Luanda - O Presidente da República, João Lourenço, concedeu nesta sexta-feira, no Palácio Presidencial, a sua segunda entrevista colectiva desde que tomou posse, a 26 de Setembro de 2017. Ao Titular do Executivo, foram colocadas questões de natureza política, económica e social, com realce para a nova relação de Angola com o FMI, o combate à corrupção, o desenvolvimento agrícola e o problema do transporte público interurbano.

Fonte: Angop

Pergunta - Senhor Presidente, uma das medidas tomadas no âmbito do combate à corrupção e à apropriação ilícita de recursos do Estado é o repatriamento voluntário desses recursos. No entanto, dentro de dias, o período estabelecido termina. Nessa altura, já se pode falar de sucesso ou fracasso desta iniciativa? Qual é a vossa expectativa para a segunda fase do repatriamento coercivo de capitais e se as fortunas já estão identificadas?

PR - Falar em sucesso ou fracasso do programa ainda é cedo para se fazer um balanço. Não temos necessidade de correr. É um fenómeno que ocorreu ao longo de anos e não me parece que, em pouco tempo, poderemos resolvê-lo.

O período de graça concedido foi de apenas seis meses. É evidente que quem quis aproveitar essa oportunidade, bastante generosa por parte do Estado angolano, fê-lo. Quem não quis fazê-lo pretende enfrentar o Estado angolano e, com certeza, corre sério risco, não só de perder esses recursos, como também de comparecer nos tribunais.

Portanto, estamos confiantes no êxito dessa operação, a qual não foi estabelecida para ser realizada em seis meses. Esse período foi apenas o de graça para aqueles que, com boa vontade, repatriarem os seus recursos nesta vertente. Estamos confiantes de que o tempo continua a correr a nosso favor. Tem data de arranque, mas não tem data de término.

O repatriamento coercivo começa a 26 de Dezembro, começa a contar a partir dessa data. Não quer dizer que, nessa data exacta, teremos aqui os recursos todos. Não é justo pensar-se desta forma.

Arranca a 26 de Dezembro e pode demorar 10 ou 20 anos, o tempo que for necessário. No meu mandato ou no mandato de quem vier a substituir-me nos próximos anos, este é um programa para ter continuidade.

 

P - A minha questão está relacionada com o Acórdão do Tribunal Constitucional, Acórdão 319/ 2013, que suspende a fiscalização dos actos do Executivo por parte do Parlamento. Muito recentemente, na reunião do Comité Central, na primeira que realizou na qualidade de líder do seu partido, manifestou que desejava ver fiscalizados os seus actos no MPLA. Eu pergunto-lhe se, na qualidade de Presidente da República, deseja, igualmente, ser fiscalizado?

PR – Quando, na reunião do Comité Central, eu dizia que devemos ser fiscalizados, referia-me a todos nós. Ao fiscalizar o Executivo, é evidente que se está a fiscalizar também o seu Titular, portanto não vamos separar as coisas.

Sou o principal responsável pelo bom ou mau funcionamento do Executivo que encabeço. Essa vontade manifestada na última Sessão Plenária do Comité Central mantém-se, e os órgãos que têm essa possibilidade de fiscalizar, nomeadamente o Parlamento, através das audiências, das comissões de trabalho, das visitas parlamentares que são feitas às instituições, províncias e municípios, podem e devem fiscalizar as acções do Executivo, o que, em certa medida, já vem acontecendo.

 

P - Voltando um bocado ao início, que tem a ver com a primeira questão, relacionada com o repatriamento de capitais, tem havido muita conversa e muitas declarações sobre o repatriamento de capitais, mas também um silêncio em termos de número e valores já arrecadados. Como está a questão do repatriamento de capitais com Portugal?

PR - Quanto a dados estatísticos mais concretos, a seu devido tempo o Banco Nacional de Angola, entidade competente, vai prestando, ao longo do tempo, os esclarecimentos que se impuser.

Em relação a Portugal, nos encontros que tivemos, quer com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, quer com o primeiro-ministro, António Costa, recebemos a garantia de todo o apoio das autoridades portuguesas, no sentido de se conseguir, na modalidade que se vier a acordar, a forma mais específica. As autoridades portuguesas vão dar toda a colaboração possível para Angola reaver aquilo que é seu.

 

P - Nenhuma cidade de Angola tem os transportes públicos funcionais. Qual seria a solução para que, efectivamente, funcionassem como deve ser, se o Estado tem noção de quanto ganharia caso funcionassem como deve ser e quanto as famílias angolanas gastam em transportes públicos?

PR - O transporte público em Angola é problemático e, com certeza, o Executivo está atento a isso. O Ministério dos Transportes tem estado a estudar as melhores formas de resolver a problemática dos transportes públicos, sobretudo as grandes cidades como Luanda.

Evidentemente, também neste domínio contamos com a intervenção do sector privado. Há intenções de investimento privado, sobretudo nos sistemas de monorail (caminhos-de-ferro de uma só linha) e equivalentes.

Estas intenções devem ser analisadas pela entidade competente. Portanto, penso que vamos começar por verificar um investimento real neste domínio e noutros sectores.

Evidentemente que, quanto mais bem organizados tivermos o transporte público, todos ganham, ganham os cidadãos e ganha a economia nacional. Não vou falar em números de quanto, mas todos vamos ganhar.

 

P - Foram prometidos 500 mil empregos, mas, ao longo deste ano, muitas empresas foram à falência e aumentou também a delinquência. Quantos já foram criados e que medidas estão a ser tomadas?

PR - Começando pela delinquência, ela aumentou em determinada fase, mas posso garantir que, nesse momento, tem reduzido drasticamente.

Em relação à oferta de emprego, prometida no Programa de Governo do MPLA, refere-se a um período de cinco anos de um mandato e não para um período de 15 meses. Nós estamos a governar há escassos 15 meses. Não se pode esperar que aquilo que deve ser feito em cinco anos possa ser feito em apenas 15 meses. Tudo quanto estamos a fazer para a criação de um bom ambiente de negócios, para que as empresas funcionem, criem bens, produzam serviços e, consequentemente, emprego, é o esforço que está a ser feito, no sentido de resolvermos, entre outros problemas, o do emprego.

