Luanda - Logo que o concidadão, Luaty Beirão publicou o seu vídeo, acompanhado de uma crónica a qual não tivemos oportunidade de ler, embora tenhamos feito algum esforço neste sentido, recebemos várias mensagens, por telemóvel e nas redes sociais, bem como telefonemas, propondo uma leitura consignada sobre o que ocorreu.

Fonte: Club-k.net

Inicialmente resistimos porque percebemos que, na verdade, aquilo não passava de mais uma daquelas coisas do jovem que, às vezes, mistura tudo em nome da liberdade e dos direitos humanos, no geral, que diz defender tendo deixado claro que há um entendimento tanto quanto confuso sobre a postura e a compostura das partes – do Luaty e dos agentes, no caso que, para esta análise serve apenas de um indicador de como, em Angola, em muitas ocasiões, são tratados os agentes de autoridade!


LUATY BEIRÃO: Diz, no vídeo a que tivemos acesso e num tom reprovável a todo o custo e de mau exemplo, que o agente em serviço explicasse que artigo colhia os seus argumentos. Mais afrente diz que não aceitaria deixar a sua carta ao agente por possuir um bilhete de identidade actualizado e com morada inequívoca. Questionado sobre o acto de estar a filmar a conversa toda, o jovem respondeu que o fez como forma de reunir provas da auctuação policial e as poder utilizar em sede do juiz, se necessário, questiona a ausência do número de identificação pessoal de um dos agentes, e com mais ou menos termos justifica dizendo que tal resulta da constituição angolana e da permissão dada pelo Presidente da República e titular do Poder Executivo, João Manuel Gonçalves Lourenço...


AGENTES DA POLÍCIA: Diz o auctuante que multaria o Luaty e, por conseguinte, apreenderia o título de habilitação para a condução (carta). Justificou a medida pelo facto de, avança, Luaty estar a levar crianças no seu veículo, fora das cadeirinhas (é mesmo nestes termos). Questionou, o segundo agente, da filmagem que o Luaty fazia – bastante lacónicos e humildes!


DA NOSSA ANÁLISE: As partes, Luaty Beirão e os agentes, têm que cimentar a ideia a qual a presença de um Polícia na rua, restaurante, discoteca, mercado, pensão ou outro local qualquer que seja, traduz-se, concomitantemente, na presença da autoridade do Estado, no caso, o Estado angolano.


Neste sentido, os cidadãos aí presentes – incluindo Luaty beirão – devem respeito, cordialidade porque Estado é mesmo Estado e por cima dele nada mais há, pelo menos na ordem interna, salvo limites do exercício da soberania interna cuja determinação emana do direito internacional.


Assim, os gestos do Luaty, o tom de voz, a exaltação emocional, a arrogância com que se apresenta ao duvidar da qualidade dos agentes mesmo na presença de um posto quase fixo, com veículo caracterizado e um número maior de agentes demonstra, claramente, a desvalorização do Estado, a visão banal com que encara este mesmo Estado, pois aquele tratamento não foi contra os agentes. Foi contra o ente que eles representam.


Diz, o Luaty, que o agente não tinha que ficar com a carta dele porque tem uma morada actualizada e que consta do respectivo bilhete de identidade. No entanto, este facto, do ponto de vista do direito, é subsumível na matéria regulada no artigo 148º do Decreto-Lei nº 5/2008, de 29 de Setembro (Código de Estrada) sobre o pagamento da multa resultante de uma infracção ao código da estrada.


Neste preceito legal, no seu nº 1º lê-se que a cobrança das multas por infracção ao presente código, bem como a qualquer outro diploma sobre trânsito é feita nos seguintes termos:

a) no acto da verificação da transgressão, se o infractor pretender pagar voluntariamente a multa aplicada, caso em que se faz a cobrança mediante recibo;


visto e analisado e considerando a realidade social do País – pois o direito não se aplica à margem dos outros ramos do saber – conclui-se que não estão (e nunca estiveram em Angola) reunidas as condições para que tal ocorra ou ocorresse, porquanto tal implica a existência, na posse do agente de equipamento próprio para o efeito, como seria, por exemplo, um terminal de pagamento automático, vulgo TPA, sendo esta realidade do conhecimento de Luaty Beirão, a não ser que por ser, também, cidadão português e lá ter andado tenha confundido agentes, estradas e Estado português com Angola, daí eventualmente, a exigência!


Porém, não sendo possível o pagamento no acto da verificação, como vimos, a Lei avança para outra condição. Ainda no artigo 148º nº 1/b, diz: não pagando o infractor voluntariamente a multa [voluntariamente pressupõe na hora da verificação da infracção], é-lhe entregue um aviso para, no prazo de 15, dias efectuar o pagamento ou apresentar reclamação à entidade competente (…).


É, exactamente, nesta segunda parte que se levanta o imbróglio suscitado por Luaty Beirão, por ignorância ou pura provocação ao Estado, considerando, sempre, a devida representação referida atrás.


Ao Luaty Beirão, umas questões básicas: Como notificar (avisar) um condutor para o pagamento da multa se a morada constante do bilhete de identidade do cidadão não corresponde, geralmente, com a morada real e actual?


