Luanda - Completados três meses desde que, por via de Decreto, o Presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço, reverteu a gestão e titularidade das concessões dos seis projectos de desenvolvimento agro-pecuários de sociedades agropecuárias, designadamente, as fazendas do Longa (Cuando Cubango), Camaiangala (Moxico), Cuimba (Zaire), Manquete (Cunene), Camacupa (Bié) e Sanza Pombo (Uíge), a favor do Estado, pouco ou nada avançou nesse sentido.

*Ramiro Aleixo
Fonte: Club-k.net

O QUE SE TEMIA ESTÁ A ACONTECER

De acordo com fonte ligada ao processo, o pior é que parte dos produtos produzidos pela entidade gestora, a Cofergepo, S.A. começou a ser retirada sem o seu assentimento, em desrespeito à compromissos assumidos com entidades que, no caso do milho, até pagaram adiantado permitindo assim que houvesse fundos para assegurar a funcionalidade das empresas, quando essa entidade se viu impedida de receber recursos provenientes do exterior.


O desagrado consta de uma reclamação apresentada na passada semana pela representação jurídica da Cofergepo - na qualidade de arrendatária das fazendas objecto das concessões entretanto resgatadas por meio do Decreto Presidencial tornado público a 25 de Setembro último - ao presidente do Conselho de Administração do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), Valter Barros, que aparece a dirigir esse processo, por “incumprimento dos compromissos assumidos no âmbito do programa de entrega formal das fazendas ao Estado”, resultantes de uma reunião tida a 23 de Novembro.


No documento, a parte reclamante refere que, durante a reunião com a direcção do IGAPE, foram discutidas questões que se prendem com a apresentação de provas documentais que atestam a legitimidade da Cofergepo para participar e representar as concessionárias, no âmbito do processo de inventário e consequente entrega formal das fazendas ao Estado, o cronograma, o cumprimento por parte desta entidade de contratos celebrados com clientes, bem como, a saída dos produtos em stock nalgumas fazendas, particularmente de milho, sem o seu prévio conhecimento, tendo em conta a defesa dos seus direitos de propriedade como resultado dos investimentos realizados na recuperação dos empreendimentos e relançamento da actividade agro-pecuária, num período de cerca de dois anos.


Durante a reunião entre as partes, várias foram as questões abordadas e ficou acordado, que a Cofergepo faria prova da sua legitimidade mediante envio dos contratos celebrados com as concessionárias ao IGAPE, que os processos de inventário e de entrega das fazendas iriam decorrer de forma simultânea, seguindo o critério de duas fazendas por semana, com início em 3 de Dezembro. O processo começaria pela fazenda de Sanza Pombo (Uíge), uma vez que esta unidade tem gado que pode ser afectado pelo vazio de gestão. Do mesmo modo, as partes acordaram que a Cofergepo seria previamente informada da necessidade de se retirar milho ou quaisquer activos das fazendas, bem como das respectivas quantidades e destino, e que depois de elaborada a acta da reunião, a mesma seria assinada pelos presentes, concretamente, pelo PCA do IGAPE e pelo seu assessor, Valter Barros e Júlio Londa, respectivamente, bem como por Carlos Paim, na qualidade de representante do MINIGRAF.


A reclamação aponta que, “a Cofergepo enviou, por correio electrónico, cópia dos contratos de arrendamento rural, bem como a primeira versão da acta da reunião no dia 4 de Dezembro de 2018”. Contudo, passados agora cerca de 30 dias, como refere a reclamação, “a acta não foi assinada pelos presentes, apesar de terem sido feitas as alterações sugeridas e de terem sido enviadas 3 (três) vias da mesma já assinadas pelo representante e mandatários da Cofergepo”.


Contrariando as questões acordadas na reunião, a parte reclamante dá conta que continua a ser retirado milho das fazendas. “Além de o milho estar a ser retirado das fazendas, há igualmente milho a ser transformado em fuba, sem prévio conhecimento da Cofergepo e, até a presente data, não houve qualquer pronunciamento relativamente ao Plano de Entrega reformulado e enviado pela Cofergepo, na sequência da solicitação do MINIGRAF” – refere a comunicação.


No documento endereçado a Valter Barros, presidente do Conselho de Administração do IGAPE, e tal como foi declarado na primeira e única reunião mantida depois da divulgação do Decreto Presidencial, a Cofergepo deixa claro que todo milho produzido durante o seu exercício e que se encontra(va) nas fazendas “está totalmente contratualizado, na medida em que, foram assinados contratos de compra e venda e recebidos pagamentos de clientes, pelo que, todo e qualquer prejuízo que a Cofergepo vier a sofrer como consequência das mencionadas retiradas e transformação do milho, nos termos referidos, serão sujeitos a ressarcimento pelas entidades que assim procedem, nos termos do dano emergente e do lucro cessante, sem prejuízo de responsabilização por eventuais indemnizações devidas a clientes por incumprimento dos contratos entretanto celebrados”.