Quando falamos em diversificação da economia, não só queremos aumentar a produção interna de bens e serviços, queremos também aumentar a exportação de bens, e, ao mesmo tempo, com esta medida, pretendemos e estamos confiantes de que vamos conseguir aumentar a oferta de empregos.

 

P- Senhor Presidente, tomou posse como Titular do Poder Executivo há pouco mais de um ano e, por aquilo que se tem constatado, é que a condição social da população parece que piorou e, pelos contactos que a Rádio Despertar tem feito, a população não vislumbra a solução dos problemas que enfrenta. Actualmente, verifica-se que os hospitais públicos têm carência de medicamentos e de material gastável, bem como enfrentam dificuldades. Outro estrato da sociedade que reclama pelos seus direitos são os militares inscritos na Caixa Social das Forças Armadas Angolanas, que desde 2012 vêm reclamando pela reposição de subsídios que, segundo eles, foram retirados ao abrigo da lei pela Direcção da Caixa Social. Eles também dizem que escreveram várias vezes ao Senhor Presidente, mas não foram respondidos e advogam que o Senhor Presidente domina o dossier, porque, durante muito tempo, foi ministro da Defesa Nacional. Quanto tempo mais estes homens terão de esperar pela solução dos seus problemas?

PR - Em primeiro lugar, gostaria de dizer que o senhor acaba de violar um acordo que era de uma pergunta para cada órgão de comunicação social, mas fez-me duas. De todas as formas, vou responder às duas. A apreciação de que a situação social do país está a piorar é relativamente correcta, porque o bem-estar depende muito do volume de receitas que o Estado arrecada para poder fazer investimentos na área social.

Vocês sabem a quanto estava a ser comercializado o petróleo, principal produto das receitas internacionais, razão pela qual estamos a trabalhar para a diversificação da economia, e não se faz esta transição de sair de uma economia de petróleo para uma economia de não-petróleo de um dia para outro. Este milagre não existe! Jesus Cristo já morreu há muitos anos!

A situação dos hospitais não pode ser considerada ainda boa. Não é boa, mas devemos reconhecer que tem havido melhorias. Já não há tanta escassez de medicamentos como se diz.

Os hospitais de Luanda, que são os principais, como o Hospital Américo Boavida, o Josina Machel, o Pediátrico, o Oncológico, a Maternidade de Luanda, consulte as direcções desses hospitais, vão confirmar-lhe que há seis meses para cá o quadro se alterou de forma significativa. Que sejam eles a dizer e não o Titular do Poder Executivo!

Em relação à Caixa de Segurança Social, falar em militares ou ex-militares é necessário separar as coisas. Só têm direito à Caixa Social os oficiais reformados, só esses beneficiam da Caixa de Segurança Social.

Os ex-militares que não tenham atingido qualquer grau de oficial e que, portanto, não podem estar reformados são desmobilizados.

Reformado é o oficial, desmobilizado é o militar que não tenha qualquer grau e são os oficiais que são atendidos pela Caixa Social.

Sabemos da pressão que a Unita vem fazendo nos últimos anos, confundindo as coisas, no sentido de que os desmobilizados também sejam atendidos pela Caixa Social. Isso não é possível, portanto não vai acontecer. Há instituições próprias para atender aos desmobilizados, que são uma classe de militares ou ex-militares, para ser mais concreto. A Caixa de Segurança Social só atende aos oficiais na reforma.

 

P - Quero aproveitar a deixa do Senhor Presidente, ao responder ao colega da Rádio Despertar quando falava das instituições de Saúde. Há um ditado que diz “a prática é o melhor critério da verdade”, e noto-o na prática das elites angolanas, incluindo nessas elites Sua Excelência Senhor Presidente da República na rejeição a roçar mesmo o desprezo às instituições angolanas, sejam de Saúde, Ensino e do Turismo, enfim. Quando essas elites precisam de assistência médica e medicamentosa, é logo pegar num avião e ir ao exterior à procura. No ensino, a mesma coisa, e como os meninos não podem ficar muito tempo lá fora, usam as escolas consulares, tal como a Escola Portuguesa, onde todos os ministros têm lá os filhos. As instituições de lazer, o Senhor Presidente acaba de nos dar um exemplo disso no gozo de férias, que é seu direito, privilegiando Moçambique, nosso país irmão. Qual é a mensagem que essa elite transmite aos cidadãos comuns, irmãos angolanos, quando fazem essa rejeição a essas instituições?

PR - Nada lhe garante que nunca passei férias no meu país. O senhor está a fazer uma afirmação gratuita. Eu não nasci hoje e, ao longo dos anos, já passei férias no meu país “n” vezes.

Desta vez, entendi, a convite do meu homólogo presidente Nyusi, ir passar férias a um país africano. Não fui à China nem à “Conchichina”, como se costuma dizer, fui aqui perto a um país irmão africano.

O facto de ser Presidente da República não estou vedado de me ser dado este direito.
Em relação ao uso das unidades hospitalares ou não, é errado pensar-se que os cidadãos angolanos que se tratam lá fora só são da classe dirigente e, se calhar da classe dirigente do MPLA. A Junta Médica em Portugal e na África do Sul está cheia de cidadãos angolanos, noventa por cento deles são cidadãos comuns, e quem custeia estas despesas é o Estado angolano.

É verdade que o ideal seria investir estes recursos aqui no país, para a melhoria das nossas unidades e, por fim, estas juntas médicas. Mas, isso não se faz num dia! Isso é para se ir fazendo. Portanto, não podemos, de um momento para outro, mandar de volta para Angola os cidadãos angolanos que estão fora em junta médica, autorizados pelo Estado, que está a suportar as despesas, sob pena de virem a morrer aqui, porque se interrompe o tratamento de repente para certo tipo de doenças. Isso pode acontecer, e o Estado é um ente responsável e não pode acontecer para não sermos acusados de estar a mandar gente para fora, mas que fique claro que quem se trata lá fora não são só os governantes e muito menos os dirigentes políticos do MPLA!


Eu não sei se a Clínica Girassol tem câmaras que registam as entradas e saídas de cidadãos. Se tem, com certeza que estou lá registado pelo número de vezes que entrei, não só como ministro da Defesa, como até agora, enquanto Chefe de Estado.

