado positivo do seu chefe, pois pretenderá permanecer no cargo, naturalmente.


É claro que ninguém no seu juízo perfeito lançaria um livro para dar um tiro no seu próprio pé. Pela lógica, mesmo sem ler o livro, podemos afirmar que se trata de um livro que visa bajular (elogiar de forma exagerada) o chefe. E agora a pergunta inicial: é ilegal bajular o chefe? Há respaldo legal? A resposta é sim. Para além de outros enquadramentos que juristas podiam fazer, só o facto de não fazer parte das atribuições e competências de um secretário para a informação fazer balanços do mandato do seu chefe e da sua própria função é, de per si, ilegal. O papel de um secretário nas vestes de Luís Fernando é facilitar a comunicação institucional do presidente da República, fazendo permanentemente uma ligação (canal) com os diversos órgãos de comunicação social, de forma a que as mensagens do presidente (Executivo) cheguem mais rápido ao destinatário.


O secretário está lá para servir os colegas jornalistas e não para ser ele próprio o fazedor de "Notícias do Palácio". Faz também parte das competências e atribuições do secretário do GCII do presidente elaborar discursos solicitados pelo seu assessorado (o presidente). Ele, nestas vestes, é um secretário com função de ajudar a elaborar a comunicação (discursos) do presidente da República, que não foram tão bons quanto se tenta mostrar, a julgar pela capa do livro. Mas não é este o foco desta análise. Já provámos que se trata de um acto anti-ético, que foge das suas reais competências e atribuições, constituindo o que chamamos "bajulação" ("elogios exagerados e falsos com o objectivo de obter algo em troca", cf. Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, 2010). O anti-ético é ilegal? Praticar um acto fora das suas reais competências é ilegal? A resposta é sim. Porquê? Pelo facto de o autor do livro ter interesses directos na manutenção do seu cargo. Ou seja, é um livro, ab initio, inclinado para "idolatrar" a figura de João Lourenço. Bajulação é crime? Sim. Podemos enquadrar a bajulação no "atentado ao pudor", previsto no Código Civil e no Código Penal, que "sancionam" com multas e até pena de prisão. O que é "pudor"? Como é que a "bajulação" vai ser "pudor"? Pudor - ao contrário do que muitos, incluindo juristas, pensam - não é só "nudez" (andar nu na rua, fazer sexo (amor) na rua, etc.).


Na verdade, a "nudez" é um dos conceitos de "pudor". Não se circunscreve apenas em "nudez". A primeira definição de "pudor" que podemos ver no dicionário é "sentimento de vergonha ou timidez causado por algo que fere a sensibilidade ou a moral de uma pessoa". A "nudez" aparece como segunda definição. O lançamento do livro, pelos motivos esgrimidos acima, criam ou não ao público um "sentimento de vergonha que fere a sensibilidade ou a moral de uma pessoa"? Não precisamos de ser jurista para perceber que "bajulação" causa (devia causar) um sentimento de vergonha e fere a moral do público e até a moral de João Lourenço, uma vez que é ele próprio, nos seus discursos - que saíram do mesmo GCII onde o autor do texto é secretário -, que diz que quer um combate à bajulação.


Logo, a sua autoridade moral é posta em causa, também. Portanto, só mesmo pela interpretação da Língua Portuguesa conseguimos provar que "bajulação" é crime, previsto por lei, pois se trata de "atentado ao pudor". Se nós andarmos nus na nossa casa, sem possibilidade de o público nos ver, é pudor? Se nós fizermos amor com o (a) nosso parceiro (a) em casa, fechados, sem publicitar o acto íntimo é pudor? Não. Só vai ser pudor a partir do momento que se "fere a moralidade de terceiros". O acto de lançamento do livro foi publicitado? Sim. Fez-se publicidade da bajulação (o mesmo ou pior que fazer amor na rua a céu aberto) nos orgãos de comunicação social, i.e., a "bajulação" (a imoralidade) foi publicitada a céu aberto, acrescido ao facto de dirigentes (auxiliares) do Titular do Poder Executivo terem estado na fila da frente a participar na "publicitação" do acto imoral: bajulação (pudor). A pergunta inicial: há ilegalidade no acto de lançamento? Sim. Se a publicitação de "pudor" é punível por lei, estamos perante um facto que constitui "atentado ao pudor", sem nenhuma dúvida.


O que fazer agora? Do meu ponto de vista, João Lourenço será obrigado - se tiver alguma moral a preservar, o que eu duvido - a exonerar Luís Fernando, dando a ideia ao público que não compactua com "publicitação de imoralidades" na imprensa, para além de responsabilizar outros actores do seu Executivo que mostraram o contrário dos seus discursos.