Luanda - Por estes dias em que a propaganda institucional nos tem bombardeado os neurónios com a Batalha de Cuito Cuanavale, lembrei-me, bem a propósito, da não menos célebre Batalha de Mavinga - um facto importante da história militar de Angola que tem sido afanosamente empurrado para debaixo do tapete pelos ideólogos do regime angolano.

Fonte: SA

Embora seja de admitir que as derrotas militares nunca se celebram, porém, em regimes abertos elas não são simplesmente omitidas e apagadas das memórias das pessoas. Historiadores militares e decisores governamentais não fazem delas tábua rasa; pelo contrário, têm-nas sempre em mente como motivo de estudo, quanto mais não seja para se evitar que a "história se repita".


Ora, por mais que nos esfalfemos em omissões históricas, feitas cirurgicamente, nem tudo acaba no tambor do lixo. E o desaire que as antigas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) sofreram em Mavinga, mais ou menos no período 1985-1987, não constitui facto para ser facilmente esquecido. Até porque, a nível estratégico, os efeitos dessa batalha foram tão significativos e mexeram com a correlação das forças que se digladiavam internamente em Angola, UNITA e Governo.


A Batalha de Mavinga ficará, com efeito, registada como um dos piores desastres militares logrados pelas FAPLA antes do armistício imposto pelos Acordos de Bicesse (1991). Deu-se quando, empurrados pelos duros do aparelho partidário do regime de Luanda, os comandantes militares desencadearam um forcing com o qual tentaram, a todo o custo, abrir caminho para a tomada e controlo da Jamba, o então bastião político-militar das forças rebeldes da UNITA, nos confins do território sudoeste de Angola.


Tratou-se de uma movimentação denominada genericamente como a "Operação II Congresso", a qual, por erro táctico e estratégico, veio a descambar em rotunda derrota das ex-FAPLA, expressa por um número elevado de baixas humanas e um incalculável prejuízo em material e equipamento de guerra.


Mais: da inépcia do então comando das FAPLA resultou que a localidade de Mavinga - o eixo a partir do qual se pretendia atingir a Jamba, e que por isso se revelava nevrálgico para o curso seguinte da guerra civil - se tivesse transformado num autêntico cemitério para largos milhares de tropas governamentais, que se viram subitamente sitiados por forças sul-africanas e guerrilha de Jonas Savimbi.


A inépcia foi pior relativamente à actuação do estado-maior da Força Aérea que permitiu que uma esquadra inteirinha de modernos helicópteros não fosse a tempo de levantar voo, tendo os aparelhos sido fulminados no solo por caças sul-africanos. Mesmo depois disso o comando da FAPA foi ineficaz a gizar uma operação aérea de resgate e socorro às unidades do Exército que estavam sitiadas no solo e à mercê das forças inimigas. Toneladas de víveres despejadas de cima por aeronaves das forças governamentais iam parar às linhas dos guerrilheiros da UNITA.


O desastre de Mavinga foi assim escondido pela retórica propagandística da época, que minimizou os seus efeitos perniciosos para o curso da guerra com a UNITA, sobrelevando as repercussões dos confrontos pelo controlo do Tumpo (Batalha de Cuito Cuanavale) para a geopolítica e geostratégia da região austral do continente africano.


Na verdade, depois da Batalha de Mavinga, e a despeito do que se passou em Cuito Cuanavale, a Jamba tornou-se cada vez mais inacessível para as forças governamentais. Aliás, a UNITA saiu do sufoco em que se abeirava o seu bastião, tendo depois disso ganhado um suprimento de fôlego que lhe permitiu exercer relativa supremacia noutras frentes da guerra, com destaque para as regiões à norte do rio Kwanza, onde as suas forças passaram a deparar-se com soldados governamentais sem grande ânimo para o combate.


O descalabro de Mavinga resultou igualmente na retracção do trabalho de mobilização de novos efectivos para o Exército. Para a "Operação II Congresso" foram engajados milhares de jovens que se haviam apresentado aos centros de recrutamento imbuídos do espírito de dever e missão. Mas após o desaire, esse espírito de voluntariedade caiu estrepitosamente, de sorte que a solução a que se recorreu foi a das "rusgas" constantes nas grandes cidades do país. É nesse tempo também que recrudescem as vagas de deserções e o êxodo massivo de jovens para o exterior de Angola.