Portanto, não façam afirmações gratuitas, só para querer incriminar. Isso não fica bem! É verdade que ainda temos muito trabalho a fazer, a fim de melhorar a qualidade dos nossos serviços sociais de saúde, educação, pois nunca negamos isso. Nunca dissemos que temos um sistema de educação e um sistema de saúde dos melhores do mundo, antes pelo contrário, somos os primeiros a reconhecer as nossas insuficiências e, só as reconhecendo, estaremos em condições de prestar atenção, no sentido de inverter o actual quadro, que, diga-se de passagem, não é bom, mas está cada vez menos mal.

 

P - Senhor Presidente, involuntária ou voluntariamente no seu último discurso, na I Reunião Ordinária do Comité Central, colocou o MPLA como o primeiro órgão quase de soberania. Acredita que, nesse seu esforço de combater a corrupção e repatriar os capitais, conseguirá sem um verdadeiro pacto de regime capaz de institucionalizar e conferir soberania aos verdadeiros órgãos de soberania?

PR – Eu vou responder-lhe, mas antes, se me permite, deixe-me voltar um pouco a respeito da questão da atenção a prestar à área social, Saúde e Educação, para dizer que esta questão não foi colocada por si, mas pelo seu colega que o antecedeu.

Em 2018, estava contemplado no Orçamento Geral do Estado 3.6 por cento desse mesmo orçamento dedicado à Saúde. Para o orçamento acabado de aprovar para 2019, nós temos 6.6 por cento desse mesmo OGE, dedicado à Saúde, praticamente o dobro dos recursos alocados em apenas um ano.

No que diz respeito à Educação, apesar de não ter sido tão grande como na Saúde, em 2018 era de 5.4 por cento e para 2019 é de 5.8. O aumento não é tão grande, mas é um sinal de que o Executivo dá uma importância muito grande a esses dois sectores, quer a Saúde, quer a Educação.

Voltando ao nosso amigo Wilian Tonet, um pacto de regime depende do que é que entende como pacto de regime e, se não se importar, gostaria de que esmiuçasse um pouco mais o que é que entende como pacto de regime, porque, com pacto ou sem pacto, temos de combater a corrupção.

 

P - Senhor Presidente, quando falava de pacto, é porque naturalmente o combate à corrupção tem sido falado. O MPLA tomou a dianteira, mas, se se empreender só o viés político, nesse combate vemos que nada pode vir a acontecer, vai mudar o que nada muda. Penso que esse combate deveria engajar todas as forças políticas para encontrar um denominador, porque agora não sente incompreensões na sua força política se o combate assentar fundamentalmente na parte política. É óbvio que pode haver acordos políticos. Se engajar toda a Nação, o Senhor estaria mais blindado e teria maior credibilidade este combate à corrupção, porque engajaria todas as partes e todos seriam partícipes naquilo que iríamos definir o que é a corrupção, pois temos a Lei 11/2015, que inviabiliza em quase uma percepção o que é que se vai repatriar, quando e a partir de onde se engajar todos, talvez fosse mais blindado este combate e gostaria de que se expressasse.

PR - Praticamente, em todos os meus discursos eu falo da necessidade do combate à corrupção e não só falo desta necessidade, mas também tenho tido o cuidado de apelar a todas as instituições do Estado, igrejas, organizações não-governamentais, associações profissionais, associações cívicas e, de uma forma geral, aos cidadãos que participem de forma activa nesta luta, que é de todos.

O MPLA não pretende monopolizar esta luta como sendo apenas sua. Nós não fechamos as portas a ninguém, dizendo que esta luta é do MPLA, só nós queremos a taça e que não queremos a interferência de mais ninguém. Isso não é verdade! Antes pelo contrário, somos quem, todos os dias, apela para a participação e contribuição de todos, sem exclusão de ninguém. Se existe alguma força política que se sente excluída desta luta, é porque ela própria se autoexcluiu. Nós só tomamos a iniciativa e talvez pelo facto de tomarmos a iniciativa não tenha sido do agrado de algumas forças políticas, se é que estavam à espera que fosse deles.

Nós tomámos a dianteira, tomámos a iniciativa, mas não afastámos ninguém. Portanto, o que está a dizer é precisamente o contrário do que está a acontecer. Nós não estamos a querer ficar sozinhos nesta luta e não estamos sozinhos nessa luta.

Não só não queremos estar sozinhos como também sentimos que não estamos sozinhos nesta luta.

 

P - Quando disse que encontrou os cofres do Estado vazios, já sabia que o Executivo cessante tinha deixado mais de 15 mil milhões de dólares? Que nível de comunicação tem com José Eduardo dos Santos?

PR - Quanto a esta questão, o importante é diferenciarmos, de forma clara, o que é que são as reservas internacionais líquidas, para que fim se destinam, qual é o carácter dessa reserva, e, como o próprio nome diz, é uma reserva, como deve ser gerido e o que é que são os chamados propriamente os cofres do Estado.

Quando falamos de cofres do Estado, estamos a falar da conta única do tesouro, que não tem nada a ver com as reservas internacionais líquidas.

Os ministros-membros da Comissão Económica vieram a público explicar precisamente isso, e ficou claro que o que havia na conta única do tesouro não dava para pagar mais do que cinco meses de salário da Função Pública, apenas isso. O país parava, não fazia mais nada, salvo pagar salários à Função Pública durante cinco meses, exactos cinco meses. Portanto, não houve nada de estranho do que foi dito. No discurso político, deve-se entender que, quando se diz que se encontrou os cofres do Estado vazios, ninguém está a querer dizer que os encontrou zerados.

Vazio não é sinonimo de zerado. Portanto, penso que este tipo de linguagem deve ser entendida.

Há uma segunda pergunta sobre o nível de relações com José Eduardo dos Santos. Eu considero-o normal, não tenho razões nem motivos para não dizer que temos boas relações pessoais.

 

P- O Senhor Presidente exonerou, no princípio do seu mandato, o secretário para os Assuntos Económicos, doutor Carlos Panzo, por estar implicado num processo penal aberto pelas autoridades suíças. Por que razão continua a dar protecção ao engenheiro Manuel Vicente, quando um tribunal português o condenou, recentemente, por crime de corrupção activa a uma procuradora daquele país?