Na sua reclamação, a Cofergepo destaca igualmente que “a falta de pronunciamento e comprometimento por parte dos representantes do Estado, relativamente às datas do inventário e consequente entrega das fazendas, as constantes retiradas de milho das fazendas, bem como a sua transformação em fuba, sem prévio conhecimento, têm e continuarão a provocar sérios transtornos, na medida em que, a Cofergepo tem suportado despesas administrativas e operacionais que não teria nesta fase, caso os compromissos assumidos durante a reunião do dia 23 de Novembro de 2018 tivessem sido cumpridos”.


Para além do milho e da sua transformação em fuba, a entidade gestora tomou também conhecimento, de que têm sido retirados igualmente das fazendas factores de produção, sendo que o único movimento de que foi previamente informada é relativo à uma máquina de silagem, retirada com o argumento de que será “a título de empréstimo”.


Recordamos que na mesma ocasião, noutro Decreto, o Presidente da República, autorizou a abertura de um concurso público internacional para a privatização dos seis empreendimentos agro-indústriais resgatados, a entidades dotadas de capacidade técnica e financeira, que até ao momento também não foi sequer regulado.


No entanto, a forma como esse processo foi conduzido, não acautelou todo o trabalho realizado pela Cofergepo para recuperação e valorização das fazendas, que já estavam em franca recuperação depois do saque e do vandalismo a que foram sujeitas no curto espaço de quase quatro anos da gestão leviana da Gesterra com parceria chinesa, ao abrigo de um investimento mal sucedido do Estado angolano que rondou os 750 milhões de dólares, sem que tenha havido, da parte do Governo, a devida responsabilização aos culpados que estão perfeitamente identificados. Antes pelo contrário, alguns dos principais responsáveis pelo descalabro não só foram reconduzidos na chefia de importantes áreas do Ministério da Agricultura, como até aparecem agora na condução desse processo de privatização, apesar de, com suporte de meios obtidos do negócio milionário dos projectos, terem igualmente criado fazendas e outros projectos privados de grande envergadura, que produzem grandes resultados financeiros.


Na implementação desse processo, de todo mal conduzido e que acabou caucionado pelo Decreto do Presidente da República, a verdade é que, a privatização das fazendas acontecerá de forma desvantajosa para o Governo angolano, face a sua depreciação, uma atitude que, de acordo com alguns empresários ligados à agro-indústria, foi propositada para favorecer a compra por pessoas que conhecem bem esses empreendimentos, embora tenham sido sobredimensionados para a capacidade produtiva das regiões onde foram instaladas.


Mas o que é mesmo um facto, é que a campanha agrícola 2018/2019, que deveria ser acautelada por um processo transitório acautelado e responsável, porque se esperavam melhores resultados do que na anterior, tida como de arranque da recuperação, já está seriamente comprometida, deixando antever, no mínimo, um período de 12 meses de inactividade agrícola produtiva, com um custo estimado em 1.200 milhões de Kwanzas para quem ficar com as fazendas.


A perspectiva é que, mesmo que se tente uma solução que permita cultivar uma área menor para manter a capacidade produtiva, pelo menos dos terrenos abertos, ela será sempre de grande incerteza quanto ao resultado.


Em conclusão, até a recuperação dessas fazendas, muita água ainda rolará debaixo da ponte. E os atrasos na conclusão dos procedimentos da parte do Conselho de Administração do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado, bem como, da direcção do Ministério da Agricultura, para alem da má fé que tem envolvido todo o processo já que foi essa entidade quem mais influenciou a tomada de decisão do Presidente da República, reflecte um certo embaraço e incompetência na condução do dossier, que pode conduzir a um impasse, tendo em conta que a rentabilização dessas fazendas, como consequência do seu sobredimensionamento, da qualidade dos solos e da disponibilidade de áreas agricultáveis, podem constituir factores pouco atractivos, até mesmo para entidades dotadas de capacidade técnica e financeira (se não forem as mesmas entidades que às conduziram à falência), porque ao contrário do que têm feito instituições do Estado angolano, o investimento privado, nacional ou estrangeiro, não é feito sem o propósito da sua recuperação e a geração de lucro.


Na sequência dessa reclamação, quer por telefone quer por email, procuramos obter a versão de Valter Barros, presidente do Conselho de Administração do IGAPE, no que não fomos bem sucedidos provavelmente, como afirmam as nossas fontes, não só porque não tem argumentos, mas porque a implementação desse processo depende em primeira instância da direcção do Ministério da Agricultura. Após a pressão realizada para afastamento da entidade gestora, a Cofergepo, não se sente confortável em receber as fazendas e mantê-las por forma a salvaguardar tudo o que foi recuperado.