Luanda - 1. Persiste a política segundo a qual o mais importante instrumento de política nacional conjuntural – o OGE - é discutido de forma superficial pelo parlamento. Os deputados não têm suficiente tempo de análise para dar um parecer na generalidade, o que é uma intencionalidade estrutural que mina o desempenho da política nacional com reflexos negativos nos resultados para a economia e para a sociedade.

Fonte: Club-k.net


2. Tem-se dito, e tenta-se formular o consenso que o grande problema do país é a corrupção. De acordo com o Relatório de Fundamentação do OGE, afirma-se como desdobramento da política de boa governação expressa no PND que há um “ Programa de Reforço do Combate ao Crime Económico, Financeiro e à Corrupção”. É igualmente balanceado no preâmbulo que o Executivo tomou medidas para o combate à corrupção. Para um problema de tamanha dimensão e seriedade o Relatório de Fundamentação faz apenas essas duas referências. Como é possível levar a sério o OGE de 2019 se ele não é capaz de explicar, em sede de diagnóstico, com números, quais foram as consequências financeiras das dezenas de processos de corrupção que se encontram na PGR e Tribunais que perpassa por todo o tipo de personalidades do Estado, incluindo do Tesouro?

 

A fundamentação do OGE nunca nos explica como foi corroída a economia do país com o peculato, o tráfico de influência, com a constituição de associações criminosas, permitindo uma tamanha delapidação do erário público e seu património. Por isto, a Lei que rege este orçamento não contém uma única medida para combater a corrupção e nem cria quaisquer mecanismos de execução orçamental capazes de parar com a sangria ao erário público. Assumir, como o faz o OGE de 2019, que a única razão porque o OGE de 2018 apenas foi cumprido em apenas 36% é por causa do preço de petróleo é obra de quem quer pôr a cabeça na areia, mas acaba por mostrar que o Executivo não está verdadeiramente empenhado em combater a corrupção. Isto terá também reflexos externos pois não basta pôr meia dúzia de pessoas na cadeia. É preciso demonstrar como foi delapidado o erário público, onde estão os buracos e encontrar formas de os tapar.


3. A Lei do OGE, mais uma vez, retira competências próprias da Assembleia Nacional como na questão dos impostos, na definição do sistema fiscal. Essa matéria não deve ser alocada ao Presidente da República. A Lei confere demasiadas autorizações ao PR e dando uma margem de indefinição de muitas situações que já deveriam vir plasmadas no OGE, o que torna a política orçamental incerta e sob risco de discricionariedade, ou seja, arbitrária. Isto é a reprodução do anterior modelo, agora sem JES, que vai resultar novamente na ineficácia do OGE. Veja-se, por exemplo:

a. PR define atribuição gratuita de subsídio de combustível - o OGE deve já prever isto!
b. PR deve contrair empréstimos – sem informar a A.N.
c. PR determina os “créditos extraordinários” - sem submeter a Assembleia Nacional
d. PR procede a transferência de montantes inter-rubricas (ajustes) – sem informar a
A. N.e. PR inscreve novos projectos - contra a Lei quadro do OGE, no seu artigo 15o. Que proíbe isto expressamente.


f. PR pode “cativar 100% das dotações orçamentais de determinados projectos do Programa de Investimentos Públicos e das despesas de apoio ao desenvolvimento”. – Então é a reconstituição das velhas práticas do Gabinete de Reconstrução Nacional, um dos epicentros da corrupção, sem ninguém saber em que projectos concretos. Grande parte do OGE, assim, não se sabe como será materializado hoje.


g. PR Define a execução do regime especial sobre as operações de invisíveis correntes – passando um atestado de menoridade ao Banco Nacional de Angola a quem esta função deve estar alocada.


h. PR decide sobre aplicação das receitas petrolíferos acima do preço do OGE – quando o OGE já pode defini-las e, em nossa opinião, deve combater a pobreza reforçando o capital humano e conter a degradação cambial.


i. PR gere “as despesas especiais de segurança interna” – sem que a Comissão de Segurança da Assembleia Nacional tenha a ver com a situação. O desastre da Segurança Nacional de que a política de fronteiras é mero sintoma resulta dessa monopolização governamental.


Um país democrático tem que ter equilíbrios no poder, tem que haver controlos entre os vários níveis de poder. Precisamos de na Lei impor mecanismos que previnam e combatam a corrupção e a concentração de poderes num só homem. O que está prescrito na Lei é fotocópia da Lei anterior, é a reprodução do passado de triste memória. Não dá!


