Luanda - A semana passada foi marcada pela entrevista colectiva do Presidente da República, o que representa o grau de democraticidade e abertura à imprensa do Titular do Poder Exectutivo, foram-lhe colocadas questões relacionadas a diversos temas socias, económicos e jurídicos. Dentre as miríades de questões colocadas ao Presidente da República, a relativa ao envolvimento do antigo Vice-Presidente da República, o Eng. Manuel Vicente, chama-nos a atenção, pelo facto de o jornalista ter perguntado as razões que levavam o Executivo angolano a dar cobertura ou a acobertar o antigo Vice-Presidente; das acções da justiça ou quais as razões que o levavam a não requerer ou propor ao Parlamento o levantamento das suas imunidades, para que fosse, por hipótese, exemplarmente sancionado. 

Fonte: Club-k.net


Ao  que o Presidente da República, replicou afirmando, em primeiro lugar, “que o antigo Vice-Presidente não é membro do seu Executivo e, em segundo lugar, para um não-membro do Executivo o levantamento das imunidades, junto do Parlamento, não pode ser feito pelo Executivo. Estamos a falar de poderes diferentes. Quem solicita são os órgãos de Justiça.


E o órgãos de Justiça se quiserem dar continuidade a determinado processo e se se virem impedidos de o fazer, porque a pessoa visada está protegida por imunidades, sendo deputado, são eles mesmos (órgãos de Justiça) que solicitam o levantamento de imunidades directamente ao Parlamento, não passa pelo Executivo.


O titular do Poder Executivo não tem sequer de saber, mesmo se souber, não vai fazer nada, não é minha competência. É um deputado, se a Justiça entende que, para prosseguir com a sua acção, enquanto órgão de Justiça, importa que sejam levantadas as imunidades de determinado deputado, solicita o levantamento à Assembleia Nacional”. Fim de citação.


Ora bem, as respostas do Presidente da República, foram bem dadas levando em consideração o princípio da separação de Montesquieau, que aconselha a separação de poderes entre o executivo; o legislativo e o judicial. Pese embora em algum momento e por razões ponderosas que se podem justificar como sendo políticas de afirmação do Estado, atentos ‵à qualidade do sujeito em questão, e com fundamentos na existência de um acordo bilateral entre Angola e Portugal, o Presidente da República, teve de se impor e avocar para a justiça angolana a prerrogativa de esta julgar o antigo Vice-Presidente da República. Em momento anterior à entrevista colectiva do Titular do Poder Executivo, o antigo Vice-Presidente, em entrevista concedida ao Semanário português EXPRESSO, manifestou a intenção de se submeter às acções da justiça angolana, segundo informações veiculadas por aquele Semanário.


Atentos à factualidade acima exposta, o nosso foco, enquanto juristas e fazedores de opinião jurídica, não se cinge às entrevistas em si, nem à figura dos seus interlocutores, mas às questões de natureza jurídica trazidas à liça, primacialmente, às referentes às imunidades do antigo Vice-Presidente.


Começaremos por analisar as sobreditas imunidades, nos termos e moldes seguintes:


I. As imunidades são privilégios do estatuto de determinadas funções. Distinguem-se em materiais ou substantivas (os titulares de certos cargos ficam isentos de responsabilidade criminal) e imunidades formais ou processuais (os titulares de diferentes cargos beneficiam de diferentes garantias processuais);


II. A atribuição de ou as imunidades não violam o princípio da isonomia, consagrado no artigo 23.º da Constituição da República de Angola, porque as imunidades estão ligadas ao exercício do cargo e constituem privilégios de todos aqueles que exerçam ou que venham a exercer um dado cargo.


III. O Presidente da República, o Vice-Presidente, os deputados, os auxiliares do Titular do Poder Executivo e os magistrados gozam de prerrogativas nos termos dos artigos 127.º; 131.º n.º4; 150.º; 179.º; 188.º da Constituição da República de Angola. Quanto à competência para o julgamento das entidades em questão, bem como para a prática de outros actos jurisdicionais, cabe ao Tribunal Supremo, não se tratando, entretanto, de um privilégio de natureza pessoal, atentos ao facto de que, nestas circunstâncias, o Tribunal Supremo funciona como primeira instância.


IV. Importa asseverar que muitas das imunidades dos deputados derivam da necessidade de garantir um bom funcionamento do exercício do poder legislativo, que se destinam a assegurar a liberdade de expressão, permitindo o debate de questões importantes a favor do povo que os elegeu.


V. Voltando para a questão da responsabilização criminal do antigo Vice-Presidente, importa, num primeiro andamento, referir que goza, nos termos da CRA, mutatis mutandis, das mesmas prerrogativas do Presidente da República, vide o n.* 4 do artigo 131.º.


