Carta aberta ao Presidente João Lourenço

Seja bem vindo ao solo pátrio, Sr. Presidente João Lourenço!

Por opção, não acompanhei, de forma assídua, a sua visita oficial à Portugal, e espero que de lá não tenha trazido muitas dívidas. De dívidas lhe falarei mais adiante.

 

Na verdade, o meu desinteresse pela sua visita à terra de Camões foi um protesto com múltiplas motivações!

 

Bem antes do início da sua visita, li a entrevista que concedeu ao jornal português o Expresso.

 

O primeiro motivo do meu protesto foi o facto de apesar da abundância de motivos de interesse público, há quase um ano que o Senhor Presidente não concede entrevistas à órgãos de comunicação social nacionais.

 

Entretanto, no mesmo período, concedeu várias entrevistas à órgãos de comunicação social estrangeiros, com destaque à "desconhecida" Revista Valeurs Actuélles, à Euronews e ao jornal Expresso.

 

Esperava vê-lo na nossa Televisão Pública de Angola - TPA aquando do Especial Entrevistas que este órgão concedeu aos líderes dos Partidos Políticos com assento no parlamento, mas o Senhor Presidente que também preside o MPLA, partido que sustenta o seu Executivo, talvez numa postura de desprezo, optou por se fazer ausente!

 

Entretanto, à "desconhecida" revista francesa "Valeurs Actuèlles", o Senhor Presidente concedeu, ao que me pareceu, com muito prazer, uma extensa entrevista que ocupou três páginas e o Senhor Presidente foi sua figura de capa da edição de 24 a 30 de Maio deste ano, que coincidiu com o início da sua visita oficial à República da França!

O segundo motivo do meu protesto foi o de ter lido, na aludida entrevista ao Expresso, questões tão profundas que pela sua pertinência e implicações políticas, têm dignidade mais que suficiente para que tivessem sido abordadas no Discurso sobre o Estado da Nação, que o Senhor Presidente pronunciou há pouco mais de um mês, na Assembleia Nacional.

O Senhor Presidente não o fez ao se dirigir à Nação! Ignorou-as pura e simplesmente, tendo preferido abordá-las, numa altura em que já tinha a mala de viagem feita, e num órgão português.

Infelizmente, pareceu que não falou para nós o soberano!

A sua comunicação dirigiu-se aos seus anfitriões, talvez para lhes impressionar e facilitar o inevitável "estender de mãos" disfarçado na forma de acordos...

Do teor das suas declarações, não me vou debruçar em profundidade, mas, obviamente vou falar um pouco sobre a polêmica dos famosos "cofres vazios" que afinal não o estavam, segundo o seu antecessor, que numa atitude que não lhe é característica, veio logo à público lhe desmentir.

E ficamos sem saber a verdade!

Com o devido respeito por si e pelo seu antecessor, exijo de ambos o maior respeito pelo soberano povo de Angola!

Mas, convenhamos então que o Senhor Presidente os tenha mesmo encontrado vazios.

Como justifica aos angolanos o paradoxal despesismo, com aquisições de frotas de carros de luxo ou outras comodidades para si e seus auxiliares e colaboradores, as obras milionárias desnecessárias ou não prioritárias, ou ainda a sumptuosidade que tem ostentado nas frequentes viagens que faz ao estrangeiro, acompanhado por enormes delegações, transportados em luxuosos aviões alugados à preços máximos do mercado?

A propósito, enquanto cidadão e no uso do direito de participar na vida pública, em nome da boa governação e da transparência de que tanto o Senhor Presidente fala, desafio-o a tornar público os custos das suas viagens até aqui efectuadas ao estrangeiro.

Ainda, convindo com narrativa dos "cofres vazios", tendo em linha de conta todos os problemas sociais que herdou do seu antecessor, fez e ainda faz muita espécie o estranho interesse e a forma anormalmente espedita com que o Senhor Presidente mandou pagar, com mais de metade dos recursos do Orçamento Geral do Estado - OGE do primeiro exercício econômico do seu consulado, uma dívida pública sem mesmo antes se certificar da sua existência ou da sua legalidade.

Este é um elemento que tem vindo a ser questionado pela oposição angolana, mormente pela UNITA que, em nome da transparência e da defesa do interesse do Estado angolano, várias vezes requereu à Assembleia Nacional, inquéritos parlamentares ou auditorias independentes, isso desde os tempos em que o Senhor era Vice-presidente daquele órgãos de soberania.

Apesar do partido que dirige inviabilizar, sistematicamente a constituição de Comissões Parlamentares de Inquérito - CPI's, veja Senhor Presidente que uma patriota, honesta e corajosa, membro do seu Executivo, veio a público dizer que cerca de um quarto da mesma dívida pública que o Senhor se apressou a mandar pagar é falsa!

Não configura isso traição à Pátria, uma vez que parte do dinheiro pago à tais dívidas fez falta na aquisição de medicamentos, de equipamentos e na criação de boas condições laborais e salariais para os médicos angolanos, que por isso mesmo observaram uma greve nacional e, consequentemente ocasionou a ocorrência de mortes de dezenas de milhares angolanos?

Sobre as dívidas, sim Senhor Presidente!

Tal como o afirmou, de facto, a dívida em si mesma não é um problema.

O maior problema de TODAS as dívidas que o seu antecessor contraiu em nome de todos nós, de forma legal ou ilegal, bem como as que o Senhor já contraiu ou vier a contrair, e espero que venha sempre a ser nos marcos da lei, está no fim que se dá ao dinheiro devido.

