Luanda - A directora nacional da Contratação Pública revelou que há casos de corrupção na contratação pública que partiram de denúncias anónimas, uma delas levou já a uma auditoria. Sem revelar a entidade contratante em causa, Rosária Filipe indicou que a instituição conseguiu apurar “dados muito concretos” de indícios de corrupção que já estão no IGAE.

Fonte: JA
O Executivo tem uma estratégia nacional de moralização da contratação pública traçada pelo Serviço Nacional de Contratação Pública. Há casos de imoralidade na contratação pública que justificam uma estratégia nacional?

Como sabe, o Serviço Nacional da Contratação Pública (SNCP) é o órgão responsável pela definição de políticas em matéria de contratação pública, apoia o Executivo nesta matéria. Dentre as nossas responsabilidades, temos como missão auditar a fase de formação dos contratos públicos. Neste particular, temos detectado muitos casos de incumprimento, violação da Lei dos Contratos Públicos, violação das regras anuais de execução do Orçamento Geral do Estado e de matérias conexas. Este incumprimento tem revelado elevados indícios de actos de corrupção.

Quando diz elevados quer dizer o quê?
Inúmeras insuficiências no cumprimentos da Lei dos Contratos Públicos (LCP) tendentes a casos de corrupção na contratação pública. Porém, hoje em dia, as auditorias modernas não focam apenas a sua acção na detecção de actos de incumprimento legislativo, de corrupção, e outros, mas também em actos de prevenção. Este é o grande objectivo da estratégia de moralização. São medidas de prevenção de corrupção na contratação pública, aprovadas pelo Decreto Presidencial n.º 319/18, de 31 de Dezembro.
Temos como instrumentos para concretizar estas medidas o Código de Ética e de Conduta na Contratação Pública, Declaração de Bens e Rendimentos, Declaração de Interesses (deve ser preenchida por todos titulares de cargos políticos, os gestores públicos, membros da Comissão de Avaliação que intervêm no processo de formação dos contratos públicos, com a obrigação de declaração das suas empresas, bem como dos seus familiares na linha recta e na linha colateral até ao 2º grau, para evitar que os gestores públicos celebrem contratos com as suas empresas ou dos seus familiares), Declaração de Imparcialidade, Confidencialidade e de Independência (deve ser feita pelos membros das Comissões de Avaliação com o compromisso de honra, ausência de conflitos de interesses e actuação em conformidade com os postulados legais), Guia Prático de Prevenção dos Riscos de Corrupção e Infracções Conexas (medidas de controlo interno que contribuem para a prevenção, detecção e combate à corrupção), Guia de Denúncias de Corrupção na Contratação Pública (para incentivar a população a denunciar casos do género).

Nunca houve casos?
Já tivemos denúncias anónimas, sendo que uma delas levou-nos a uma auditoria.

Em quê instituição?
Não podemos dar informações específicas. Mas, conseguimos apurar dados muito concretos de indícios de corrupção e remetemos o dossier à Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE).

Já houve algum caso de indícios de corrupção que tenha sido despoletado aqui e tenha ido parar aos tribunais?
Não é do nosso conhecimento. A nós apenas compete remeter os nossos relatórios à Direcção do Ministério das Finanças e à Inspecção-Geral da Administração do Estado, cabendo a estes dar os passos subsequentes. Importa destacar, que temos feito algumas auditorias conjuntas com a Inspecção Geral de Finanças e com a IGAE, ou seja, tratando-se de actividades afins, o Plano Anual de Auditorias do SNCP é remetido à IGAE, para que, no caso de coincidência de entidades a auditar, se façam auditarias conjuntas. Outras vezes, somos mesmo convidados pela IGAE a participar de determinadas acções inspectivas.

A obrigatoriedade de uma declaração de bens e rendimentos não é uma duplicação de diplomas relativamente ao já estabelecido na Lei da Probidade?
Não se trata de uma duplicação da Lei da Probidade. Comparativamente à Declaração de Bens e Rendimentos estabelecida na Lei da Probidade Pública, o Decreto Presidencial n.º 319/18, de 31 de Dezembro, alarga o âmbito que aplicação a todos os funcionários públicos ou agentes administrativos que participam do processo de formação e execução dos contratos públicos, nomeadamente, técnicos encarregues pela elaboração das peças e outros documentos do procedimento, membros da comissão de avaliação e técnicos encarregues pela gestão e execução do contrato. No entanto, o modelo de declaração é o constante da Lei n.º 3/10, de 29 de Março, Lei da Probidade Pública.

Sabemos que os fornecedores do Estado vão ser avaliados em matéria de contratação pública. Como é que isso vai funcionar?
Estamos a trabalhar para definir padrões. A avaliação de desempenho dos fornecedores do Estado é um instrumento que permitirá gerar indicadores que determinem o desempenho dos fornecedores e influenciar as expectativas das Entidades Públicas Contratantes (EPC), mediante a criação de um cadastro único, de per si. Desta forma, apenas devem fazer parte do cadastro os fornecedores com um desempenho favorável nos contratos executados para o Estado, para se evitar casos em que o fornecedor por falta de capacidade financeira ou técnica não consiga executar os contratos que lhe forem adjudicados, prejudicando a administração pública. A título de exemplo notamos que tem havido, em muitos casos, disparidades entre a execução física e financeira dos contratos, com destaque para os de investimentos públicos. Há casos em que os contratos estão pagos na totalidade, mas a execução física está muito aquém do pagamento, outros, porém, a empreitada nem sequer é executada, o que tem trazido prejuízos avultadíssimos para o Estado angolano.

