Luanda - Há muito que governar Luanda se tornou num bico-de-obra para a política nacional. O caso não é para menos: desde 2000 até aos dias que correm, a capital do país teve à sua frente 11 governadores. Destes só um largou o cargo com um índice de aprovação que, salvo melhor opinião, rondava os quase 100 por cento. De tal modo que, sempre que se nomeia ou exonera um governador de Luanda, se abrem sepulturas para recepcionar um corpo politicamente decrépito ou para aguardar pelo resto do que virá a ser uma imagem que, regra geral, deixa o poder bastante chamuscada.

Fonte: NJ

Devido à sua importância e por se tratar da maior praça política do país, Luanda sempre se mostrou ingovernável, o que na perspectiva da Ciência Política constitui um estranho contra senso e um fenómeno político contranatura, na medida em que as maiores praças políticas em democracia servem habitualmente para forjar ou servir de rampa de lançamento de políticos competentes e com carreiras promissoras para outros voos na administração do Estado. Temos um caso, que não é obviamente angolano, mas português, da Câmara Municipal de Lisboa, que tem funcionado como uma verdadeira montra política para primeiros-ministros e até de Presidentes da República.

 

E porquê que Luanda se tem constituído num estranho caso de contra senso na sociopolítica nacional? Porque o exercício do poder em Angola, além de se revestir de um conjunto de engrenagens atípicas relativamente à natureza política enquanto instrumento de gestão, constitui um entrave a si próprio por se ter adoptado, ao longo desses anos todos, o carácter antropófago como freio às ambições políticas individuais no seio do MPLA, o que, por um lado, mantém a hegemonia política de quem lidera o país ao mais alto nível, consolidando o seu poder absoluto.

 

Por outro lado, Luanda é também uma praça política que, ao longo dos anos que o MPLA já leva como poder, serviu sempre para garantir a salvaguarda dos interesses grupais e das principais elites políticas e económicas cuja riqueza e enriquecimento esteve sempre alicerçada nas garantias que o poder político lhes vinha proporcionando, bastando que a figura indicada para estar à frente da capital do país se mostrasse fiel depositário dos interesses daqueles que com ele estivessem, não se importando com as consequências políticas que daí pudessem advir. Ou seja, o estar no palácio provincial de Luanda sempre foi sinónimo de melhoria do status quo e não necessariamente o garante de construção de uma carreira política de sucesso.

 

É assim que ao longo dos anos, não houve, pelo menos até hoje — e nunca foi levantada esta questão nestes termos — uma estratégia política por parte do MPLA de criar políticos de alta craveira a partir de uma rampa de lançamento como Luanda enquanto principal praça política do país. Nunca pareceu interessar muito a quem lidera o partido e, neste caso, o país, que surgissem outros nomes cuja importância e peso político os colocasse na linha directa de sucessão ou, pelo menos, num lugar de destaque onde fossem permanentemente tidos e achados como soluções alternativas, inclusive alternativas a quem esteja à frente do partido e/ou do país.

 

Daí que na anterior governação se defendia, e ainda há quem provavelmente defenda, que não havia ou não há políticos à altura do líder. Ora, isso é típico de um unanimismo que a anterior liderança inculcou na dinâmica partidária do MPLA e isso teve e tem até hoje custos altíssimos, na medida em que nenhum político com o mínimo de exposição tem tido coragem de fazer frente a essa barreira psicológica impeditiva. Curiosamente, a única pessoa que se mostrou disponível para enfrentar esse desafio é hoje aquela que se tornou Presidente da República e líder do partido.

 

Como compreender então que Luanda seja o chamado cemitério dos políticos? Porque nunca houve, da parte da mais alta esfera do poder, vontade política para que essas figuras fossem bem-sucedidos à frente da capital do país. A intenção foi sempre, a nosso ver, impedir os equilíbrios de força a nível do partido, evitando-se assim conglomerados de actores políticos com pergaminhos para ascenderem o poder a partir de uma bem-sucedida carreira enquanto governantes.

 

Se ainda estivermos lembrados de Aníbal Rocha, um dos seus maiores pecados, foi ter ganhado grande protagonismo na capital e, daí, passar a ser visto como um político com quem se poderia contar, competente. Em situação normal, se de facto o MPLA estivesse preocupado em forjar ou pelo menos a permitir que os seus militantes se afirmassem como verdadeiros quadros para o país, com base unicamente em critérios como competência nunca Aníbal Rocha teria saído de Luanda nas circunstâncias como saiu, porque representava um nível de excelência governativa que até hoje não se conhece na capital.

 

Não se percebe é como é que um quadro que estava a contrariar a tradição de ingovernabilidade de Luanda tivesse sido exonerado. E mais: o que faz de Luanda uma cidade ingovernável não é a incompetência de quem a governa, mas a falência da estratégia política adoptada a partir do poder central, que está traçada ou condenada ao fracasso desde a sua origem. Porque não se percebe que nenhuma inteligência seja capaz de alterar o estado de coisas numa cidade que tem os maiores contribuintes, as maiores empresas do país, o maior bolo do orçamento geral do Estado destinado às províncias, as melhores condições de mobilidade, apesar do caos do trânsito, etc.

 

Se se tivesse que atribuir responsabilidades de facto sobre o fracasso da governação da capital do país, esta responsabilidade teria de ser assacada, na pior das hipóteses, ao MPLA, porque até hoje só os seus quadros a governaram, e na melhor das hipóteses, ao titular do poder executivo a quem tem competido nomear e exonerar esses quadros. Muito embora no final das contas, estaríamos diante do mesmo quadro de responsabilidade, pois sabemos que quem manda é uma única pessoa!

 

Uma questão de suma importância: até hoje, salvo raríssimas excepções, os quadros que governaram a capital do país não têm qualquer histórico político de excelência, porque fracassaram politicamente, mas o mesmo não se poderá dizer da condição económico-financeira dessas figuras. O que, em parte, justifica a "humilhação".

 

Cá para nós, à semelhança do que aconteceu em Setembro de 2017, relativamente à escolha da figura para vice-presidência do partido no poder — uma militante sem os pergaminhos de outros nomes que sempre se achegaram à frente —, a nomeação do novo governador de Luanda só poderá atender a um propósito específico: o de que será o próprio JLo a governar Luanda, mas por interposta pessoa, tal qual lidera o partido sem que a sua vice lhe faça sombra. Não há, à primeira vista, uma outra razão plausível para tal decisão. E é isso, quanto a nós, que faz de JLo um ente político exótico, porque dá permanentemente uma no cravo e outra na ferradura!