Lisboa - O ex-conselheiro da Revolução José Miguel Judas diz que Portugal passou décadas a conspirar contra os governos das ex-colónias, boicotando o sinal de confiança que os militares quiseram dar com o fecho do Tarrafal, em Cabo Verde.

Fonte: Lusa


"A libertação dos presos era um primeiro sinal, claro, de que havia da nossa parte uma vontade real de descolonização. E não de manter situações neocoloniais, como as defendidas pelo general Spínola", diz Judas.

 

"Esse sinal falhou ao nível dos governos. Fomos o centésimo país a reconhecer a independência de Angola e depois os governos nacionais passaram décadas a conspirar contra os governos que lá estavam", acrescenta.

 

O capitão de Mar e Guerra, 70 anos, hoje na reserva, falava em entrevista à agência Lusa sobre os 45 anos da libertação dos presos políticos do Campo do Tarrafal e o encerramento da prisão, em 01 de maio de 1974, cinco dias depois da Revolução dos Cravos.

 

Para Judas, a atitude de Portugal foi de "conspirar" contra a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) e o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e de andar com os movimentos opositores Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) e União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) "ao colo".

 

Foi isto, em larga medida, que "moldou a relação" que hoje Portugal tem com estes países, considera.

 

"Eles sempre a querer manter a relação, independentemente de quem esteja no Governo, porque têm a consciência de que somos os melhores brancos do mundo, somos aqueles com quem se entendem, que nós podemos compreender e que não temos capacidade para neocolonizar", diz.

 

A Revolução "apanha" o então tenente da Marinha Portuguesa e membro do Partido Comunista Português (PCP) ao largo da ilha cabo-verdiana de Santo Antão. O militar de abril fazia também a ligação entre as forças portuguesas e o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).

 

Ativista do Movimento das Forças Armadas (MFA) é rapidamente chamado à cidade da Praia, na ilha de Santiago, para assessorar Fragoso de Matos, então comandante-chefe em Cabo Verde e que, na sequência da revolução de 25 de Abril de 1974, tinha assumido as funções de delegado do Governo.

 

"Dentro do espírito do 25 de Abril, começamos a pensar em coisas práticas e a questão do Tarrafal aparece logo como a primeira. O que fazer com o Tarrafal? O que fazer com os cabo-verdianos e com Cabo Verde", recorda José Miguel Judas.

 

"A abertura ou, melhor dizendo, o fecho do Tarrafal enquanto prisão é logo no dia 01 de maio. Há um processo muito rápido de decisão", que, conta Judas, se deve sobretudo a Fragoso de Matos.

 

"Adere à ideia, mas fica entalado porque sabe que em Lisboa se é contrário a isto. O protagonista é ele. Tem de tomar uma decisão com um caráter jurídico, militar, político e administrativo. É o responsável e tem que vencer as suas dúvidas e saber se está disposto a correr o risco de indispor o Presidente da República", lembra.

 

Por isso, de acordo com Judas, depois de colocar a questão para Lisboa e ter insistido várias vezes sem resposta, toma a decisão.

 

Os presos, à altura cerca de duas centenas, na maioria angolanos e cabo-verdianos ligados ao então PAIGC, são libertados.

 

O consenso era de que Portugal não devia "sair das colónias à balda, com vazios ou más saídas". "Tínhamos uma responsabilidade acrescida, tínhamos que sair bem porque era fundamentalmente do nosso interesse", aponta Judas.

 

"Havia uma consciência de que o chamado Portugal continental era uma coisa pequenina demais para ser forte no mundo e, portanto, se mantivéssemos uma relação com as ex-colónias de povos irmãos, a darem-se bem e com confiança era um fator de fortaleza de Portugal. Estaríamos mais fortes no mundo", acrescenta.

 

Por outro lado, reforça, a ideia era deixar claro, desde logo, que os militares portugueses teriam um papel de "forças armadas de libertação nacional", que não ficariam reféns de seguidismo das orientações de Lisboa, se não concordassem com elas, mas tão pouco andariam "ao sabor dos movimentos espontâneos" que imediatamente surgiram em Cabo Verde.

 

"Sabíamos que o limite entre uma transição pacífica e uma via com violência era muito ténue. Se não assumíssemos o comando e o ritmo do que era necessário fazer, seríamos ultrapassados. Queríamos ser a vanguarda da revolução", acrescentou.