Como pensam resolver isso? Ir aos tribunais?
Vamos avaliar esse tipo de questões, nos termos da Lei dos Contratos Públicos, que permite a inclusão desses tipos de fornecedores na lista de fornecedores impedidos de contratualizar com o Estado, ou seja, a chamada “Lista Negra” que será publicada no portal da contratação pública. E todas as entidades contratantes vão saber que não podem contratar com tais empresas.

O PECPA pretende também acabar com fornecedores que aliciam entidades públicas contratantes?
Exacto. Temos algumas medidas de avaliação dos fornecedores do Estado e para definição dos preços de referência na contratação pública. Sabemos que os nossos contratos, de uma forma geral, têm os preços muito exorbitantes. Estamos a trabalhar agora na definição da base de dados de preço de referência, que será implementada de forma gradual. A base de dados de preços de referência vai estar ligado ao Sistema Nacional de Contratação Pública Electrónica, permitindo sempre que seja lançado um procedimento, tenha um preço de referência para o cálculo dos valores estimados dos contratos, ou seja, já não vão poder definir o preço à revelia como tem sido feito até agora. Até ao momento, já lançamos quatro procedimentos para a aquisição de medicamentos. Nos três primeiros, a poupança foi de 73 por cento e no último foi de 64 por cento. Quando digo poupança, refiro-me àquilo que é o preço estimado lançado pela entidade pública contratante e o preço adjudicado.

O Executivo traçou o Plano Estratégico da Contratação Pública 2018-2022 (PECPA). Qual é o escopo deste plano?
O PECPA é o instrumento que visa suprir as insuficiências e desconformidades detectadas, aos níveis Legal e Regulatório, Institucional e de Capacidade de Gestão, Operações de Contratação e Práticas de Mercado e de Integridade e Transparência do Sistema. Este plano foi elaborado em sintonia com o Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022 (PDN). Há algum tempo, fizemos um inquérito a algumas entidades nacionais para saber quais eram as principais dificuldades em matéria de contratação pública. Também realizamos seminários em que envolvemos as entidades públicas contratantes e associações empresariais. Foi com base nestas constatações que se definiu a estratégia de actuação em matéria de contratação pública. Daí, surgiu o PECPA. O plano não define apenas estratégias e políticas direccionadas ao Serviço Nacional da Contratação Pública, mas envolve todo o sistema nacional de contratação pública, com destaque para as entidades públicas contratantes e os fornecedores, bem como as instituições fiscalizadoras da contratação pública, como é o caso do Tribunal de Contas, da Inspecção-Geral da Administração do Estado, Inspecção-Geral das Finanças.

Quais eram as principais dificuldades antes da elaboração deste plano e o que este visa suprir?
De modo geral, aponta-se como principal dificuldade a falta de aplicação da legislação por parte das entidades públicas contratantes, maioritariamente por indisciplina. Daí que foram criadas as unidades de contratação pública, enquanto serviços responsáveis pelo tratamento de todo o processo de formação dos contratos, de forma centralizada. Com estas unidades as acções de formação são direccionadas, permitindo, assim, a profissionalização da “função compras” na administração pública.

O que pode justificar o recurso aos “standards” da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) para a elaboração do plano?

Angola não é membro da OCDE, mas é do Banco Mundial e do Banco Africano de Desenvolvimento. Angola é avaliada por padrões internacionais, igualmente, utilizada para a avaliação dos sistemas nacionais de aquisições públicas de Estados Membros do Banco Mundial e do Banco Africano de Desenvolvimento, por isso recorremos a esses padrões, mas sempre adaptado à nossa realidade.

Que contribuições colheram para a elaboração do plano?
Depois dos seminários referidos anteriormente, o PECPA foi submetido para uma ampla consulta pública, da qual recebemos contributos do Banco Africano de Desenvolvimento, do Tribunal de Contas e de entidades públicas contratantes, com destaque para os departamentos ministeriais com maior peso no OGE, relativamente a criação dos centros de resolução de conflitos na contratação pública, sistema de avaliação de desempenho dos fornecedores do estado, criação das unidades de contratação pública, base de dados de preços de referência, a estratégia de moralização na contratação pública, dentre outras.

Em que nível está a execução deste plano estratégico?
Antes da aprovação do plano, que foi em finais de 2018, algumas medidas já estavam a ser implementadas, como é o caso das unidades de contratação pública e da implementação do Sistema Nacional Contratação Pública Electrónica. Estamos agora a trabalhar noutra medidas, como a implementação de sistemas de arbitragem e de avaliação de desempenho dos fornecedores do Estado..

