Luanda - Os médicos angolanos estão em greve desde ontem, 19 de Novembro. Greve nacional, aliás. É a primeira vez na História de Angola que médicos entram em greve. Evidentemente, as consequências se traduzem nos muitos e grandes constrangimentos que os cidadãos enfrentam no que ao atendimento médico e hospitalar diz respeito. Mas o direito dos médicos à greve é inquestionável. A greve está a revelar insuficiências e deficiências estruturais do já de si apocalíptico Serviço Nacional de Saúde, cuja má reputação tem tido novos desenvolvimentos nos últimos dias (veja-se o caso da menina de 7 anos que recebeu sangue contaminado com VIH e o caso da jovem cujo bebé, prematuro, acabou por falecer, mas foi trocado, ou seja, o hospital apresentou o cadáver de uma bebé [menina] e não de um bebé [menino]).

Fonte: Facebook

A ESTRANHA «DESCOBERTA» DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

A reacção do Ministério da Saúde à greve nacional dos médicos é (praticamente) um caso de estudo, cujas implicações levariam qualquer mortal a rir até à saciedade.


No seu Comunicado de Imprensa, de 19 de Novembro, o Ministério da Saúde afirma de forma peremptória que «O autodenominado Sindicato Nacional dos Médicos não está legalizado e em consequência disso a sua Declaração de Greve viola a Lei nº 21-D/92, de 28 de Agosto – Lei Sindical – e a lei nº 23/91, de 15 de Junho – Lei da Greve».


O comunicado prossegue asseverando que «o Ministério da Saúde considera haver indícios de ilicitude de greve por ter sido convocada por uma entidade sem competência nos termos da legislação em vigor (Sindicato que se encontra ainda na fase de constituição) e que junto de tribunal competente vai intentar uma acção para o decretamento da ilicitude de greve e responsabilizar disciplinarmente todos os profissionais que aderirem à referida greve».
Em resumo, segundo o Ministério da Saúde, (1) o Sindicato Nacional dos Médicos é ilegal, (2) a greve é ilegal e (3) todos os médicos aderentes serão punidos como violadores da disciplina médica.


Diante do exposto, questiono: somente agora é que o Ministério da Saúde «descobriu» que o Sindicato Nacional dos Médicos é ilegal? Analisemos este facto:


A 14 de Novembro do ano em curso, o Gabinete da Ministra da Saúde, através do Ofício nº 5105/GAB.MIN/MS/2018 (dirigido ao «Excelentíssimo Presidente do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola») fez o seguinte convite:


«Dando continuidade ao processo de negociação em curso, por intermédio do Excelentíssimo Presidente do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola, convidamos a Vossa Instituição para um encontro a ter lugar no dia 16 do corrente mês (sexta-feira), pelas 13h00, na Sala de Reuniões do Ministério da Saúde».


Se o Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (designação oficial) é ilegal e não tem competência de convocar greves, por que o Ministério da Saúde convidou a referida instituição – na pessoa do seu presidente – a estar num encontro enquadrado no «processo de negociação»? O Ministério da Saúde andou a negociar com uma instituição ilegal – não reconhecida? Se o Sindicato Nacional dos Médicos de Angola é ilegal, por que o Ministério da Saúde delegou um representante seu para assistir ao acto de apresentação pública do Sindicato, ocorrido há já algum tempo?


As presentes interrogações e outras demonstram que o Ministério da Saúde tem muitas explicações a dar.


De facto, o Comunicado de Imprensa do Ministério da Saúde é uma autodenúncia de que este departamento ministerial geriu as exigências dos médicos (representados pelo sindicato) com despeito e negligência, por um lado, e, por outro, revela desorientação e tentativa de fuga das responsabilidades.


O Ministério da Saúde fez negociações com o Sindicato Nacional dos Médicos e vem agora declarar que esta instituição é ilegal? Ora, estamos perante uma situação lamentável e risível que nos remete a uma espécie de estado de anedota, que não contribui em nada para a normalização do País, ou seja, transformar Angola num país normal e funcional.


Angola deve deixar de ser um Absurdistão (o país onde o absurdo se tornou valor nacional).


O Ministério da Saúde tem feito uma gestão desastrosa do dossiê inerente às exigências dos médicos, os quais, agora em greve, reafirmam que a vão manter até 22 de Novembro e que, caso até lá o ministério de tutela não reaja positivamente, o Sindicato Nacional dos Médicos de Angola vai implementar uma outra fase da greve.

A atitude do Ministério da Saúde é um desastre.


Ao intimidar o sindicato e seus membros com legalismo oportunista, o ministério não resolverá os problemas que afligem os médicos e enquanto o mesmo perde tempo e energia com periferias legalistas e malabarismos políticos pueris, milhares de cidadãos estão a sofrer na pele e no osso as consequências da greve dos médicos.