VI. O Vice-Presidente não responde pelos actos praticados no exercício das suas funções, salvo no caso de suborno, traição à pátria e pelo crimes definidos pela CRA como imprescritíveis e insusceptíveis de amnistia. Pelos crimes estranhos ao exercício das suas funções, o Vice-Presidente responde perante o Tribunal Supremo, cinco anos depois de terminado o seu mandato.


VII. As situações de que vem indiciado o antigo Vice-Presidente, estão tipificadas no nosso ordenamento, e terminada a fase da instrução preparatória e a consequente acusação, poderão, eventualmente, dar lugar a responsabilização caso se assistam ou se verificam os sinais capazes de conduzir aos crimes de corrupção ou ao peculato, e caso se preencham os elementos objectivos e subjectivos do tipo.


VIII. Para o caso em apreço, o nosso antigo Vice-Presidente se encontra duplamente escudado pelas prerrogativas que actualmente, dispõe, quer enquanto deputado, quer enquanto antigo Vice-Presidente, como já ficou esgrimido supra.


IX. O grande busílis da questão é: Como levantar essa dupla imunidade detida pelo preclaro antigo Vice-presidente. Se para a sua qualidade de deputado a situação parece simples, uma vez que compete unicamente à Assembleia Nacional se pronunciar. Já para a sua qualidade de antigo Vice-Presidente, a questão não é tão simples assim, por conta dos contornos constitucionais e políticos que apresenta, resultantes dos limites impostos pela CRA.


X. Um requerimento do Tribunal Supremo dirigido à Assembleia Nacional, não levantam as imunidades inerentes ao cargo de antigo Vice-Presidente, pois se tratam de uma prerrogativa constitucional, que, em nosso entender, implica uma revisão constitucional e pelas suas características a nossa Constituição é rígida, vide os artigos 233.º e seguintes da CRA. E ainda que fosse possível, alterar a própria CRA configura um limite intransponível, ínsito no seu artigo 57.º, que prevê a irretroactividade das leis restritivas de direitos liberdades e garantias.

XI. A questão que se coloca agora é: Como resolver o imbróglio? Há duas saídas, em nosso entender, que se traduzem em:


a. Tratando-se as imunidades de prerrogativas institucionais e funcionais atinentes ao cargo de Vice-Presidente ou Presidente, que, em bom rigor, geram o direito de não ser responsabilizado pelos actos praticados durante o seu consulado, sem perder de vista as devidas excepções (vide artigo 127.º e 131.º da CRA) e o privilégio de apenas vir a ser responsabilizado volvidos cinco anos por delitos comuns, como é o assunto vertente. Não se tratando tal direito, de um direito absoluto, o antigo Vice-Presidente querendo, pode renunciá-lo, requerendo ao Presidente do Tribunal Supremo, que é o foro competente para o julgar em 1ª instância, manifestando a renúncia do privilégio de que dispõe no âmbito do princípio de cooperação com a justiça, cabendo ao Supremo, se assim o entender, requerer o pronunciamento do Tribunal Constitucional, sobre a citada renúncia.


Entendemos que tal direito ou prerrogativa é renunciável, na medida que, nos termos do artigo 116.º da CRA, pode renunciar o mandato ou exercício do cargo, bem como, em sede das leis do Estatuto dos Antigos Presidentes da República de Angola, pode renunciar os privilégios do artigo 15.º da Lei n.º 16/17, de 17 de Agosto, ad maiori, ad minus. Esta hipótese é bastante remota.


b. Outra saída pode ser encontrada no n.º5 do artigo 7.º, segundo o qual “5. Sob reserva das disposições da legislação nacional, qualquer imunidade concedida a funcionários públicos não deve constituir um obstáculo à investigação das suspeitas que pesam sobre eles e acção judicial contra tais funcionários”, da CONVENÇÃO DA UNIÃO AFRICANA SOBRE A PREVENÇÃO E O COMBATE À CORRUPÇÃO , ratificada por Angola, sem reservas (distracção dos assessores e legisladores, na altura), que, por força do artigo 13.º da CRA, acaba com os limites ou seja derroga os artigos 127.º e n. º 131.º, no que diz respeito à responsabilidade criminal do Presidente e seu Vice-Presidente, pois, nos termos do citado artigo, o direito internacional geral ou comum, recebido nos termos da presente Constituição, faz parte integrante da ordem jurídica angolana, n.º 1, e, por outro, os tratados e acordos internacionais regularmente aprovados ou ratificados vigoram na ordem jurídica angolana após a sua publicação oficial e entrada em vigor na ordem internacional e enquanto vincularem internacionalmente o Estado angolano.

Salvo melhor opinião, este é o nosso ponto de vista, que não transcende a vista de um ponto.


Luanda, 27 de dezembro de 2018.
Almeida Lucas Chingala - Eterno Aprendiz de Direito