PR - O senhor afirma que eu protejo o engenheiro Manuel Vicente, tem de explicar o que é que entende por protecção. O engenheiro Manuel Vicente não é membro do Executivo, não é ministro, contrariamente à situação do doutor Panzo, que, na altura em que recebemos a notificação das autoridades judiciais da Federação Suíça, era membro do Governo. Já nessa altura, o engenheiro Manuel Vicente não era membro do Executivo, não era vice-presidente, não era ministro de Estado nem ministro. Portanto, fica difícil entender por que o senhor diz dar protecção ao engenheiro Manuel Vicente. Eu dou-lhe a oportunidade de explicar melhor.

 

P – Sou leigo em matéria de Direito. O Senhor, como Titular do Poder Executivo, poderia tirar as imunidades ao deputado engenheiro Manuel Vicente e dar possibilidade de os nossos tribunais poderem dar seguimento ao processo já julgado em Portugal?

PR – Para um não-membro do Executivo, o levantamento das imunidades junto do Parlamento não pode ser feito pelo Executivo. Estamos a falar de poderes diferentes. Quem solicita são os órgãos de Justiça.

Os órgãos de Justiça, se quiserem dar continuidade a determinado processo e se se virem impedidos de o fazer, porque a pessoa visada está protegida por imunidades, sendo deputado, são eles mesmos (órgãos de Justiça) que solicitam o levantamento de imunidades directamente ao Parlamento, não passa pelo Executivo.

O titular do Poder Executivo não tem sequer de saber, mesmo se souber, não vai fazer nada, não é minha competência. É um deputado, se a Justiça entende que, para prosseguir com a sua acção, enquanto órgão de Justiça, importa que sejam levantadas as imunidades de determinado deputado, solicita o levantamento à Assembleia Nacional.

P - Qual é a disponibilidade de o seu Governo acelerar as negociações sobre o acordo geral de cooperação? Falo da concordata entre o Estado angolano e a Santa Sé, e qual é a previsão de um encontro entre o Senhor Presidente e o Papa Francisco, em Luanda ou no Vaticano?

PR – A esse respeito, devo dizer que conseguimos ultrapassar um pequeno impasse que existia. Quando digo que conseguimos, estou a referir-se à Delegação do Executivo angolano e à do Vaticano, aqui em Luanda, e, feito isso, foi enviado ao Vaticano para se pronunciar e estamos à espera da posição do Vaticano.

Neste momento, o que se passa é que o Vaticano deve propor-nos datas de assinatura e acordar connosco se a mesma será feita em Luanda ou lá, se na presença do Chefe de Estado angolano, o que não tem de ser necessariamente, e outra coisa é a minha visita ao Vaticano.

O Vaticano é um estado e, da mesma forma que eu realizei visitas de estado a outros estados, com certeza que um dia acontecerá. Espero que seja o mais breve possível a visita ao Estado do Vaticano.

 

P- O Senhor Presidente tem feito um esforço na captação de investimento estrangeiro, no combate à corrupção e na moralização da sociedade. Sente-se, no dia-a-dia, que os ministros e os seus auxiliares são tomados por um sentimento de medo na tomada de decisões, que são da sua responsabilidade. Isso tem emperrado, sobremaneira, o funcionamento da máquina e, por tabela, a vida dos cidadãos. Como ultrapassar esta situação?

PR - Preferiu chamar-lhe sentimento de medo. Eu não chamaria assim, mas devo dizer-lhe o que está em curso no nosso país. É um processo, não digo inédito, porque já aconteceu noutros, como Itália, Brasil, alguns com sucesso, outros sem sucesso, mas é um processo que exige muita coragem e determinação, e é normal ver, num momento ou outro, certa vacilação, mas temos a certeza de que o tempo vai acabar por esbater.

É um processo novo em Angola. Estamos a ensaiar programas que já constavam do nosso ideário, porquanto os programas que sustentam o Executivo, como a necessidade de combate à corrupção, não nasceu em Setembro de 2017.

Os nossos programas de há anos sempre defenderam a necessidade de combate à corrupção. A diferença é que esta equipa corajosa está a conseguir arrancar do papel aquilo que sempre foi o desejo do MPLA. Sempre foi desejo do povo angolano combater esta situação que se vinha perpetuando no país.

Falo de equipa e, como equipa, nós não somos medrosos. A equipa é corajosa e, assim, vamos manter-nos. Temos a certeza de que há maior ou menor dificuldades, pois temos a certeza de que há obstáculos no caminho. Aliás, não era de esperar outra coisa, pois existem obstáculos. Os caminhos têm buracos, pedras, riachos por atravessar, porque não nos queremos molhar, mas, se alguém pensa que vai à luta desejando vencer sem obstáculos, que saiba que isso não existe!

P - Como entender que, num claro cenário de recessão económica, com escassez de recursos e havendo uma contenção de despesas, o Executivo parta para a reabilitação do edifício do Conselho de Ministros, com os valores que vieram a público por intermédio dos órgãos de comunicação social, e é isso uma prioridade para o estado, quando há necessidades mais básicas que esperam por solução?

PR - Nós não estamos a fazer uma simples reabilitação, estamos a construir uma nova sala do Conselho de Ministros.

Na impossibilidade de ampliar a presente sala, os técnicos concluíram na vantagem de construção de uma nova sala, e é isso que está a ser feito. Nós não temos vergonha de dizer publicamente: não se está a roubar dinheiro.

A sala do Conselho de Ministros não é para lazer, é para trabalhos. Se nós estamos a construir um instrumento para melhor trabalhar e melhor servir os angolanos na função que exercemos, é porque o Executivo exerce peso, não temos vergonha disso, nem o receio de dizer aos angolanos que estamos a construir uma sala, é apenas uma sala.

