Luanda - Em entrevistas concedidas muito recentemente duas conhecidas referências dos primeiros tempos da nossa dipanda, Manuel Rui Monteiro (RM) e Lopo do Nascimento (LN) falaram do 26/27/28 de Maio de 77.

Fonte: Club-k.net

Deixando os números de lado, queremos com tal sequência referir que os dois homens afectos ao MPLA falaram do antes e do depois da mais triste e sangrenta data do pós-independência que continua até hoje a dar que falar, tendo o tema voltado à ribalta depois da condecoração de Monstro Imortal, um gesto que tem estado a alimentar as mais diferentes apreciações sobre o impacto da surpreendente reabilitação feita pelo sucessor de JES.


Começo por destacar aqui pela positiva a aproximação de Lopo em relação à realidade dos
factos e a sua assumida ruptura com a narrativa oficial que tem por base a famosa declaração do BP do MPLA/Junho de 77.


Em abono da verdade, hoje seria apenas mais uma "tese" a carecer de muita defesa por parte dos seus proponentes diante das inúmeras questões que muitos arguentes têm colocado em relação à consistência daquela quilométrica sentença de morte produzida em tempo recorde e sem qualquer julgamento, que custou a vida a grande parte de todos quantos foram lá citados.


Lopo do Nascimento que só não foi preso no 27 de Maio porque os cubanos não permitiram (isto ele não disse na entrevista que hoje nos traz aqui), partilha nesta conversa com o semanário Vanguarda tão interessantes quanto preocupantes memórias (as suas memórias), sobretudo ao nível da análise que faz em relação ao debate político interno que dividia o MPLA há mais de 40 anos.


Foi pois nas águas escaldantes desse debate contraditório no seio dos camaradas que se formou o "furacão 27", que viria a colocar Angola governada pelo MPLA bem no topo da lista dos países africanos onde mais se violaram os direitos humanos de forma sistemática e continuada, com um balanço de desaparecidos/ vítimas mortais que se calcula na casa dos milhares, mas que nunca foi possível apurar por indisponibilidade do próprio Estado angolano.


Quanto a Rui Monteiro a nossa impressão é diametralmente oposta, o que já não constitui bem uma novidade, tendo em conta o seu anterior percurso discursivo nesta acidentada estrada que tem sido abordagem do antes e do depois.


Mais uma vez e desta vez de forma particularmente chocante para nós, RM ignorou ostensivamente a tragédia que foi a prisão, a tortura e a chacina de milhares de angolanos.


Nem uma palavra dedicou ao assunto como se nada de terrivelmente anormal tivesse acontecido neste país nos longos meses que se seguiram ao 27 de Maio e por um período que se prolongou por mais de um ano, durante o qual a DISA (sem mãos a medir) fez justiça com as suas próprias e pesadas mãos, certamente no quadro de uma orientação superior que visava cortar o "mal pela raíz", numa intervenção devastadora que se espalhou pelos quatro cantos do país, ou seja, de Cabinda ao Cunene.


RM, no limite do seu conhecido egocentrismo, preferiu concentrar-se na sua própria pessoa e no seu suposto papel de "safador" no quadro da tal "Comissão das Lágrimas" onde diz ter trabalhado apenas "dois dias".


"Safador" da vida de pessoas que ele interrogou, num ambiente dominado pela violência e a ilegalidade, que ele próprio reconhece, preto no branco.


Entre Lopo do Nascimento e Rui Monteiro há um enorme fosso a separá-los e a separar-nos.
De um lado tempos alguém (LN) a tentar (mesmo que tardiamente) enfrentar a história deste país onde ele foi protagonista e a contar-nos a sua verdade, que, acreditamos nós, pelo conhecimento directo que temos desse tempo sinistro estará muito mais perto da verdade definitiva que continua por aí a flutuar como uma alma penada.


Do outro temos alguém (RM) que continua a fazer a fuga para frente e a contar-nos "histórias da carochinha", onde ele se auto-transforma, num passe de mágica, de "bad" em "good guy", refazendo a própria história na medida exacta das suas necessidades cosméticas para consumo interno e externo.