Luanda - A morte de Jonas Savimbi, a 22 de fevereiro de 2002, é, para dois dos 30 filhos do cofundador do principal partido da oposição angolana, ainda "muito dolorosa", faltando ainda fechar feridas que "a História há de sarar".

Fonte: Lusa


Em declarações à agência Lusa e RTP, em Luanda, Rafael Massanga Sakaíta Savimbi, 40 anos, e Vitória Sakaíta Savimbi, 37, recordam "com saudade" um "pai inexcedível" e que proporcionava "momentos memoráveis" sempre que juntava grande parte dos filhos na localidade do Andulo, para onde a União Nacional para a Independência total de Angola (UNITA) mudou a sua principal base no final dos anos 1990.

 

Na véspera dos 17 anos da morte do pai, os dois filhos consideram que a perspetiva da realização de exéquias fúnebres oficiais em abril é "mais um passo" para uma reconciliação nacional por todos desejada e para contrariar a ideia generalizada entre muitos de que o antigo líder da UNITA sempre foi o "mau da fita" e "vilão", considerando que é assim que a História de Angola tem tratado Jonas Savimbi.

 

"Será um dos momentos da sua reabilitação porque, no fundo, o dia a dia dos angolanos tem reabilitado Jonas Savimbi. Acredito nisso. Penso que a História não precisa de decretos presidenciais. Não é um decreto a dizer 'agora é reabilitado'. Não é assim. Será a força dos factos que fará com que os próximos Governos tenham de aceitar Jonas Savimbi como tal na sua dimensão", sublinhou Rafael.

 

"Independentemente das divergências que houve no país, é um dos precursores da independência de Angola. Esteve no Alvor e, com o seu punho, assinou os Acordos de Alvor juntamente com Agostinho Neto [MPLA] e Holden Roberto [FNLA]. Este facto é inegável, está lá. Jonas Savimbi, junto com Eduardo dos Santos, assinou os Acordos de Bicesse. Está lá. Contra factos não há argumentos. Independentemente de gostarmos de uma pessoa ou de outra, é preciso que às pessoas seja devolvido o nome e a dignidade que merecem", acrescentou.

 

Sobre a questão, Vitória salientou que a passagem de mais um ano sobre a morte do pai e as cerimónias fúnebres constituem um "reabrir das feridas": "passei tempos muito difíceis após a morte do meu papá".

 

No entanto, admitiu que este passo pode contribuir para sarar essas feridas definitivamente.

 

"De facto, há esses dois lados. Um é como se fosse abrir novamente as feridas, outro é a necessidade de terem de sarar. Todo esse processo das exéquias que se está a falar muito nas redes sociais, na televisão, é gratificante para nós, filhos, porque é uma missão levar o meu pai para o cemitério de Lupitanga", lado a lado com a terra natal.

 

O líder "histórico" da UNITA nasceu a 03 de agosto de 1934, no Munhango, a comuna fronteiriça entre as províncias do Bié e Moxico, e viria a ser morto em combate após uma perseguição das Forças Armadas Angolanas a 22 de fevereiro de 2002, próximo de Lucusse, no Moxico.

 

A exumação dos restos mortais de Jonas Savimbi ocorreu a 31 de janeiro passado, estando agora três equipas de especialistas forenses, uma angolana, outra portuguesa e outra sul-africana, a analisá-los para determinar o respetivo ADN, para que se possa confirmar a data final das exéquias.

 

"Tenho recordações muito positivas. O pai era um homem que admirava bastante porque conhecíamos a sua dinâmica de vida, da sua opção e, no meio daquele trabalho todo, daquela agenda tão apertada, Jonas Savimbi arranjava sempre um tempo para estar connosco, para falar sobre a nossa vida, os nossos estudos, o nosso futuro,", realçou Rafael.

 

"Isso marca-me. Hoje também sou adulto, ando também um pouco nesta vida [de político] e vejo quão difícil é para mim e então imagino quanto difícil terá sido para ele para estar um bocado connosco, partilhar momentos de pai. É isto que fica hoje.

 

No quadro geral, penso que, felizmente, Jonas Savimbi hoje está a ser recordado como um homem que deu tudo, inclusive a sua vida, para servir o povo angolano", afirmou.

 

Já Vitória insiste que falar do pai "não é fácil" e que as memórias são muitas, destacando o sentido de humor: "o papá era muito cómico".

 

"Com o trabalho do meu pai, com a sua entrega à Pátria, não vivíamos com ele. Mas o pai tornava memoráveis os momentos que passávamos juntos. São muitas as memórias que tenho desde a infância até ao último Natal que passámos juntos, em 1997, no Andulo, e, especificamente, na aldeia de Lupitanga", recordou.

 

Ambos indicaram que, por serem filhos de Jonas Savimbi, sofreram alguma hostilidade, mas não tanta como a de alguns dos irmãos, espalhados por Angola, África, Europa e Américas, que foram obrigados a deixar o país, raramente regressando. No entanto, está tudo a ser preparado para que todos possam comparecer nas cerimónias fúnebres do pai, disseram.

 

"Não tem sido fácil. A nossa vida tem sido desafiante, um desafio permanente, porque temos de aceitar que estar na vida pública é estar sujeito a várias interpretações e a vários julgamentos e hoje, felizmente, a História está a absorver-nos, significa que finalmente a História está a reconhecer todos os seus heróis, independentemente do lado a que pertenceram", sublinhou Rafael.

 

Rafael estava a estudar em Acra (Gana) e Vitória em Abidjan (Costa do Marfim) quando receberam a notícia da morte do pai, "um apagão", mas ainda hoje se recusam a comentar a verdadeira realidade dos factos, uma vez que as versões são muitas.

 

"É próprio dos grandes homens que, quando morrem, há variadíssimas histórias, até contos, à volta disso. Não tenho a versão verdadeira, oficial, sobre o que se passou, mas espero que, com este processo agora desencadeado, surja toda a verdade. Jonas Savimbi é um homem que se inscreve na senda dos grandes e, em geral, assim partem os grandes. À volta deles há sempre muito mistério, muitas histórias. Vamos esperar e um dia saberemos exatamente o que se terá passado no dia 22 [de fevereiro de 2002]", disse Rafael.

 

Questionado sobre se gostaria que o Presidente angolano, João Lourenço, estivesse presente nas cerimónias fúnebres de Jonas Savimbi, Rafael respondeu: "gostaria que qualquer angolano que reconheça Jonas Savimbi, e que tivesse algum tempo, lá estivesse".