 

P- O acesso à habitação ainda é um terror para muitas famílias, que muitos pais enfrentam, assim como muitos jovens. O acesso às centralidades esteve sempre em volta de processos fraudulentos. Alguns cidadãos tiveram acesso sem reunir as mínimas condições de honrar o compromisso com o Estado, outros ocuparam ilegalmente e outros ainda subalugaram, ganham dinheiro com as casas que o Estado construiu para a população, principalmente daquelas pessoas que não têm acesso a estas habitações. Quais as medidas que têm sido tomadas aos inquilinos que ainda não pagaram nenhuma prestação e se o Governo tem a noção a quanto o cofre do Estado já tem acesso com a comercialização dessas habitações?

PR - Começando pelo fim, o que o Estado já arrecadou ainda não deu para amortizar o investimento feito, aliás o período de amortização leva alguns anos.

Que medidas foram tomadas para corrigir estes males? Bom, eu acredito que algumas medidas vêm sendo tomadas, não as suficientes, pois precisamos de corrigir esta situação que está errada.

Louvo a sua intenção de ver ordem na sociedade, mas, paradoxalmente, se tomarmos as medidas, os seus colegas serão os primeiros a apontar o dedo ao Executivo, acusando-o de violação de direitos humanos, como se antes de viver nesses apartamentos vivessem ao relento.

São situações com as quais temos de viver, daí a Operação Resgate, a qual visa resgatar os valores, fazendo um conjunto de acções de carácter policial.

A Operação Resgate de valores não é uma operação só da Polícia, é de toda a sociedade. Ela só vai actuar nas situações mais aberrantes, pois o trabalho de educação é para ser feito sempre todos os dias.

 

P - Senhor Presidente, já revelou que é um hábito autêntico. Não se pode fazer mais de uma pergunta. Acaba de dizer isso mesmo. Para mim é muita tortura. Portanto, eu peço-lhe, obviamente, e só uma pergunta. Mas antes, permita-me só uma pequena deambulação. A minha pergunta tem a ver com o Acórdão 319/2013, que o Senhor, a meu ver, não respondeu, e que é um acórdão muito mais simbólico. Porque temos um novo regimento na Assembleia Nacional. A Constituição tem normas, que permitem uma revisão. Mas sabemos que a revisão de 2010, que consagrou o tal regime de presidencialismo atípico, foi uma revisão à chamada Constituição feita à medida de um homem. O Senhor já disse que a Constituição é a sua bússola, mas também mostrou que não está disponível para vestir o fato desse homem, obviamente, demasiado apertado para si. E também que tem a ver com isso, há uma questão que o (jornal) Vanguarda tem colocado insistentemente, que é a questão da remodelação governamental. Nós até já avançamos que seria até ao final do ano, o Senhor Presidente não nos quis fazer a vontade. Mas quando avançamos para a remodelação governamental, não estamos a fazê-lo por acaso. Nós sabemos porquê, e tem a ver com determinadas questões. O Senhor tem desestruturado, digamos assim, tudo que vem da governação anterior e tem aqui estas duas questões. Essa não é a minha pergunta, se me permite essa é a minha batata! A minha pergunta é: Porque o Senhor já nos habitou, nas suas intervenções, cuidadas, medidas, normalmente os seus discursos e as suas entrevistas aos órgãos de Comunicação Social, até agora estrangeiros. A única entrevista que deu a um angolano foi também para um órgão de Comunicação Social estrangeiro. E nessa entrevista, onde o Senhor, e insisto que não faz nada por acaso, nem ao acaso, disse que é exímio jogador de xadrez. A determinada altura lhe faço a seguinte pergunta: Como exímio jogador de xadrez que é, quando será o seu próximo xeque-mate? Essa é, obviamente alguém que conhece bem. O Senhor responde, não posso revelar, mas não tarda. O Senhor sabe que como exímio jogador de xadrez, as jogadas de xadrez têm tempo limite. Portanto, a minha pergunta é, não posso revelar. Isto, obviamente, o Senhor responde como exímio jogador de xadrez. Se me permite, a minha resposta é, não posso comentar. Eu preferia que não respondesse a minha última questão com uma não resposta.

PR - Dizia que lhe limitaram uma pergunta, é?

 

P - Uma Tortura.

PR - Tortura maior seria para mim se permitíssemos cada um fazer duas ou três perguntas. A informação que eu tenho é que nesta entrevista colectiva estão 20 órgãos. Se cada um fizer três perguntas, são 60 perguntas. Quem seria o torturado, eu ou a senhora?

 

P - Não me peça a mim que explique, por favor!

PR - Pergunta é, a resposta é óbvia. Bom, com relação ao Acórdão do Tribunal Constitucional. O Executivo não altera os acórdãos dos Tribunais e o que se tem falado como se fosse tão simples, enquanto titular do poder Executivo, dizer, chamar o Juiz Presidente do Tribunal Constitucional e dizer que amanhã quero ver alterado esse acórdão. Se não faço sou preso, se o faço sou preso também, porque estarei a violar a separação de poderes. Então, onde é que eu fico? Prefiro não violar o princípio da separação de poderes. Jogada de xadrez. O xadrez é jogado, é um jogo a dois. Portanto, tem que me dizer quem é o meu adversário. Ainda ninguém me disse!

 

P - Quer dizer que a primeira vez falou ao acaso?

PR - Quem é o meu adversário? Um jogo de xadrez joga-se contra alguém. Então digam quem é o meu adversário. Eu acho que estou sem adversário, por isso é que o cheque-mate tarda a chegar.

 

P - Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal é a lei nacional. E a bandeira de combate à corrupção foi hasteada muito alto dentro e fora de Angola. Preciso é de saber: Em 2019, o que os angolanos podem esperar da sua governação em relação à resolução dos seus problemas sociais básicos, no qual não vamos acrescentar apenas o da educação, mas o saneamento básico e a mobilidade rodoviária?

PR - Para 2019, nós aprovamos um Orçamento Geral do Estado. Talvez para começar por dizer que melhorar o que está bem, corrigir o que está mal, essa divisa não é minha. É do partido que eu dirijo. É do MPLA. Está bem acima da minha pessoa. Eu procuro executar. Eu estou a frente do Executivo, o Executivo é um instrumento de governação do partido governante.