Podemos até ter capacidade de a reembolsar, mas se não houver a devida preocupação, desde logo, na negociação dos seus termos e condições e na aplicação correcta e transparente do dinheiro devido, então aí, regra geral, não se tem um só, mas vários problemas.

Pela apetência que vem demonstrando na contracção de mais dívidas, sob todas as suas formas, não me surprende que em Portugal não tenha resistido a tentação e, como tal, tenha contraído mais dívidas!

Espero, somente, Senhor Presidente, que aplique o produto dos possíveis empréstimos contraídos, directamente nos sectores produtivo para produzir riqueza e no Sector Social para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.

Não venha esse dinheiro a ser desencaminhado para alimentar a corrupção ou outros vícios, muito menos venha uma vez mais servir apenas para o pagamento de outras dividas, sejam elas falsas ou verdadeiras.

Senhor Presidente!

Vou agora me debruçar sobre a questão dos que trairam a Pátria, que de acordo consigo "são bem conhecidos"!

Essa é para mim a mais importante de TODAS!

Para começar, tal como o fiz noutras ocasiões, creio ser oportuno recordar que o Senhor Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço, agora também presidente do MPLA, não foi eleito Presidente da República de Angola, nos termos da Constituição da República de Angola - CRA e da Lei 11/12 sobre as Eleições Gerais.

Para fundamentar a minha afirmação, basta referir que nas eleições de 31 de Agosto de 2017, não houve apuramento provincial, nos termos da lei, em 15 das 18 Províncias de Angola, logo não houve condições de se proceder ao apuramento nacional que só podia ter sido feito se tivesse havido apuramento provincial em TODAS as Províncias de Angola.

Apesar disso, o Senhor tomou posse como Presidente da República de Angola, e, de facto, exerce o cargo.

No acto da sua tomada de posse, jurou solenemente, perante o soberano e perante o Juízo Presidente do Tribunal Constitucional, que lhe deu posse, cumprir e fazer cumprir a CRA e demais legislação.

No exercício, de facto, das funções de Presidente da República, o Senhor tem a obrigação de agir sempre que o interesse e ou a segurança nacionais forem postas em causa.

Por conseguinte, é inaceitável que se limite remeter ao registo da história os crimes de lesa Pátria de que tem conhecimento, cometidos por cidadãos que o Senhor Presidente diz serem bem conhecidos!

Pela sua gravidade, a CRA no seu Artigo 129° coloca o crime de traição à Pátria como a primeira causa de destituição de um Presidente da República!

Este crime, tal como o de espionagem, o de suborno, o de peculato e de corrupção não são passíveis de amnistias e são imprescriptíveis.

A sua gravidade é tal que a sua ocorrência aciona o regime de excepção das imunidades constitucinalmente atribuídas a um Presidente da República em pleno exercício do seu mandato e "mutatis mutandi" à ex Presidentes.

Conhecendo, "todos os cantos da casa", afinal ao longo de décadas desempenhou altas funções no seu Partido e no Estado, não resisto em lhe perguntar porque razão durante esse tempo todo se calou ou porque nada fez?

Seja como for, o mais importante é o presente, onde o Senhor já não é só o historiador de formação!

Enquanto Presidente da República, Chefe de Estado, mais Alto Magistrado da Nação, Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas-FAA, o Senhor está investindo no exercício das mais altas funções de Estado e, como tal, também no dever de levar, sem demoras, os traidores da Pátria às barras dos tribunais, sob pena de se tornar num deles, mesmo que por omissão.

Como é que quer ser recordado na história de Angola? A escolha é sua, Senhor Presidente!

Aproveito a ocasião para lhe felicitar pelo facto de, recentemente o seu Executivo ter efectivado, de uma só vez, a desconcentração, com a transferência de dinheiros e de algumas competências e atribuições para os seus órgãos do poder local, as 164 Administrações Municípais de Angola, sem gradualismos de nenhuma natureza, o que demostra ser, perfeitamente possível vir também a ser feito o mesmo, ou seja, em simultâneo, com as pelo menos 164 autarquias locais, no âmbito dos princípios da descentralização política e administrativa e da autonomia local, cujas competências e atribuições, curiosamente, parte foi agora já transferida para as Administrações Municipais.

Foi um bom avanço! Em 2020, o Executivo só precisará institituir, formalmente as autarquias locais em todo o país, restituir em definitivo as suas competências e atribuições constitucionais até aqui exercidas pelos órgãos do poder do Estado e nós cidadãos só teremos de eleger os autarcas e demais órgãos do poder autónomo.

Para terminar, Senhorá Presidente, permita-me que lhe faça três sugestões e um pedido:

Primeira sugestão: Valorize os meios de comunicação social angolanos. Fale para os angolanos e para o mundo, preferencialmente através deles. Impulsione neles o surgimento de um verdadeiro pluralismo de expressão, mais liberdade e acesso igual para todos.

Segunda sugestão: Como Presidente do MPLA promova a reabilitação da função fiscalizadora da Assembleia Nacional e oriente a bancada parlamentar do seu Partido a viabilizar as CPI's à SONANGOL, ao antigo Banco Espírito Santo Angola - BESA e a Dívida Pública.

Terceira sugestão: Já que, como afirmou ao Expresso, não tem necessidade de esconder o seu patrimônio, torne-o público como já o fez por mais de uma vez o Presidente da UNITA, de tal modo que pelo exemplo estaria a prestar "um grande serviço à Nação".

Perdido: Reitero o pedido de há alguns meses.

No uso das suas prerrogativas constitucionais, por razões humanitárias indulte o Profeta José Julino Kalupeteka, líder da Igreja a Luz do Mundo.

Luanda; 25 de Novembro de 2018.-

Atentamente

Alcibíades Kopumi