Qual é a meta da contratação electrónica para o período 2018-2020?
Estamos a elaborar um plano estratégico da contratação pública electrónica. Começamos com o Ministério da Saúde. Neste momento, o sistema está preparado para abranger tudo que é aquisição de medicamentos e material gastável da Saúde, aquisição de computadores a nível nacional e encontra-se em desenvolvimento as funcionalidades para a aquisição de consumíveis de escritórios e a celebração e gestão acordo-quadro. O objectivo é que estender a contratação electrónica para todo o país até 2022, desde que haja condições de infra-estrutura tecnológica.

Nos últimos anos, tem havido muitas alterações aos procedimentos de contratação pública num curto espaço de tempo. Justifica-se isso?
A Lei dos Contratos Públicos (Lei 9/16) tem os mesmos limites para a autorização da despesa fixados desde 2010. Em 2016, aquando da aprovação da Lei 9/16, não houve actualização dos limites de valor para a autorização de despesa e no período de 2010 a 2018 a taxa inflação atingiu níveis de 103 por cento, sem descurar a desvalorização do kwanza. Portanto, através do Decreto Presidencial n.º 282/18, de 28 de Novembro, fica reduzida a constante intervenção Titular do Poder Executivo no processo de contratação pública, garantindo maior celeridade na sua concretização.

Actualmente, qual é a análise que faz dos níveis de transparência e concorrência nos procedimentos de contratação pública?
Os níveis de transparência e concorrência nos procedimentos de contratação pública ainda são muito baixos. Tendo em conta que a despesa em bens, serviços e empreitadas de obras públicas têm um peso significativo no Produto Interno Bruto e no Orçamento Geral do Estado, a ocorrência de actos de corrupção nesta actividade do Estado, tem tido repercussões negativas ao nível do erário e da vida de todos os angolanos, na medida em que os dinheiros públicos são utilizados de forma indevida, servidores públicos contratam consigo mesmo. Tais actos têm retirado a credibilidade e reputação das nossas instituições a nível nacional e internacional, porquanto, é urgente a inversão de tal quadro. Acreditamos ser possível combater à corrupção a nível dos contratos públicos e suas infracções conexas não apenas pela via repressiva, como também pela via preventiva. É, evidentemente, um quadro que o executivo não quer continuar a expor nem aos seus nacionais, nem ao mundo, por isso, devemos nos sentir todos como sujeitos activos nesta espinhosa luta contra a corrupção, que exige de nós muita coragem e sentido de patriotismo. Portanto, esperamos que a Estratégia Integrada de Moralização na Contratação Pública estimule a adopção de comportamentos éticos em matéria de contratação pública e propiciem, de alguma forma, o resgate do prestígio das nossas instituições, dos nossos gestores, assim como dos fornecedores do Estado. Os níveis de transparência e concorrência nos nossos procedimentos de contratação pública dependem unicamente de cada gestor, funcionário público e agentes administrativos, enquanto o primeiro garante, denunciante, sujeito activo e o mais importante elemento na adopção e promoção de comportamentos éticos.

Inovação

A contratação pública electrónica, cujo portal foi lançado pelo Ministério das Finanças, podem reduzir as despesas públicas em 30% por ano, em termos de custos, de todas as unidades orçamentais do país até Setembro do próximo ano.

O sistema online disponível para fornecedores, nacionais e estrangeiros, vai ser operado pelo Serviço Nacional de Contratação Pública, através de ferramentas que permitem aos concorrentes acederem a informações e procedimentos necessários para concorrerem em determinados concursos públicos. Na fase piloto, fornecedores podem concorrer já para prestar serviços públicos ao Ministério da Saúde, designadamente a Maternidade Lucrécia Paim, Instituto Nacional de Luta Contra a SIDA, Hospital Pediátrico David Bernardino e as direcções nacionais da Contratação Pública e do Património, estes últimos adstritos ao Ministério das Finanças.

Os próximos sectores a serem inseridos neste sistema serão os ministérios das Construção e Obras Públicas e o da Energia e Águas. A plataforma desenvolvida por técnicos do Serviço de Tecnologias de Informação e Comunicação das Finanças Públicas garante um elevado grau de interoperabilidade com o Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado, o Portal da Contratação Pública ( www.contratacaopublica. minfin.gv.ao) e o Portal do Fornecedor (www.fornecedores. minfin.gv.ao). A plataforma electrónica garante um maior controlo da despesa.

Nome
Rosária de Fátima Rangel Dias dos Santos Filipe.

Formação:
Licenciatura em Economia, pela Escola Superior de Economia “Bruno Leuschneur”, Berlim, Alemanhã.

Ocupação:
Directora nacional do Serviço Nacional da Contratação Pública desde Julho de 2013.

Experiência profissional:
Entre 2011 a 2013 trabalhou na Unidade de Gestão da Dívida Pública como técnica superior; técnica superior, entre 2004 a 2010, do Gabinete de Estudos e Relações Internacionais;
De 1997 a 2004, como técnica superior no Gabinete de Estudos e de Relações Económicas Internacionais do Ministério das Finanças.