Portanto, para o Orçamento de 2019, nós temos indicadores que em princípio vão levar à melhoria da situação dos cidadãos angolanos. Começando pelo próprio tecto do OGE 2019. Eu vou começar um pouco atrás. Em 2016, estava em 5.3 mil milhões, em 2017, subiu para 5.4 mil milhões, em 2018, subiu para 9.6 mil milhões. Para o ano de 2019, a Assembleia acaba de aprovar um tecto de 11.3 mil milhões. Portanto, não baixou, mas subiu. Com mais recursos resolvem-se mais problemas. Nós tínhamos um déficit orçamental em 2016, de 3.8, em 2017, de 6.3. No corrente ano de 2018, esse mesmo déficit já está ao seu redor de 6.3 para 0.4 do corrente ano e para o próximo ano prevemos 1.5. Portanto, já estivemos com 6.3 em 2017 e para 2019 esperamos um pouco mais. Em 2016, estávamos com uma taxa negativa de 2.6. Portanto, uma taxa negativa de 2.6% em 2016, a economia estava a regredir, não estava a crescer. Em 2017, continuávamos em baixo, ou seja, com uma taxa negativa de 0,17%. Em 2018, no corrente ano, já temos uma taxa de crescimento positivo ou (…) desculpa, ainda negativa de 1.9%. Mas para 2019, prevemos uma taxa positiva, nada desprezível, de 2.8%. Em 2016, tínhamos uma taxa de inflação de 41,9%, no ano seguinte 2017, baixou para 23.7%. Em 2018, essa inflação já estava mais baixa, ainda nos 18%. No próximo ano, aí vai a novidade, evidente, mas novidade não tanto assim. Para 2019, prevemos uma taxa de inflação de apenas 15%. Não que seja boa. Podia ser melhor. Mas (…) só podemos nos dar por satisfeitos, se não estivermos a ser enganados.

A diferença da taxa de câmbio entre o mercado paralelo e oficial, em Janeiro do corrente ano, estava com essa diferença em 150%. Em apenas nove meses, o Executivo conseguiu baixar esta diferença da taxa de câmbio de 15%, em Janeiro, para menos de 23%, em Setembro do presente ano. O orçamento que a Saúde e a Educação terão em 2019 já me referi a ele e, portanto, escuso de repetir. Neste mesmo, para o Orçamento de 2019, nós prevemos um incremento de recursos para a agricultura que é cinco vezes superior que os do corrente ano. De um ano para o outro, nós vamos quintuplicara a fatia do Orçamento Geral do Estado para a Agricultura, que era irrisória, eu diria mesmo que era vergonhosa, de apenas 0.7%, e vai passar para 1.6%, em 2019. É suficiente, não é? Evidentemente não suficiente? Mas é bem melhor, se quintuplicou, é bem melhor. Mas também importa dizer que esse incremento destina-se, sobretudo, a programas virados para apoio à agricultura.

Fazendeiros, estes têm como resolver os seus problemas. Desde que tenham capacidade de reembolso, resolvem o seu problema. O mesmo não se passa com os camponeses. A forma que encontramos é essa, de incrementarmos em cinco vezes. Os recursos serão postos à disposição dos programas de apoio à agricultura familiar e esta estatística não é tudo.

Para responder à sua pergunta, ontem mesmo, recebemos aqui em Luanda a directora-geral do Fundo Monetário Internacional, com quem negociamos e conseguimos a aprovação de um programa alargado de financiamento a Angola no valor de 3.7 mil milhões dólares, dos quais muito próximo de mil milhão já está em posse das nossas contas, há dias, e nos próximo três anos entrará o resto até atingir o tecto de 3.7, com um período de graça de quatro anos e meio, um período de reembolso e maturação de 10 anos e meio. Daí a razão ser óbvia de eu ter dito que nenhuma outra instituição no mundo oferece estas condições, com uma taxa de juros anual variável a ultrapassar os três por cento ao ano. Portanto, são condições que o Executivo angolano conseguiu negociar o Programa Alargado de Financiamento da instituição em condições que nos parecem ser bastante boas. Nós não conseguimos isto com mais nenhuma instituição de crédito. 2.5 a até 3% de taxa de juro anual, reembolsável em 10 anos e meio neste valor. Só daqui a quatro anos o Executivo vai começar a pagar ou reembolsar este valor de financiamento.

Durante todo o período de vigência que é de três anos, Angola não vai pagar absolutamente nada. Este programa alargado de financiamento vem, precisamente, para reforçar a capacidade do Executivo de resolver os problemas da população, todos os problemas sociais e garantir o êxito do programa de diversificação da economia, aumentar as exportações, aumentar o volume de receitas cambiais não petrolíferas e consequentemente aumentar a oferta de emprego para os nossos cidadãos. Portanto, penso ter esclarecido as suas questões.

 

P - Senhor Presidente, eu gostaria de saber como está o processo de exumação dos restos mortais de Jonas Savimbi, o líder da Unita? Ouviu-se falar de uma série de desentendimentos entre o Governo e Família. Portanto, a família e o governo, em relação ao exame de DNA. Como é que está este processo, Senhor Presidente?

PR - Bom, não se trata propriamente de um desentendimento com relação a esta questão especifica de exame de DNA. O que se passa é que a Unita e a família, ainda na vigência do anterior Executivo, solicitaram que o Governo fizesse a exumação e a transladação dos restos mortais do Dr. Jonas Savimbi, o que, por razões de vária ordem, acabou por não acontecer. Não é isto que está em questão. A verdade é que imediatamente a minha investidura, nós ouvimos pela Comunicação Social intervenções de políticos da Unita a solicitar que o actual Executivo desse continuidade e conclui-se este processo. Como se não bastasse, eu recebi em audiência o senhor Isaías Samakuva, líder da Unita, que, entre outras questões, colocou também este problema. Eu procurei inteirar-me do histórico e o que me foi dito é que já tinha sido criada uma comissão para tratar deste assunto. E o que fiz foi reactivar esta comissão. Essa mesma comissão foi reactivada e começou de imediato a trabalhar, quer com a direcção do partido Unita quer com a família. Portanto, a Unita queixava-se de lentidão nesse processo e nós procuramos satisfazer a sua ansiedade de ver o caso resolvido o mais rapidamente possível e assim fizemos. Trabalhamos sempre em conjunto, direcção da Unita e a família, no sentido de tornarmos realidade o desejo quer de um quer de outro e o que devo dizer é que neste momento, no que ao Executivo diz respeito, nós estamos em condições de realizar esta operação a qualquer momento, mas não encontramos, paradoxalmente, da parte da direcção da Unita a mesma vontade, o que choca com a ansiedade que nós tínhamos atrás. Hoje não temos o mesmo interesse. Diziam: governo anda rápido, e nós dizemos: estamos em condições de realizar a operação, e a resposta que estamos a ter é: tenham calma, nós agora não temos pressa. Mas em relação ao exame de DNA, não há nenhuma contradição, ficou acordado que uma vez feita a exumação dos restos mortais, quer o Governo quer a família vão fazer a partir das amostras total exame de DNA para mostrar que efectivamente são os restos mortais dele. Portanto, o Governo faz e a família também faz. Nós concordamos, nós estamos preparados para fazer e logo a seguir depositar os restos mortais na localidade escolhida pela família e pela direcção da Unita. Mas é preciso que a opinião pública saiba que o que está a se passar é isto. Mas hoje estamos, por outras palavras, a pedir que aguentemos mais um pouco, que não corramos como estamos a correr, estamos em condições de o fazer a qualquer momento.