4. A Lei não é rigorosa no que diz respeito a função fiscalizadora da Assembleia Nacional. Num contexto de corrupção generalizada, anteriormente centrada na Presidência da República, nos Ministérios, no Tesouro em particular, na Banca nacional e privada, no Fundo Soberano, nas Empresas Públicas, para além de concordarmos com a sociedade civil da necessidade da existência dum Plano Nacional contra a Corrupção, é mandatório que haja um reforço da Assembleia Nacional nos mecanismos de controlo da Execução Orçamental. Por isto, a. O Executivo deve previamente comunicar a Assembleia Nacional sobre as questões de autorização propostas na Lei ao Presidente da República.


b. Os planos petrolíferos (abertura de concursos, licenciamento, estudos de impacto ambientais e sociais) devem ser discutidos nas comissões da Assembleia Nacional e sujeitos a pareceres. O controlo externo sobre as empresas públicas tem que começar. O país sabe que tem sido o sorvedouro de enriquecimento ilícito.


c. O Banco Nacional de Angola deve apresentar a Assembleia Nacional as suas políticas e discutir à fundo os relatórios do Conselho Fiscal que espelham como o Banco Nacional tem sido alvo de grandes perdas acima dos 300 mil milhões de dólares (Expansão, 496, pg2).


d. O pagamento da dívida pública deve sujeitar-se à auditoria.

e. Implementar a Alta Autoridade contra a corrupção é imperativo nacional. Então desde 1996 instituído! Qual a preguiça perante o grande monstro – a corrupção - que se pretende combater?


Só nesta base haverá confiança. Só nesta base acreditaremos num novo ciclo.


5. O OGE de 2019, apesar de tentar corresponder aos apelos dos partidos da oposição e da sociedade para maior investimento no sector social e na agricultura, ainda está aquém das expectativas. Por outro lado, não é razoável que o orçamento da Segurança do Presidente da República seja quase três vezes mais que os orçamentos para a Assembleia Nacional e dos Tribunais. Nem faz sentido que o CNE (Comissão Nacional Eleitoral) um órgão que trabalha de quando em quando, tenha um orçamento mais de metade daqueles dois órgãos. O Executivo continua com a política de debilitar os outros poderes para manter a política de “reinar a grande e a francesa” tão cara ao país e ao povo, porque foi a política de “servir-se” e não de servir. Não podemos concordar que à pretexto da consolidação orçamental se despenda e às cegas 52% do OGE para pagar a dívida e quem se sacrifica, mais uma vez, é a grande maioria dos trabalhadores, pois o Governo só tem uma política de contenção significativa: contenção da massa salarial, quer dizer, os pobres que paguem a crise. O Executivo tem que ser capaz de reescalonar a dívida para libertar fundos para combater a pobreza e reestruturar o tecido social. Não caucionamos também o pagamento da dívida sem uma auditoria a mesma, quando é do tesouro que vem a informação que 25% da dívida é fantasma. Então, estamos a realimentar a corrupção à custa do sacrifício popular, inclusive o povo está a pagar a reestruturação do BPC, antro de facilitismos e corrupção e nem uma palavra a dizer por que se chega à beira da falência.


6. Se o Presidente da Republica quer dar sinais de mudança, em concreto, é em sede do OGE que tem a primeira oportunidade e se não forem corrigidas as tendências tradicionais perderemos toda a esperança que estamos perante um novo ciclo politico. Por isto,

a. O OGE, como feito, não permite atingir o objectivo de reduzir a pobreza e a desigualdade, nem promover a diversificação económica.

b. O OGE viola a Lei Quadro

c. O OGE tem zonas de indefinição que vão resultar em ineficácia

d. O OGE concede autorizações a mais ao PR e não submete as acções de autorização ao controlo prévio da Assembleia Nacional.

e. O OGE não materializa a função fiscalizadora da Assembleia que, num contexto de corrupção generalizada em que os mecanismos de gestão têm sido ludibriados, deve ser claramente ampliada.

f. O OGE tem dotações a menos para a Assembleia Nacional que precisa definitivamente de potenciar a sua capacidade de produzir leis e fiscalizar bem o Executivo e os tribunais que precisam de julgar a corrupção e tem dotações a mais para a CNE e corpo de segurança do PR que devem ser redefinidas.

g. O OGE carece de maior aplicação na agricultura e precisa de criar condições de mais crédito para o sector empresarial privado. Temos que rever com coragem estes aspectos, cientes de que é na alteração da funcionalidade do Estado, na implementação de controlos estrictos e na vontade de contribuir para o bem-estar efectivo do cidadão que este orçamento deve ser encarado.


Manuel Fernandes, deputado pela CASA-CE, membro da Comissão de Economia e Finanças