Como notificar (avisar) um condutor para o pagamento da multa se a sua zona, o seu bairro e a rua não são oficiais e, por isso, não têm registo? Como notificar alguém que vive nos bairros, Suja Pé, Mirú, Em Viana, por exemplo, onde não existem ruas, para não falar de números das residências?


A ser esta a prática certamente ninguém pagaria a multa, em Angola, e se instalaria uma anomia social pior do que aquela que vivemos, hoje, embora isto não seja motivo para que um cidadão atento, como será o caso do Luaty, reclame da materialização do que a Lei, em primeira instância consagra…


No entanto, há que resolver o problema que é da responsabilidade do próprio Estado e das circunstâncias do domínio de todos, pelo que chama aqui uma medida tanto quanto de polícia enquanto entidade responsável pela fiscalização e resultante de uma interpretação da própria Lei, Código da Estrada, que, mais adiante, no artigo 149º sob a epígrafe “infractores não domiciliados em Angola” determina que: 2º) se o infractor (…) não poder efectuar na hora da verificação da infracção deve ser apreendido o título de condução…até à efectivação do pagamento.


No caso, o que se faz em Angola, e os agentes em causa fizeram e de forma legal e correcta, se considerarmos estes fundamentos, é em caso de infracção deve passar a correspondente multa, cujo original fica com o condutor e substitui o título de condução, fazendo fé durante este período, a cópia e o título daquele ficam com o agente autuante, como garantia de que a multa será paga. Aliás, mesmo que esta interpretação não colha, para uns chama-se o principio da subsidiariedade das normas, pelo que se pode recorrer à legislação penal.


Em guisa de conclusão, neste item, esteve bem o agente e, obviamente, mal o condutor impetrante porquanto transportava crianças – pelo que ouvimos no vídeo – fora do sistema de retenção legalmente permitido.


Quanto ao quesito gravação, Luaty Beirão diz que o fez como forma de obter provas para as utilizar em juízo, se necessário, e mostrar a actuação dos agentes. Neste sentido a matéria subsume-se a vários tipos legais, considerando a natureza da matéria, uma vez em tribunal como ele refere. No geral, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos como se depreende do artigo 341º do Código Cível Angolano.


Portanto, o problema desta reside na sua obtenção e validação por parte do juiz a que o Luaty tencionou leva-las, como disse. Esta obtenção obedece a certas regras, fundamentalmente quando se está diante de processos do fórum criminal.


Neste âmbito, elas deve obediência à regra da sua requisição por parte do juiz, o que não se coloca no caso em concreto. Logo, o vídeo em causa pode em sede do julgamento ser considerado como uma prova obtida de forma fraudulenta pelo que em nada serviria, sem, no entanto, descurar a possibilidade de outras interpretações.


Os agentes, de igual forma, têm que perceber que a missão de representar o Estado num destes locais é de suma importância e de elevado valor. Pelo que, tudo devem fazer para que a autoridade do Estado não esteja em causa, como ocorreu, inquestionavelmente, naquela acção.


O agente justifica a susceptibilidade da multa pelo facto de o condutor, Luaty, no caso, ter transportado crianças sem as respectivas cadeirinhas e se socorre ao artigo 53º do Código de Estrada. Este fundamento legal, de facto, existe, mas não regula a matéria invocada pelo agente, pois, este artigo se refere, na verdade, a pessoas mas tem que ver com a entrada, saída, descarga de pessoas e abertura de portas de veículos.


O preceito correcto sobre a matéria é o 55º do mesmo diploma que estabelece, no nº 2 que o transporte de crianças nas condições acima referidas (número um do artigo) deve fazer-se no banco da retaguarda, utilizando o sistema de retenção adaptado ao seu tamanho e peso, [é aqui onde se enquadram às cadeirinhas a que se referiu, no vídeo, o agente].


Quanto a subsunção à Lei dos factos relativos a atitude do autuado, que unanimemente se reconhece a sua deslealdade ao próprio Estado, nada trazemos porque não se colocou em causa, no vídeo, e, por conseguinte, expurgamos da nossa apreciação.


Ainda assim, somos de entendimento que se os agentes percebessem, essencialmente, a gravidade da postura do autuado que colocou em causa a autoridade do Estado, a qual deve garantir, nos termos do artigo 209º e seguintes da Constituição da República, teriam aprofundado mais a fiscalização, questionando, por exemplo, a legalidade das peliculas (fumos) no veículo do mesmo, em obediência ao que dispõe o artigo 18º nº 2 (Aplicação das peliculas), do Decreto Presidencial nº 185/13 de 7 de Novembro – Regulamento das Características de Veículos, conjugado com os artigos nºs 112º e 113º do Código da Estrada, a legalidade das jantes dos pneumáticos, artigo nº 24º do Decreto citado, da existência do triangulo de sinalização, do colete reflector e do extintor de incendio para aferir se o cidadão que se arroga conhecer o Código da Estrada é, verdadeiramente, exemplo no que ao cumprimento do mesmo diz respeito.


Não o tendo feito, os agentes perderam soberana oportunidade para deixar a sua impressão no vídeo e, desta feita, representarem exemplarmente o Estado e fazer sentir a autoridade que se impõe, pois a soberania, a independência que são o corolário desta função administrativa não pode ser colocada em causa por qualquer pessoa colectiva ou individual!