Muitas famílias angolanas gostariam que o Estado angolano também ajudasse a localizar os restos mortais dos seus familiares tombados durante o conflito armado, localizar, exumar, transladar (… ) bom, quem tem esta possibilidade está a querer desperdiça-la. Portanto, é um caso para pensar.

 

P - Senhor Presidente, a abertura informativa dos órgãos públicos tem vindo a ser uma marca durante o seu mandato. Portanto, esse processo vai continuar e que elementos têm estado a contribuir para aprofundar a democracia? No país temos um espaço mais pluralista do que antes?

PR - Está a perguntar ou está a afirmar?

 

P - Estou a perguntar, sua Excelência.

PR - A minha percepção é que temos um espaço público mais aberto e é para continuar. Não sei se sentiu algum sinal de recuo! Se sentiu, é um falso sinal de que existe intenção de recuar.

 

P - Senhor Presidente, a minha questão vai sobre o Islão. Angola, ao que consta na Constituição, diz ser um Estado laico e ao que consta é um dos únicos países em África que ainda não aceitou oficialmente o Islão ou a religião islâmica, cuja coexistência, nos últimos anos, tem sido marcado com actos de encerramento de mesquitas, condenações dos seus fiéis por estarem a ler livros. Senhor Presidente, eu gostaria de saber até que ponto esta reacção do Estado angolano pode beliscar as relações do país perante a comunidade internacional.

PR - Os dossiers são para serem resolvidos. Nós tivemos durante vários anos um dossier Rádio Ecclesia, expande não expande. Hoje é um dossier que pertence ao passado, está ultrapassado. A questão do reconhecimento do islamismo em Angola, sabe que, se por um lado a Constituição diz que somos um Estado laico, somos de facto, por outro lado, há aspectos de ordem cultural que também devem ser tidos em conta. Maioritariamente o facto de Angola ser, Angola não digo, mas a população angolana ser maioritariamente cristã, dentre várias confissões cristãs (...), isto não é factor para a não permissão de outras confissões. O que se passa é que ela não está reconhecida, mas não se pode dizer que aqueles que são desta religião estão proibidos de praticar, pelo que eu saiba até praticam na via pública, pelo que (…) encerrando vias, dificultando a vida do cidadão comum no dia-a-dia, e nunca ninguém os molestou pelo facto de estarem a rezar na via pública, um local impróprio. Portanto, é uma questão que para nós não é um tabu, nós temos que enfrentar meios diferentes com frontalidade. As entidades competentes com certeza devem estar a analisar quer esta quer outra. A aprovação de outras confissões religiosas e outras que têm pedidos feitos estão a ser analisados. Não apenas esta, mas ela se enquadra num grupo de tantas outras que não estão autorizados. E dizer que não é verdade que são detidas pessoas pelo facto de estarem a ler o Alcorão. Isto, eu desminto categoricamente. Portanto, não há ninguém que estando a ler o Alcorão é detido. Isto é falso, não deve ser o Alcorão.

P - Livros!

PR - O senhor disse que é Alcorão!

 

P - Já foram condenadas quatro pessoas o ano passado a três anos de prisão, pelo tribunal provincial de Luanda, por estarem a ler livros e estão detidas na cadeia de Viana.

PR - Bom, (…) então devia ser concreto e ir directo ao assunto. Nós recebemos há bem pouco tempo alguns representantes da sociedade civil. Alguns, não são todos, evidentemente, representantes de associações cívicas que me colocaram muitos problemas, entre os quais este caso concreto e outros, eu prometi averiguar e dar uma resposta nos próximos dias.

Portanto, o Ministério da Justiça está a analisar este caso. Não me lembro, mas sei que eu prometi pelo menos ver. Isto está sendo feito e aguardemos pelo desfecho.

 

P - Tem-se falado de muitos assuntos. Eu penso que um dos assuntos mais importantes no país são as desigualdades sociais, porque sem paz não há desenvolvimento económico. No aspecto das desigualdades sociais, eu gostaria de questionar quais as medidas concretas para se atenuar estas desigualdades sociais? De um lado, a implementação do subsídio de desemprego, por outro lado, a criação de rendimento mínimo, por outro lado a indexação do salário da função pública, a taxa de inflação por um lado e por outro lado a questão da tributação das fortunas, aquilo que será o mais importante que hoje me apresenta os seus lucros, títulos de tesouro que na verdade é à boleia do próprio Estado, são as privatizações das próprias empresas do Estado e isto pode correr o risco de seguirmos aquilo que é a segunda versão, a acumulação primitiva de capitais que pode integrar uma elite específica destas elites especiais. Bom natal para si e a sua família.

PR - Bom, eu fico muito satisfeito quando o jornalista em vez de fazer perguntas dá respostas. Que é o seu caso. Escuso-me de repetir a resposta pedagógica dada por si próprio. Portanto, é função do Estado zelar pelas camadas mais desfavorecidas da população e há várias formas de o fazer. Já tudo está inventado, não vamos inventar nada. Vamos fazer aquilo que as economias em geral fazem para adaptação das acções consoante à realidade de cada país. Em todas economias, em todas as sociedades há classe média, há pobres e há muitos ricos. A missão do Estado é criar condições no sentido de que a percentagem entre uns e outros seja aceitável.

Portanto, uma sociedade não pode ter 90 por cento de pobres ou muito pobres, da mesma forma também não pode ter 90 por cento de milionários. Portanto, isso é impensável. Tem de ter todas as franjas da sociedade. Tem que ter ricos, com dinheiro ganho de forma limpa, se quisermos falar em linguagem clara. Portanto, ser rico não é crime, o rico não é necessariamente corrupto, isso fique bem claro. Nesta nossa luta contra a corrupção, nós não estamos a lutar contra ricos. Se não houver ricos, não há riqueza e o país tem de ter riquezas. Os ricos têm de dar emprego aos pobres. Portanto, tem de haver ricos, desde que não atropelem a lei e as normas que qualquer sociedade define como limites. Isso para dizer que se a pobreza atingiu níveis assustadores, o Estado deve tomar medidas no sentido de poder fazer baixar esses níveis consideráveis e assustadores de pobreza. É um conjunto de medidas que não vou poder enumerar, algumas delas, o senhor. jornalista acabou de dizer.

PR - Eu peço desculpas, o senhor colocou uma questão, a última!

 

P - Privatizações?

PR - Sim senhor, sobre Privatizações.

Bom, nós queremos fazer as privatizações de forma correcta, ou seja, nós não podemos entregar património do Estado a um grupo de pessoas de bandeja. Não vamos fazer isso. De modo específico, não podemos fazer isso. Mas é isso que estamos a combater. Se fizermos isso é melhor irmos para casa, não estamos a fazer nada. Nós queremos privatizar de forma correcta. E as formas correctas são conhecidas, por via de concursos públicos, por via da bolsa de valores, se existe, por via de mercado de capitais que no fundo é um embrião da bolsa. Portanto, é por essas vias que a privatização vai ser feita. Nós não vamos tirar do Estado e entregarmos a algum dos privilegiados. Portanto, fique descansado que isso não vai acontecer.

 

P - Duas das questões foram ultrapassadas. Mas ainda assim tenho uma pergunta alternativa. Em Janeiro último, quando aqui estivemos na primeira conferência de imprensa, ou seja, na primeira entrevista colectiva, o Senhor Presidente falou da necessidade de reduzir a máquina da função pública. Volvidos praticamente um ano, pondera avançar pelo despedimento na função pública em 2019?

PR - Bom, essa é uma questão que é melindrosa. Que nós estamos com uma taxa de desemprego de cerca de 20 por cento e todas as acções que levem ao crescimento dessa taxa devem ser muito bem ponderadas. O seu colega que o antecedeu disse, e muito bem, que as privatizações geram, de forma geral, mais desemprego. Portanto, a sociedade ganha, por um lado, mas perde por outro lado. O privado que ficar com as unidades privatizadas, há-de querer ficar, vai fazer o estudo de viabilidade do negócio e vai ficar com a mão-de-obra estritamente necessária, deixando o excedente à responsabilidade do Estado.

Quando nós nos referíamos à redução da máquina do Estado, isso é, para ser feito por fases, começando pela composição do próprio Executivo que hoje não tem os 35 ministros que tinha. Hoje tem pouco menos de 30. Bom, e outras medidas de contenção das despesas no geral que não passam apenas pela redução do pessoal, mas que é uma forma de despesas. Mas há outras formas de reduzir e que no nosso mandato, de forma gradual, vamos reduzindo. Não queremos nada feito de forma muito brusca, sob pena de depois resolvermos um problema e abrirmos novos problemas.

 

P - Eu vou falar espanhol. Este é o primeiro ano de governo, não visitou nenhum país da América Latina, qual é a estratégia do Executivo em relação a esta região do mundo? A minha segunda pergunta é, qual é a posição de Angola em relação à República do Congo?

PR - Sim. De facto, nos 15 meses do meu mandato não visitei nenhum país da América Latina. Mesmo assim, há quem seja de opinião de que passeei demais, como se tivesse passeado. Estive em serviço a favor de Angola, a favor do país e mesmo assim não deu para estar em todos os sítios, onde gostaria de estar, mas tenho tempo para fazer isso. Não podia fazer necessariamente no primeiro ano do meu mandato. Portanto, nós vamos visitar, não digo todos, mas também alguns países da América Latina. Em princípio, o que lhe posso garantir é que está mais ou menos já aprazado, entre mim e o meu homologo cubano, Miguel Días-Canel, visitar Cuba, no fim do primeiro trimestre de 2019 ou no início do segundo trimestre do ano. Em princípio, em relação a Cuba está mais ou menos assegurado, estando apenas à espera que a nível das diplomacias se acerte em concreto as datas das visitas.

Em relação ao nosso país vizinho, a RDC, eu não tenho opinião. Portanto, eleições num país são uma matéria que em princípio tem a ver com o próprio país, as autoridades do país, os partidos políticos, os concorrentes, a sociedade civil e é evidente que gostaríamos todos de ver que ela tivesse lugar na data inicialmente aprazada, mas também acredito que terá havido razões objectivas de força maior que levaram ao adiamento das eleições por cerca de uma semana. Portanto, só os próprios congolenses sabem das razões reais que levaram a essa decisão e penso que por sete dias. O importante é que se realize. Não serão no domingo, mas que tenham lugar, e nota-se que houve a preocupação de ser ainda neste ano de 2018. Portanto, não se quis passar para o ano seguinte. Se fosse no dia 01 de Janeiro, já seria de 2019 e não 2018. Os nossos votos são de que o ambiente melhore consideravelmente. Pelo menos, sabemos que existe alguma turbulência, alguma agitação, que é normal nos processos eleitorais desde que não haja mortes e feridos. Portanto, quando há mortes e feridos, é sempre a lamentar. O nosso desejo é que nessa última semana que falta, que as coisas voltem completamente à normalidade. Que se crie, portanto, ambiente que se exerça de forma sossegada o seu direito de escolher os dirigentes que vão estar a frente do país, nos próximos tempos.